A guerra fiscal do
ICMS é assunto que percorre os tribunais há cerca de 30 anos. Trata-se de
questão federativa delicada, que coloca em lados opostos do campo de batalha
Estados que atacam com incentivos e benefícios não autorizados pelo Confaz e
Estados que retaliam mediante a imposição de sanções aos contribuintes que
deles se utilizem em operações interestaduais.
Na visão dos
Estados de destino, o valor renunciado pelo Estado de origem deveria ser
abatido do crédito passível de compensação pelo mecanismo de
não-cumulatividade. Consequentemente, o imposto devido no destino, em virtude
da operação subsequente à interestadual, seria superior ao que decorreria da
aplicação linear da alíquota interestadual sobre a base de cálculo da
respectiva operação.
O Supremo Tribunal
Federal (STF) reiteradamente decidiu que ferem a Constituição as atitudes
tomadas tanto pelos entes beligerantes que atacam quanto pelos que retaliam.
Entretanto, a prática generalizou-se. Todos os Estados participaram, em algum
momento, da guerra fiscal, ora atacando, ora retaliando.
A Lei Complementar
160 estabelece condições para um armistício que poderá culminar com a
eliminação da guerra fiscal
O motivo é o
anacronismo do sistema de aprovação de incentivos e benefícios de ICMS e das penalidades
previstas para a sua inobservância, na Lei Complementar nº 24/1975. A norma
exige deliberação unânime, de sorte que basta o veto de um único Estado para
que outro não possa conceder estímulo fiscal, por vezes, essencial para
fomentar o seu desenvolvimento socioeconômico.
De outro lado, as
sanções previstas para os Estados (controle do Tribunal de Contas da União,
suspensão de repasse de Fundos de Participação e vedação a repasse de certos
impostos federais já extintos) não sobreviveram à atual Constituição. Em
consequência, o único que "leva bala" é o contribuinte, na feliz
expressão de Eurico de Santi. Sentiram-se os administradores públicos livres,
então, para travar a guerra fiscal, sem maiores preocupações.
A recém-aprovada
Lei Complementar nº 160/2017 altera significativamente o quadro e estabelece
condições para um armistício que poderá culminar com a eliminação da guerra
fiscal. Referida norma prevê, em síntese, que o Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz), por decisão de 2/3 das unidades federadas e desde que haja
a anuência de, pelo
menos, 1/3 das
unidades de cada região, possa celebrar convênio autorizando a convalidação dos
incentivos e benefícios concedidos irregularmente até a publicação do referido
diploma, mediante remissão de débitos e reinstituição das respectivas normas
concessivas.
Os prazos máximos
de vigência de tais desonerações variam entre 1 e 15 anos, conforme o tipo de
incentivo ou benefício. Grosso modo, terão prazos mais alongados aqueles
considerados mais relevantes do ponto de vista econômico. Com isso, haverá
transição ordenada para um cenário sem incentivos, permitindo adequado
planejamento.
Com relação à
guerra fiscal, foram criadas sanções para as unidades federadas, com base na
Lei de Responsabilidade Fiscal. A sua aplicação só depende de provocação do
Estado interessado ao ministro da Fazenda, que tem prazo de 90 dias para
decidir, assegurada a ampla defesa.
Além disso, foram
excluídas sanções aos contribuintes cujos incentivos e benefícios sejam objeto
de remissão pelo Estado que os tenha concedido irregularmente. Neste caso,
deverão ser canceladas as cobranças administrativas e judiciais em curso de
créditos relacionados à guerra fiscal, inclusive pelo Estado de destino, nas
operações interestaduais.
Dessa maneira, foi
corrigida a situação de profunda injustiça que vigia até agora. Com a nova lei
complementar, os Estados, que são os efetivos responsáveis pela edição de
normas inconstitucionais, passam a responder pelos seus atos. A ameaça de
punição, por si só, tende a arrefecer, senão extinguir por completo, a guerra
fiscal.
Note-se que a
proposta original apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) durante a
tramitação do PLS-C 130/2014 era mais dura, apanhando também os agentes
públicos responsáveis pela concessão irregular de incentivos e benefícios.
Houve, porém, forte resistência e, por isso, o Senado não havia acolhido a
ideia inicialmente, mantendo apenas sanções aos contribuintes.
Ocorre que, na
Câmara, o deputado Alexandre Baldy (Podemos-GO) adotou, em seu relatório, a
sanção aos Estados e suprimiu a que atingia os contribuintes. A proposta foi
aprovada naquela casa e, posteriormente, ratificada pelo Senado, ficando
definitivamente incorporada à lei complementar.
Assim, é razoável
afirmar que a publicação da LC 160/2017 iniciou a contagem regressiva para o
fim da guerra fiscal. Completado o ciclo normativo necessário à sua
implementação pelos Estados, e regularizados os incentivos e benefícios
concedidos anteriormente (cujo prazo de vigência é limitado), estima-se que a
concessão de novas desonerações deverá passar pelo Confaz. Do contrário, os
entes infratores estarão sujeitos a restrições financeiras sérias.
É louvável,
portanto, a aprovação da lei complementar, que compatibiliza satisfatoriamente
a multiplicidade de interesses envolvidos, proporcionando a pacificação da
guerra fiscal.
Por Hamilton Dias de Souza e Hugo Funaro, no Valor
Econômico
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