segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Os benefícios fiscais sobre produtos essenciais podem ajudar a concentrar renda?


Por Eduardo Fleury
Em um momento que se discute reforma do sistema do PIS e COFINS é oportuno se levantar questões que normalmente são contornadas pelos políticos. Dentre as muitas distorções do sistema tributário brasileiro, o excesso de isenções e benefícios fiscais deveria ser analisado de forma mais profunda. É necessário determinar os efeitos econômicos destes incentivos fiscais, assim como analisar a eficiência das políticas econômicas e sociais alternativas aos benefícios. O presente estudo analisa especificamente os efeitos da isenção do PIS e da COFINS sobre a cesta básica do ponto de vista distributivo e sugere uma política alternativa buscando melhorar a eficiência do sistema tributário/fiscal. Na primeira seção (I) será explorada a parte conceitual, apresentando estudos já publicados sobre o assunto. A seção (II) divulga os resultados do estudo onde se identifica o valor apropriado do benefício fiscal por faixa de renda.  Na última seção (III) iremos analisar a viabilidade de alternativas de políticas compensatórias e seus mecanismos, além de abordar a ineficiência gerada pela combinação de isenção da cesta básica e a cobrança do PIS e COFINS nas refeições fora do domicílio.
 I. Os efeitos das isenções e benefícios fiscais sobre produtos essenciais
É de conhecimento comum que os impostos indiretos, os IVAs (Imposto Sobre Valor Adicionado), são regressivos do ponto de vista da renda. De forma mais simples, o resultado da aplicação da alíquota do IVA sobre o preço de um produto irá representar uma proporção bem maior da renda de famílias de classe baixa do que a proporção da renda alcançada nas famílias de renda elevada. Assim, para cada unidade de consumo, o IVA cobrado representa um percentual maior da renda das classes mais baixas, sendo por isso considerado como instrumento concentrador de renda (regressivo).
Tradicionalmente os governos tem aplicado alíquotas reduzidas (ou isenções) sobre produtos essenciais às famílias de baixa renda como mecanismo de redução da regressividade do IVA.  Uma vez que os produtos essenciais representam parte substancial do orçamento do cidadão de baixa renda, a tributação reduzida (ou isenção) representaria uma diminuição da relação entre o IVA incidente por produto e a sua renda.

No entanto, esta conclusão é apenas uma forma de olhar o resultado de benefícios fiscais aplicados sobre produtos básicos.   Devemos lembrar que os demais cidadãos não incluídos na categoria de baixa renda também irão adquirir os produtos essenciais com o mesmo benefício fiscal. Dependendo do tamanho da classe média e alta de um país, assim como do número de produtos associados ao referido benefício fiscal, o valor que deixou de ser recolhido pelos cidadãos mais abastados pode representar parcela substancial, ou talvez a maior parte, do total do benefício fiscal concedido.
É necessário entender que os benefícios fiscais são considerados como “gastos” do governo1. Neste sentido, se a maior parte do “gasto” do governo (renúncia fiscal), no caso dos benefícios fiscais a produtos essenciais, é destinada às classes média e alta, então o benefício fiscal concedido sobre produtos essenciais poderá resultar até em concentração de renda.
Caso se demonstre que parte substancial da renúncia fiscal é destinada às classes média e alta, caberia argumentar que as políticas sociais compensatórias, tais como Bolsa Família, seriam mais eficientes em combater a desigualdade de renda do que a concessão de benefícios fiscais sobre produtos essenciais às classes de renda inferiores.  Neste caso, os produtos essenciais seriam tributados à mesma alíquota que os demais produtos (alíquota genérica), e a arrecadação correspondente seria utilizada para fazer políticas compensatórias.
A conclusão acima é suportada por estudos internacionais que vêm sendo publicados há algum tempo. O relatório da OCDE “OECD Economic Survey – Brazil 2013”(página 30) especula e conclui também que “isenções específicas direcionadas a classes baixas, ……, aumenta a progressividade mas podem criar uma perda (linkage) significativa, uma vez que uma grande parte do gasto fiscal (renúncia fiscal) irá beneficiar famílias de alta renda.” O relatório também conclui que uma forma mais eficiente de atingir as famílias de baixa renda seria através dos programas de transferência de renda2.

Estudo realizado pelo Escritório de Orçamento do Congresso Americano (“Effects of Adopting a VAT”3) também concluiu que a aplicação da alíquota genérica para os produtos essenciais combinado com a utilização das políticas compensatórias reduz a carga tributária do IVA sobre o quintil mais pobre da população de 3,9% da renda para -0,2%.  
A Consultoria Econômica “Copenhagen Economics” produziu estudo bastante completo sobre os efeitos da aplicação de isenções e alíquotas reduzidas do VAT sobre diversos produtos e serviços, inclusive alimentos. O resultado deste estudo, publicado no site da Comissão Europeia4, indica que, mesmo sem política compensatória, a utilização de uma mesma alíquota para todos os produtos (sem reduções e isenções) resultaria em uma melhoria do bem-estar do consumidor em 0,03%, equivalente a 1,3 bilhão de Euros5. A mesma pesquisa também conclui que eventual redução de alíquotas sobre produtos alimentícios pode gerar uma perda (vazamento) de receita que irá beneficiar famílias de alta renda.
 II. A distribuição do gasto tributário (renúncia fiscal) entre as famílias em decorrência da isenção de PIS e COFINS sobre os produtos da cesta básica.
A Lei nº 10.925/2004 instituiu isenção (alíquota zero) do PIS/COFINS sobre a importação e comercialização de diversos produtos alimentícios. A lista é bastante extensa, incluindo produtos tais como:  arroz, feijão, carne, farinha de trigo, pão, leite e seus derivados, açúcar, café e massas. Destaca-se que, pela sua abrangência, a lista inclui produtos que podem ser considerados supérfluos, tais como massas e carnes importadas.
Segundo o Relatório “Análise da Arrecadação das Receitas Federais – Dezembro 2014”6, a renúncia fiscal decorrente da isenção dos produtos da cesta básica alcançou o valor de R$ 9,3 bilhões durante o ano de 2014.
Para estimar o quanto desta renúncia fiscal foi “consumida” pelas classes mais baixas de renda utilizamos a Pesquisa de Orçamento Familiar 2008/2009 realizada pelo IBGE (POF-2008/2009). A fonte para o presente estudo foi a Tabela 1.1.14 da POF7 que permite visualizar no detalhe as despesas (monetária e não monetária) com alimentação no domicílio por classe de renda. A lista de alimentos da tabela é bastante específica sendo possível identificar com um bom grau de precisão quais os produtos estão sujeitos a isenção do PIS/COFINS.
A tabela permite identificar, por exemplo, que famílias com renda até R$ 830,00 gastam R$ 2,78 com o consumo de massas, enquanto que as famílias com renda superior a R$ 10.375,00 gastam em média R$ 4,85. Aplicando as alíquotas do PIS/COFINS sobre a despesa com cada produto objeto da isenção, por faixa de renda, foi possível obter quanto (proporção) da renúncia fiscal foi destinada para cada classe de renda.
Existem algumas questões metodológicas no cálculo que estão detalhadas em documento em separado, mas que no nosso entender não devem causar prejuízo às conclusões aqui apresentadas. Cabe ressaltar que as faixas de renda foram corrigidas utilizando-se diversos critérios, mas o resultado aqui apresentado foi corrigido pelo IPCA e pela variação do rendimento real médio (PME). Vejamos então a distribuição da renúncia fiscal por faixas de renda:
As famílias que ganham até R$ 2.082 se apropriam de apenas 24,71% da renúncia fiscal. Pelo Critério Brasil de distribuição de renda, segundo o qual integram a classe média aqueles que tem rendimento superior a R$ R$ 1.814, é possível afirmar que mais de 75,29% da renúncia fiscal é destinada às classes média e alta.  Fazendo os cálculos para rendas superiores a R$ 4.164, ainda assim, 46,57% da renúncia fiscal é apropriada pelas classes média/alta.
A perda de arrecadação para classes de renda que não necessitam do benefício fiscal é substancial e pode ser um importante recurso para políticas compensatórias. Segundo os dados do relatório sobre segurança alimentar no Brasil (2014) publicado pela FAO8, 3,56% das pessoas no Brasil estão em situação de extrema pobreza (dado 2012) e recebem do governo um benefício mensal de R$ 77,00 (2014). Com o valor correspondente à renúncia fiscal desnecessária (R$ 7,02 bi) o benefício acima poderia ser duplicado.  Ainda segundo a FAO, um programa de grande eficácia na erradicação da fome, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), custou 3,3 bilhões de reais para o governo federal em 2012. Com metade do valor da renúncia fiscal poder-se-ia dobrar o programa.
Estamos falando apenas da isenção do PIS/COFINS, mas os Estados também concedem isenções de ICMS sobre produtos da cesta básica o que deve gerar uma perda substancial de arrecadação tributária na forma aqui exposta.
 III. Mecanismo de restituição, distorção no mercado de trabalho e conclusões
Uma das soluções para o problema acima seria a cobrança do PIS/COFINS sobre os produtos da cesta básica (alíquota genérica – 9,25%) e o valor arrecadado seria utilizado em política social compensatória. Como verificamos acima, o resultado seria mais eficiente em reduzir a regressividade dos IVAs do que a concessão de isenções.

Na prática, porém, muitas pessoas de classe de renda baixa iriam pagar preços mais altos por alimentos e poderiam não receber os benefícios sociais do governo. No entanto, diferente de outros países, o Brasil tem desenvolvido recentemente uma “tecnologia” que pode ajudar na solução deste problema. A chamada Nota Fiscal com CPF pode permitir que o PIS/COFINS pago na compra dos produtos alimentícios seja imediatamente creditado na conta da pessoa cadastrada, ou ainda, no próprio cartão do bolsa família.  Eventuais fraudes poderiam ser combatidas pela restrição do valor do crédito por CPF. Com esta solução, a regressividade da cobrança do PIS/COFINS sobre alimentos da cesta básica poderia ser substancialmente reduzida.
Cabe ainda destacar outro ponto de ineficiência da isenção do PIS/COFINS sobre produtos da cesta básica. No atual sistema, bares e restaurantes compram os produtos isentos, mas não tomam créditos. Como consequência, os alimentos contidos nas refeições acabam sendo tributados pelo PIS/COFINS e a alimentação fora de casa fica proporcionalmente mais cara do que a realizada no domicílio. Para algumas faixas de trabalhadores, o custo das refeições fora do domicílio é um importante componente na decisão de aceitar um trabalho. Indiretamente, teríamos um aumento no preço (salário) de equilíbrio do mercado de trabalho e redução da oferta de emprego.
A eliminação das isenções e benefícios fiscais também pode resultar em redução da alíquota genérica aplicada aos demais produtos e serviços, espalhando benefícios para todos os consumidores, mas sem alcançar o efeito distributivo desejado.  Importante ainda ressaltar que o excesso de isenções e benefícios fiscais também gera um custo burocrático para empresas e fisco, visto que se gastam centenas de horas de advogados e funcionários públicos para se determinar se a empresa está ou não habilitada a usufruir determinado benefício fiscal, sem contar o custo da incerteza jurídica.
Procurar resolver as ineficiências do sistema tributário brasileiro não tem sido considerado seriamente por boa parte dos economistas e políticos brasileiros. Não é o que acontece no resto do mundo, os efeitos econômicos são levados em conta para a adoção de qualquer medida tributária. O Brasil precisa começar a encarar seriamente seu sistema tributário.
_____________
1 A Receita Federal do Brasil apresenta relatório anualmente denominado de “Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária – (Gastos Tributários) – PLOA” onde enumera os valores que deixaram de arrecadar em virtude de isenções e demais benefícios fiscais. O relatório para o ano de 2014, utiliza a seguinte definição:
“….essas desonerações irão se constituir em alternativas às ações Políticas de Governo, ações essas que têm como objetivo a promoção do desenvolvimento econômico ou social, não realizadas no orçamento e sim por intermédio do sistema tributário. Tal grupo de desonerações irá compor o que se convencionou denominar “gastos tributários”.”  (fls 7)
4 “Study on Reduced VAT applied to goods and services in the Member States of the European Union” (2007) –http://ec.europa.eu/taxation_customs/resources/documents/taxation/vat/how_vat_works/rates/study_reduced_vat.pdf
5 Idem nota 4 , páginas 14 e 15. O estudo utiliza a premissa de neutralidade fiscal-orçamentária. Assim, uma redução de alíquota ou isenção deve ser compensada por aumento da alíquota genérica, visto que a necessidade orçamentária continua sendo a mesma.
7 Tabela 1.1.14 – Despesas monetária e não monetária média mensal familiar, com alimentação, por classes de rendimento total e variação patrimonial mensal familiar, segundo os tipos de despesa, com indicação do número e tamanho médio das famílias, na área urbana – Brasil – período 2008-2009
8 O ESTADO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASIL – Um retrato multidimensional – RELATÓRIO 2014 – FAO

Eduardo Fleury é economista (USP), Advogado, Mestre em Tributação Internacional pela University of Florida, Especialista em Direito de Empresas Americanas pela Harvard Extension School e em Corporate International Tax Planning pela Leiden University, Holanda.  


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O que a economia comportamental tem a dizer sobre a morte do pequeno Aylan?



 Por Carlos Mauro

Todos nós somos expostos, com mais frequência do que gostaríamos, a imagens de pessoas mortas em genocídios, guerras, em fugas por refúgio, em ataques terroristas e noutros cenários de morte ou assassinatos coletivos. Estas imagens são terríveis com dezenas, centenas ou milhares de mortos, muitas vezes, amontoados. Sentimo-nos mal. Contudo, a verdade é que, apesar do sofrimento, rapidamente recuperamos desse sentimento e, na maioria das vezes, pouco falamos sobre o assunto. A notícia corre na imprensa e pelas redes sociais, cria-se, de alguma forma, uma certa interpelação coletiva mas, logo depois, voltamos a ver principalmente fotos de pratos de comida e selfies no Facebook.
Nos últimos dias, temos sido quotidianamente informados sobre um conjunto de mortes ocorridas durante o percurso de fuga de refugiados que, desesperadamente, tentam entrar no continente europeu. No início, as notícias eram tipicamente aquelas a que estamos habituados, ligadas a mortes coletivas como, por exemplo, o caso das dezenas de refugiados que morreram asfixiados dentro de um camião na Áustria. A maioria de nós ficou triste, é claro. E seguimos o roteiro, mais uma vez: sentimo-nos tristes por alguns momentos, tivemos alguma vontade potencial para ajudar, sentimo-nos tentados a doar algum dinheiro, mas, passadas algumas horas, começamos a esquecer o assunto. Era, afinal, mais um caso trágico com muitos mortos, sem nomes e sem histórias específicas. Neste tipo de caso pensamos mais no número de mortos do que nas vítimas propriamente ditas.
De um dia para o outro, no entanto, houve uma reviravolta no sentimento das pessoas sobre a tragédia e o sofrimento dos refugiados. As doações aumentaram vertiginosamente, as ofertas para receber refugiados cresceram como nunca, os políticos mostraram-se mais diligentes, e, de modo geral, a população tornou-se mais desperta para o problema e mais conectada afetivamente com a situação.
Esta mudança drástica ocorreu por causa da triste história da criança que morreu afogada durante a busca por refúgio. Esta criança foi identificada como sendo o menino Aylan, que tinha 3 anos, vestia uma camisa  vermelha e calções azuis, que morreu afogado e foi encontrado e fotografado numa posição de submissão ao seu sofrimento. Depois, soubemos que o irmão e a mãe tinham, também, morrido nas mesmas condições, mas o certo é que nos interessamos muito menos por eles.
O leitor poderá pensar que me encaminho para criticar a nossa “hipocrisia” e a nossa suposta suscetibilidade a sermos manipulados pela imprensa. Afinal, nos últimos anos, temos sido bombardeados por imagens de milhares de pessoas mortas em situações muito semelhantes, mas nunca antes mobilizamos tantos esforços como agora, depois do caso Aylan. Mas não, não pretendo acusar ninguém de nada.
O que pretendo dizer é que esta situação pode ser explicada pela ciência e pela economia comportamental através do “Efeito da Vítima Identificável”, fenômeno descrito na última década por alguns cientistas e economistas comportamentais, como, por exemplo, pelos professores americanos Paul Slovic, George Lowenstein, Deborah Small e pela professora israelense Tehila Kogut. Os estudos sobre este efeito têm revelado uma grande assimetria na nossa tendência para ajudar em casos de vítimas coletivas e em casos de vítimas identificadas. A tragédia recente é exemplar neste sentido. Lemos e fomos confrontados com imagens de dezenas e centenas de refugiados mortos, mas parece que acordamos para o assunto apenas depois do caso Aylan. Inequivocamente, a probabilidade de agirmos e de ajudarmos de alguma forma aumentou depois de termos tido acesso à história de Aylan, cujas imagens correram o mundo, de modo viral.
O Efeito da Vítima Identificável mostra-nos claramente como agimos nestas situações. Tentando evidenciar o efeito de um ponto de vista científico, nas experiências mais conhecidas, os participantes são separados em dois grupos diferentes e são desafiados a responder sobre situações ligeiramente diferentes. Um dos grupos lê a história de milhares de crianças que estão em situação de risco num país muito pobre e, logo a seguir, os participantes são questionados sobre quanto estariam dispostos a doar para ajudar. O outro grupo lê a história de uma criança identificada que está em situação de risco no mesmo país e, logo a seguir, os participantes, também, são questionados sobre quanto estariam dispostos a doar para ajudar. Qual seria o resultado esperado? A maior parte das pessoas diria que, seguindo a crença de que somos agentes racionais, os participantes do grupo com milhares de vítimas doariam substancialmente mais do que os participantes do grupo com a vítima única. No limite, poder-se-ia dizer que o valor da doação seria o mesmo, pois as pessoas podem ter um valor para doação e, quer seja para uma ou mil crianças, doarão o mesmo, pois é o que têm disponível.
Contudo, o curioso é que as coisas não ocorrem nada assim. Os participantes do grupo com os milhares de vítimas doam a metade do valor dos participantes do grupo com a vítima única e identificada. Para um adepto da crença de que os agentes econômicos são racionais, este comportamento não faz sentido. No entanto, este é o comportamento que sistemática e previsivelmente exibimos. Temos a clara tendência para nos ligarmos afetivamente a casos únicos e identificados de modo substancialmente mais forte, do que a casos de tragédias coletivas, com milhares de vítimas. Este efeito pode explicar a nossa passividade em casos de genocídios e a nossa diligência em casos de uma vítima identificada na mesma condição.
Temos que ter consciência que o Efeito da Vítima Identificável pode ser utilizado para mobilizar as pessoas para boas ou más causas. Contudo, assumindo que os cientistas e economistas comportamentais seguem imperativos éticos, podemos afirmar que este efeito abre um conjunto enorme de possibilidades para fazer o Bem. Algumas ONGs, por exemplo, já estão conscientes disso e identificam o beneficiário da doação, aumentando, assim, as suas receitas e a dimensão dos recursos afetos às causas que representam.
O potencial de aplicação deste efeito é grande. Podemos influenciar as decisões das pessoas de modo muito eficaz, por exemplo, mudando a perspetiva do problema, identificando um sujeito do conjunto de vítimas ou beneficiários. No caso específico dos refugiados, podemos aproveitar a onda para estabelecer compromisso mais fortes entre Estados e pessoas, enquanto durar o “efeito Aylan”. Obviamente, não podemos correr o risco da banalização, mas seria importante que a imprensa fosse sensibilizada para as possibilidades do efeito e, com mais frequência e de forma responsável, se interessasse por casos únicos e identificasse as vítimas. No fundo, que contasse uma história com a qual o público se pudesse identificar afetivamente e agir.
Deste modo, talvez conseguíssemos criar e desenvolver uma percepção do sofrimento coletivo mais adequada e mais realista, criando condições para uma ação, individual e coletiva, mais eficaz e mais consciente.
Carlos Mauro é professor da Faculdade de Economia da Universidade Católica Portuguesa - Porto. Diretor do Behavior, Economics and Organizations Laboratory – BEO LAB – Católica Porto, e Visiting Scholar na Wharton School – Universidade da Pensilvânia.



segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Como melhorar a educação no Brasil?



Por Naercio Menezes Filho 
Introdução
Melhorar a educação é fundamental para qualquer sociedade crescer de forma sustentável no longo prazo com justiça social. A educação melhora a produtividade dos trabalhadores e de suas firmas, facilitando inovações tecnológicas e a aplicação de novas técnicas gerenciais. Além disso, como a elite econômica de qualquer país já tem um alto nível educacional, aumentos posteriores na escolaridade e na qualidade da educação favorecem principalmente as famílias mais pobres, aumentando a ascensão social e a mobilidade intergeracional e diminuindo a pobreza e a desigualdade.
A agenda social no Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. No passado tinha-se a ideia de que para melhorar a vida dos mais pobres era apenas necessário formar elites esclarecidas, que formulariam políticas econômicas corretas que, por sua vez, ajudariam a reduzir a pobreza indiretamente através do crescimento econômico. Hoje em dia está mais sedimentada a ideia de que as crianças nascidas em famílias mais pobres deveriam ter condições iniciais parecidas com as nascidas em famílias mais ricas, para poderem exercer livremente suas escolhas e também contribuir para o crescimento e desenvolvimento do país, através de um mercado competitivo.
Mas, como a sociedade pode dar condições iniciais iguais para todos? Fornecendo serviços de saúde e educação de qualidade para que as pessoas possam atingir um nível de capital humano no início da vida adulta que os permita competir em igualdade de condições no mercado de trabalho, independentemente de sua condição social. O objetivo de fazer com que as crianças nascidas em famílias pobres consigam sair da pobreza no longo prazo por seus próprios meios. O sucesso pleno do programa bolsa família ocorrerá quando ele não for mais necessário.
No Brasil, o processo de inclusão social mais recente começou com a estabilização da economia em meados da década de 90 e continuou com os programas de transferência condicionais de renda. Nesses programas as famílias mais pobres recebem uma transferência monetária desde que seus filhos frequentem a escola e façam exames de saúde. Esses programas começaram com a Bolsa-Escola, que foi implementada em algumas capitais do país desde a década de 90 e foram unificada aos demais programas sociais no início desse século e transformados no Bolsa-Família. Esses programas são os mais eficazes e modernos existentes atualmente. Várias avaliações de impacto realizadas sobre o programa bolsa-família, por exemplo, mostram que o programa foi efetivo em aumentar o acesso à escola das famílias mais pobres, diminuir a pobreza extrema e a desigualdade, sem afetar a oferta de trabalho dos pais.
Entretanto, programas de transferência de renda não são suficientes para dar condições iniciais iguais para todos, independentemente da condição social. A desigualdade de renda continua elevada no Brasil e a mobilidade entre as gerações ainda é uma das mais baixas do mundo. Mesmo que as famílias mais pobres tenham colocado seus filhos na escola, as condições da criança nos primeiros anos de vida e a qualidade da escola pública impedem que a maioria das crianças mais pobres consiga permanecer na escola até o final do ensino médio.  As que permanecem não conseguem aprender o suficiente para poder ingressar no mercado de trabalho com condições de obter um emprego qualificado no setor formal da economia. Desta forma, a agenda social tem que lidar com esse desafio.
Assim, sugerimos nesse artigo uma proposta para continuar transformando a vida das famílias mais pobres. A ideia é melhorar a qualidade da educação, sugerindo um programa em que o governo federal incentiva os estados e municípios a adotarem práticas eficazes para melhorar o aprendizado nas escolas públicas..

Evolução da Educação no Brasil
O principal problema do nosso país é que não conseguimos combinar crescimento da produtividade com avanço social. A Figura 1 mostra isso claramente ao comparar o crescimento dos anos médios de escolaridade no Brasil e em outros países do mundo entre 1960 e 2010. Podemos observar que já em 1960 a população brasileira tinha apenas pouco mais do que dois anos de estudo em média, assim com o México, ao passo que na Coréia a população tinha apenas três anos de escolaridade em média. Nesses países, a maioria da população era analfabeta. Em comparação,a população chilena já tinha mais do que cinco anos de estudo em média e a americana já alcançava nove (ou seja, mais do que o ensino fundamental completo). Entre 1960 e 1980, o Brasil avançou muito pouco em termos educacionais. Nossa prioridade nessa época foi aumentar a produtividade do país através da transferência de grande parcela da população do campo para a cidade, saindo do setor agrícola pouco produtivo para a indústria que crescia. Entretanto, como pensávamos que esse processo iria durar para sempre, nos esquecemos de educar nossos trabalhadores. Enquanto isso,a Coréia atingiaoito anos de escolaridade média já em 1985, o Chile atingiu esse patamar em 1990, ao passo que o Brasil só iria alcançá-lo em 2010 (25 anos após a Coreia). Nos Estados Unidos a população adulta tem quase 14 anos de estudo atualmente.
img_2670_1
O grande avanço brasileiro ocorreu entre 1990 e 2010. Vários fatores podem explicar esse avanço educacional. Em primeiro lugar, a constituição de 1988 incentivou a descentralização da gestão da educação para os municípios e estabeleceu limites mínimos de gastos com educação. Além disso, o Fundef em 1998 redistribuiu os gastos dos municípios ricos com poucos alunos para os municípios pobres com mais alunos, equalizando os gastos por aluno dentro de cada Estado. Além disso, os programas de progressão continuada (ciclos) diminuíram as grandes taxas de repetência que vigoravam no Brasil (cerca de 40%) e assim diminuíram a evasão. Finalmente, os programas Bolsa-Escola e Bolsa-Família aumentaram a frequência escolar entre as famílias mais pobres, pois exigiam essa frequência como contrapartida para a transferência de renda.
Vale notar, porém, que nos últimos anos já está ocorrendo uma desaceleração no ritmo de crescimento educacional. A Figura 2 abaixo mostra a evolução recente dos anos médios de escolaridade para os jovens (22 a 24 anos de idade) no Brasil separadamente para brancos e negros/mulatos. Podemos notar, em primeiro lugar, que existe uma grande desigualdade em termos de acesso à educação por cor, pois os brancos tinham em 1992 dois anos a mais de escolaridade média do que os negros. Essa diferença reflete-se no mercado de trabalho. Entre 1992 e 1999 tanto os brancos como os negros aumentaram em média um ano de estudo. Entre 1999 e 2006, o ritmo de crescimento na escolaridade média aumentou bastante, passando para quase dois anos para os negros e 1,7 ano para os brancos. Isso significa que não apenas o avanço educacional foi impressionante, como a desigualdade se reduziu na medida em que os negros avançaram mais do que os brancos.
img_2670_2
Entretanto, entre 2006 e 2013 o ritmo de avanço declinou para ambos os grupos, embora a desigualdade entre brancos e negros tenha continuado a reduzir-se. Essa redução recente no ritmo de crescimento no acesso à educação significa que dificilmente vamos alcançar a Coreia ou os Estados Unidos no curto prazo.
Uma notícia boa é que a frequência à pré-escola tem melhorado bastante no Brasil. As pesquisas recentes na área de economia da educação têm enfatizado a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento saudável das pessoas. Se a criança cresce em ambientes de pobreza extrema, em situações de estresse tóxico, ela pode sofrer atrasos no desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e sócio emocionais, o que vai prejudicar seu desempenho ao longo da vida escolar. Assim, nessas situações é importante que a criança tenha acesso a uma pré-escola de qualidade, para que possa conviver e interagir com outras crianças e aumentar sua capacidade de aprendizado. A Figura 3 abaixo mostra que entre 1992 e 2013 a porcentagem de crianças brancas e negras que frequentam à pré-escola praticamente dobrou. Vale notar também que a diferença de acesso por cor é pequena quando comparada à diferença de anos médios de escolaridade. Com a diminuição do número de crianças que está ocorrendo hoje no Brasil (em virtude da transição demográfica), essa parcela deve aumentar ainda mais.
img_2670_3
Entretanto, a qualidade da educação tem melhorado pouco e muito lentamente no Brasil. A Figura 4 mostra a evolução do desempenho dos alunos brasileiros nos exames de proficiência realizados pelo INEP (ministério da educação) entre 1995 e 2013. Podemos notar que houve uma queda substancial de desempenho em todos os ciclos entre 1995 e 2003, consequência do maior acesso à escola das crianças nascidas em famílias mais pobres que foi documentado acima. Como as crianças nessas famílias geralmente tem menos investimentos nos primeiros anos de vida, seu desempenho na escola tende a ser pior do que a média.
Entre 2003 e 2013 o aprendizado aumentou significativamente no 5º ano. Vários fatores explicam esse fato. Em primeiro lugar, o aumento na taxa de frequência à pré-escola faz com que as crianças ingressem no ensino fundamental com maior capacidade de aprendizado. Além disso, o aumento educacional das mães e dos pais contribui para aumentar os estudos em casa e consequentemente também afetam a melhora do aprendizado. Estudos mostram que a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos também contribuiu para a melhora do aprendizado. Por fim, iniciativas de melhora de gestão em alguns municípios, tais como Sobral e Foz do Iguaçu, também obtiveram bons resultados.
Entretanto, a grande preocupação é com a estagnação da qualidade da educação no 9º ano do ensino fundamental e no 3º ano do ensino médio. Isso significa que os avanços obtidos no 5º ano não estão chegando até as series finais. Ou seja, apesar do aumento de acesso à educação ocorrido nas últimas décadas, o aprendizado médio dos alunos que concluem o ensino médio permanece abaixo do nível de 1995.
img_2670_4
Na comparação internacional, nosso desempenho educacional também é preocupante. A Figura 4, por exemplo, mostra a distribuição de proficiência dos alunos brasileiros no exame PISA de 2012 em comparação com os alunos da OECD. Podemos notar que apenas 33% dos alunos brasileiros tem desempenho acima do nível 1, que pode ser considerado sofrível e que 35% tem desempenho abaixo desse nível, ou seja, praticamente não entenderam nenhuma questão da prova. O pior é que a maioria dos nossos futuros professores encontra-se nesse nível. Na OECD, por outro lado, quase 80% dos alunos está acima do nível 1 e somente 5% está abaixo desse nível. Assim, o nosso foco tem que ser em melhorar a qualidade da educação. Como fazê-lo?
img_2670_5

Razões para a Baixa Qualidade da Educação
O aprendizado dos alunos nas escolas públicas é muito baixo por vários motivos. Em primeiro lugar, como vimos acima, os alunos muitas vezes já chegam à escola com sérias deficiências no seu desenvolvimento cognitivo e sócio emocional. O background familiar (nível socioeconômico das famílias) é muito importante para o desempenho dos alunos, explicando cerca de ¾ do seu desempenho em testes padronizados. Mas, melhorar o background familiar leva bastante tempo e nosso problema educacional é urgente.
Com relação aos professores, nosso principal problema é que o ensino de graduação em grande parte das faculdades de pedagogia é fraco, teórico e com pouca ênfase na prática em sala de aula. Não há um currículo mínimo mostrando o que cada professor deve ensinar em cada série. Os diretores das escolas muitas vezes são escolhidos por critérios políticos e costumam ficar pouco tempo nas escolas, especialmente nas piores escolas.
Os secretários de educação, de forma geral, não enfatizam a meritocracia no sistema educacional. Poucos utilizam avaliações externas para guiar políticas educacionais. Muitos resistem a apoiar políticas de ciclos (progressão continuada), por questões políticas. Finalmente, o tempo de aula efetivamente ministrado nas escolas públicas é mínimo. Alunos no ensino médio têm cerca de 2 horas de aula efetivas em média por dia, o que é claramente insuficiente para melhorar seu aprendizado. Assim, para melhorar o aprendizado dos nossos alunos faz-se necessário um pacote de medidas que ataquem as várias deficiências existentes em todos os elos da cadeia: aluno-família-faculdades de pedagogia-professor-diretor-secretários de educação.
img_2670_6
O Financiamento da Educação
Há uma série de distorções no financiamento para a educação que devem ser resolvidas independentemente da questão de aumento de gastos ou de melhora na gestão dos recursos atuais. A Constituição de 1988 vinculou os gastos com educação às receitas de certos impostos (18% para União e 25% para estados e municípios). Porém, havia grande disparidade de recursos aplicados à educação entre municípios, uma vez que suas receitas também são díspares. O FUNDEF foi instituído para amenizar tal problema. Através do FUNDEF, municípios e estados contribuíam para um fundo estadual com 20% das receitas de certos impostos (ver Tabela 1) e o montante desse fundo era redistribuído de acordo com o número de matrículas no EF. Assim, os municípios mais ricos com poucos alunos transferem recursos educacionais para os municípios mais pobres que atendem mais alunos. De acordo com as regras do FUNDEF, 60% dos recursos dos fundos deveriam ser usados com remuneração dos profissionais do magistério.

Em 2007 o FUNDEF foi transformado em FUNDEB. Enquanto no FUNDEF os recursos eram distribuídos na proporção dos alunos do ensino fundamental, os recursos do FUNDEB são distribuídos com base em uma medida que pondera os alunos de cada rede em diferentes níveis de ensino (infantil, fundamental e médio). Além desses recursos, sempre que um estado não atinge o valor mínimo por aluno, fixado todos os anos pelo governo federal para o Brasil todo, o governo federal faz a complementação. Os estados que recebem verbas da União para o FUNDEB são: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba e Piauí.
A partir de 2010, o valor mínimo gasto por aluno em todo o Brasil passou a ser fixado de forma que o governo federal contribua com 10% do total arrecadado pelos demais entes federados para o ensino básico. Assim, sempre que a arrecadação total dos estados e municípios aumenta, o montante destinado ao FUNDEB também aumenta e o montante a ser gasto pelo governo com educação básica também. Ou seja, os gastos com ensino básico dependem do desempenho da economia, o que parece algo bastante lógico.
Desses 10% a serem gastos pelo governo federal, 90% deve ser distribuído com base no número de alunos em cada município para garantir o gasto mínimo por aluno estabelecido nacionalmente (ou seja faz parte do Fundeb). Além disso, até 10% (ou seja, 1% da complementação da união) pode ser distribuído para programas direcionados para melhoria da qualidade da educação básica. Esses recursos somam cerca de R$1 bilhão atualmente e podem ser livremente alocados pelo governo federal. A Tabela 2 apresenta as estimativas de arrecadação total do FUNDEB por ano, assim como o aporte de recursos do governo federal para o Fundo.
img_2670_7
Entretanto, há uma distorção no sistema de gastos com a educação que deve ser ressaltada. A Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, estabeleceu um piso salarial nacional para o magistério de 950 reais para os professores com formação de nível médio, na modalidade “normal”, em uma jornada de 40 horas semanais. A lei também estabelece que o piso nacional deve ser reajustado anualmente, sendo acrescido o mesmo percentual do aumento do gasto mínimo por aluno previsto do ano anterior (que depende do montante arrecadado pelos estados e municípios). A Tabela 3 apresenta o gasto mínimo previsto no final do ano anterior (que é usado para definir o piso salarial do ano seguinte) e o consolidado (que só é definido durante o próprio ano vigente) nos últimos anos.
Como a maior parte dos gastos com educação são salários dos professores, essa lei tem grande importância para definição dos gastos. Mas, existem três problemas principais com essa lei. O primeiro é que em caso de uma situação de recessão econômica, como a que ocorre atualmente, o gasto mínimo consolidado tenderá a ser menor do que o gasto previsto, mas isso não muda o piso salarial dos professores, que foi definido com base no gasto previsto no final do ano anterior. A Tabela 3 mostra que isso ocorreu em 2012, quando o gasto mínimo previsto no final de 2011 (que reajustou o piso salarial de 2012) foi de 22%, enquanto o gasto mínimo consolidado aumentou somente 9,44%, em linha com o crescimento da arrecadação dos estados e municípios (ver Tabela 2). Assim, nesses casos, vários Estados e Municípios não têm condições de pagar o piso.
Além disso, mesmo no caso em que o gasto mínimo previsto diminua com relação ao ano anterior, não é possível diminuir o salário dos professores, o que também acarreta estrangulamento dos gastos municipais. Por fim, se a arrecadação de um município crescer menos do que a média nacional prevista no ano aterior, esse município terá que aumentar a parcela de recursos destinados ao pagamento de professores para que possa cumprir o piso salarial. Isso fará com que o município tenha que diminuir todas as outras despesas educacionais para poder cumprir a lei.
img_2670_8
Outra distorção ocorre com a distribuição dos gastos entre os níveis de ensino. O ensino superior apropria aproximadamente 15% dos gastos públicos em educação (R$ 39 bilhões em 2013) e aproximadamente 50% dos gastos federais (39 bilhões em 2013), mas tem apenas 3% do total de alunos. Assim, enquanto o ensino básico gasta 23% do PIB per capita por aluno, o ensino superior gasta 89%. Ou seja, cada aluno do ensino superior público recebeu investimentos de R$21000 em 2013, enquanto seu equivalente no ensino básico recebeu somente R$5500. Poderíamos argumentar que os gastos com educação superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum país do mundo essa discrepância de gastos entre o ensino básico e o superior é tão grande. Na média da OCDE, o gasto por aluno no ensino superior é somente duas vezes maior do que no ensino básico, na Coreia é pouco mais de uma vez e meia e nos EUA, maior gerador de pesquisas no planeta, chega a três vezes. Sem contar o fato de que muitos dos alunos que hoje frequentam o Ensino superior público teriam condições de pagar mensalidades, o que não ocorre no Ensino básico.
Com relação ao montante total de gastos, a principal concepção equivocada na área educacional é que bastaria aumentar os gastos com educação para atrair melhores professores que a qualidade melhorará automaticamente. Como o Plano Nacional de Educação prevê aumento de gastos com educação para 10% do PIB, com ajuda dos royalties do pré-sal, o problema educacional estaria resolvido. O equívoco desta visão é que não há relação automática entre gastos e proficiência. Países com desempenho excelente no PISA 2012, como Vietnam, por exemplo, gastam pouco como proporção do PIB. Os Estados Unidos é o país que mais gasta com educação e seu desempenho é mediano.
Atualmente o gasto público direto com educação no país equivale a 5,2% do PIB, ou seja, R$ 260 bilhões, em valores de 2013 (ver Tabela 4).1 Desse total, 85% são gastos com educação básica, o que significa que cada aluno do Ensino básico recebe um investimento médio de R$ 5,500mil, equivalente a 23% do nosso PIB per capita. Países da OCDE gastam em média 26% do seu PIB per capita com Educação básica. A Coreia gasta 30%, o Chile 18% e o México 15%.
img_2670_9
Em suma, como porcentagem do PIB per capita o Brasil gasta praticamente o mesmo que a OCDE, um pouco menos do que a Coreia e bem mais do que o Chile, que tem um desempenho melhor do que o brasileiro no PISA. O Brasil gasta menos por aluno do que grande parte dos países da OCDE porque seu PIB per capita é menor. Além disso, Brasil gasta muito com ensino superior e pouco com ensino básico. Finalmente, o Brasil perde muitos recursos com a alta taxa de repetência que persiste no nosso sistema educacional. Assim, se não mudarmos o modo como os recursos educacionais são gastos no sistema, mais recursos não levarão a um aumento de qualidade.

O Papel da Gestão
Enquanto nossos dirigentes fazem planos mirabolantes para melhorar a educação no Brasil, tais como o Plano Nacional de Educação, o aprendizado dos nossos alunos nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio continua estagnado, como vimos acima. O nosso principal problema está na gestão dos nossos sistemas municipais e estaduais de ensino. E para melhorar a gestão é preciso ter diretores e secretários de educação com capacidade gerencial e escolas mais autônomas, que tenham liberdade para implementar as políticas que julgarem adequadas para aumentar o aprendizado.
Várias pesquisas mostram que uma gestão mais eficiente pode melhorar muito o aprendizado. Uma pesquisa publicada recentemente em uma importante revista acadêmica de economia conseguiu mensurar e quantificar o impacto da gestão sobre o aprendizado dos alunos em escolas de vários países, incluindo o Brasil.2 Essa pesquisa mediu a qualidade das práticas gerenciais em 1800 escolas públicas e privadas de ensino médio em sete países: Reino Unido, Suécia, Canada, EUA, Alemanha, Itália, Brasil e Índia (ordenados em ordem decrescente de qualidade de gestão).
A pesquisa mostrou que a qualidade da gestão de cada escola está bastante relacionada com a nota dos seus alunos nos exames padronizados em cada país. Ou seja, nas escolas com melhores práticas gerenciais os alunos têm notas melhores. Além disso, escolas públicas com maior autonomia de gestão (como as “escolas charter” nos EUA, as “acadêmicas” no Reino Unido ou as “escolas de referência” em Pernambuco) adotam práticas gerenciais melhores e, consequentemente, têm melhores notas.
As escolas brasileiras apresentaram índices de gestão muito baixos, superando apenas as indianas. Elas são ruins principalmente no modo como os professores e funcionários são gerenciados, pois os professores muito bons, assíduos e efetivos ganham o mesmo salário que os demais, que não podem ser demitidos. As exceções são as escolas privadas e as escolas de referência de Pernambuco, que têm maior flexibilidade para adotar práticas gerenciais modernas e mais efetivas.
Essa pesquisa traz contribuições importantes que podem ser utilizadas para melhorar a qualidade da educação no Brasil. A primeira é que o nosso principal problema na área da educação parece ser a baixa capacidade gerencial daqueles que administram a maioria das nossas escolas e redes de ensino e a legislação extremamente restritiva adotada pelos estados e municípios. Se não modificarmos isso urgentemente, todos os outros programas idealizados para melhorar a educação, tais como a educação em tempo integral, a utilização de novas tecnologias, o currículo mínimo e os aumentos nos salários dos professores resultarão apenas em pequenas melhorias locais de aprendizado, sem resultados efetivos em larga escala. A falta de capacidade gerencial dos nossos gestores é um gargalo que impede que esses programas bem desenhados resultem em melhorias de proficiência em escala nacional.
Outra questão importante é que as nossas escolas precisam de maior autonomia para gerenciar seus professores e funcionários, monitorar o aprendizado de todos os alunos, implementar metas de aprendizado que devam atingidas por todos e cobrar resultados daqueles que falham persistentemente em atingir essas metas. Além disso, chegou a hora de permitir que os alunos da rede pública sejam atendidos em escolas gerenciadas privadamente, mais autônomas, sem as “amarras” da legislação educacional local. A experiência das “escolas acadêmicas”, introduzidas durante o governo trabalhista da Inglaterra para recuperar escolas que apresentavam desempenho abaixo do normal deve ser um exemplo a ser seguido no Brasil.
Um caso recente de sucesso na área de gestão na própria educação brasileira é o município de Sobral no Ceará. Apesar de estar localizado numa região relativamente pobre, Sobral conseguiu melhorar dramaticamente o aprendizado de seus alunos, através de sucessivas reformas educacionais que focaram principalmente a gestão.A Figura 6 abaixo mostra que em 2005 os alunos da rede pública de Sobral tinham um IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 4, igual à média brasileira, acima do estado do Ceará como um todo, e muito abaixo das escolas privadas do estado de São Paulo. Entre 2005 e 2013, o IDEB de Sobral praticamente dobrou, alcançando um nível educacional maior do que a média dos países da OCDE e acima da rede privada do estado de São Paulo.
img_2670_10
As reformas em Sobral começaram com a aceleração da municipalização do ensino, para que todas as escolas do primeiro ciclo ficassem sob a responsabilidade do município. Também houve fechamento das escolas menores, distantes e com pouca infraestrutura, concentrando os alunos nas escolas maiores. O foco inicial estava na alfabetização, com a instituição do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), introdução de um ano mais no ensino fundamental (bem antes dos outros estados e municípios) e um currículo de alfabetização bem definido. Foi aplicado o conceito de “autonomia com responsabilidade”, de forma que os diretores e professores tinham autonomia para atuar na escola, mas tinham que prestar contas para a secretaria de educação, para que ela pudesse avaliar e cobrar resultados.
Mesmo dando liberdade para os professores com relação à atuação dentro das salas de aula, Sobral desenvolveu um material próprio, distribuído para todos os docentes. Eles também passaram a receber formação continuada durante todo o ano letivo em cursos oferecidos pela Secretaria. A diferença da abordagem sobralense é que a formação dos professores tinha caráter pragmático. As aulas não giravam em torno de metodologias pedagógicas e discussões teóricas. Os professores recebiam instruções sobre como utilizar o material pedagógico dentro da sala de aula, de forma que se maximizasse o aprendizado do aluno. A formação era muito mais prática do que teórica.
Além disso, Sobral desenvolveu um sistema de avaliação externa às escolas, onde todos os alunos da rede municipal passavam por exames semestrais. Essas avaliações eram iguais para todas as turmas, e a Secretaria comparava o desempenho dos professores e das escolas.  Com base nessa avaliação externa, foi desenvolvido um projeto de gratificação por desempenho. A gratificação era dada tanto para diretores quanto para professores. Os professores ganhavam o bônus caso a nota média dos alunos na avaliação externa semestral atingisse as metas estabelecidas pela Secretaria. No caso dos diretores, suas gratificações eram baseadas no rendimento das escolas nas avaliações da prefeitura. A prefeitura instituiu um prêmio para as melhores escolas, que era redistribuído entre todos os funcionários.
O caso de Sobral ilustra claramente que é possível melhorar a qualidade da educação no Brasil, mesmo em municípios mais pobres, desde que os gestores estejam preparados para enfrentar os interesses corporativistas e adotar reformas com foco em melhorar a gestão para obtenção de resultados.

Propostas para melhorar a Educação
Em termos de financiamento à educação, seria necessário diminuir a parcela de recursos que vai para o ensino superior público e direcioná-los para o ensino infantil, que é a nossa prioridade. Além disso, o Piso Salarial dos professores deve ser definido localmente e vinculado às receitas reais de cada estado e seus municípios e não à receita média do país como um todo previsto no ano anterior. Esse piso salarial deve variar também de acordo com o custo de vida local.
Em termos de gestão, devemos estabelecer um “Programa de Incentivo à Efetividade (PIE)”. Segundo esse programa, devemos transferir parte dos recursos educacionais da união para os estados e municípios com base em um indicador de eficiência educacional de cada unidade da federação. As unidades que mais evoluíssem nesse indicador obteriam mais recursos desse programa. O governo federal daria apoio às unidades para que elas possam atingir as metas.O PIE seria composto dos seguintes itens:
  • Adesão à Base Nacional Comum da Educação, que estabelece padrões curriculares mínimos para cada série. Essa adesão é importante para que os professores em todo o país saibam o que os alunos devem saber em cada série. Além disso, com a Base, os diretores e professores de cada escola podem ser cobrados mais facilmente caso seus alunos não atinjam o nível de aprendizado mínimo.
  • Uso de avaliações externas anuais para acompanhar aprendizado de todos os alunos. O artigo de Bloom, Lemos, Sadun e Van Reenen (2015) mostra claramente que isso é uma boa prática gerencial que afeta sobremaneira o desempenho dos alunos nos exames de proficiência.
  • Porcentagem de escolas com pelo menos 6 horas efetivas de aula por dia. Um dos poucos fatos estilizados que aparecem em quase todas as pesquisas educacionais é que os alunos que passam mais tempo aprendendo português e matemática tem um desempenho melhor nos exames padronizados. Assim, a forma mais eficaz de aumentar os gastos com educação é expandindo o tempo de aula dessas matérias.
  • Valorização do bom professor com o uso do regime probatório para avaliação de professores efetivos e demissão de professores não efetivos. Essa é uma possibilidade que a legislação permite e que não é utilizada pela grande maioria das redes escolares. Existem hoje em dia vários métodos sofisticados para avaliar o desempenho dos professores em sala da aula. As pesquisas mais recentes mostram que não se deve basear essas avaliações somente em notas dos alunos, mas também no seu comportamento em sala.
  • Permissão para o funcionamento de escolas charter (O.S. educacionais), que atendem alunos da rede pública, mas que tem gerenciamento privado. Há evidencias na área de saúde de que os hospitais gerenciados por O.S. (Organizações Sociais) têm qualidade melhor do que os gerenciados pelo sistema público. Uma grande parcela das creches nas grandes cidades (inclusive na cidade de São Paulo) são geridas por O.S. Cada unidade da federação pode mudar a legislação permitindo o mesmo para o ensino básico.
  • Intervenção nas piores escolas com fechamento dessas escolas ou intervenção com objetivo de melhorar as notas na Prova Brasil. Existem escolas que apresentam desempenho pífio em termos de aprendizado por vários anos seguidos. Os munícipios devem interferir nessas escolas e passar seu gerenciamento para as O.S., como foi feito no caso da Inglaterra, com as “escolas acadêmicas”. Pesquisas econométricas mostram que essas escolas tiveram um desempenho melhor do que as escolas ruins que não viraram acadêmicas.

Conclusões
Temos que melhorar a educação no Brasil para que possamos crescer mais, com mais produtividade e justiça social. Para isso, precisamos nos afastar das concepções equivocadas e focar na melhora da gestão, como foi feito em alguns municípios brasileiros. É necessário que essas experiências bem sucedidas no campo da gestão sejam expandidas para os demais municípios. O Programa de Incentivo à Efetividade seria um caminho nessa direção, pois mostraria que o país acredita que as melhores práticas na área da educação devem ser aplicadas em todas as nossas redes de ensino, para que possamos melhorar rapidamente o aprendizado dos nossos alunos.
 Naercio Menezes Filho, Centro de Políticas Públicas do Insper e Universidade de São Paulo.

__________
1 O gasto público total (que inclui estimação de complemento de aposentadoria futura para o pessoal ativo) é de 6,2%.
2Bloom, Lemos, Sadun e Van Reenen, “Does Management Matter in Schools?”, Economic Journal. 2015.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O negacionismo do déficit da previdência


 Por Pedro Fernando Nery 

Segundo o dicionário, “negacionismo” é a ação de negar uma realidade que pode ser verificada empiricamente, mas que constitui uma verdade incômoda.  Não é novidade que a Previdência é um dos principais itens por trás do grave desequilíbrio fiscal e que continuará a agravá-lo à medida que o envelhecimento da população se acentuar. Desnudado pela queda de receitas, o déficit deve subir 70% neste ano e mais 40% em 2016, chegando a incríveis R$ 120 bilhões, ou 2,7% do PIB. Essa proporção seria 3 vezes maior do que os 0,9% do não tão distante ano de 2013. Apesar da situação dramática e da necessidade de enfrentá-la, reformas esbarram em um argumento tão popular quanto inacreditável: o de que não existe déficit. Entender o argumento da chamada “falácia do déficit” e aprender a rebatê-lo se faz essencial neste momento.

Propagada por advogados previdenciários, sindicalistas e políticos, essa antiga tese foi  a principal conclusão da 1ª audiência realizada em 2 de setembro  no Congresso para instruir a MP 676, que cria a fórmula 85/95 móvel. As diversas e inventivas razões dos “negacionistas” têm um fio condutor comum: a contabilidade do INSS deveria incluir outras receitas e excluir certas despesas. É no argumento do “mito do déficit” que a contabilidade criativa encontra a Previdência.

Do lado do gasto, defende-se que as aposentadorias rurais (R$ 54 bilhões até julho) sejam excluídas da conta do INSS, e pagas de outra forma pelo governo. A justificativa da exclusão é que esse aposentado não contribui diretamente para o sistema, mas recebe dele. Tirar o rural do INSS reduz a despesa sem piorar a receita: não haveria mais déficit.  Trata-se de ideia análoga a de sugerir, para um plano de saúde em dificuldade, que não se leve em conta os pacientes com câncer. O INSS constitui um seguro social, e o sinistro― como o câncer do plano de saúde ou uma batida em um seguro de carro ― tem que ser plenamente contabilizado.



A mágica – e falta de lógica – de sumir com um segurado que dê mais despesa e menos receita do que a média poderia ser aplicada a outros grupos, evidenciando a fragilidade do argumento. A mulher contribui por menos tempo do que o homem, mas vive mais. O gaúcho tem expectativa de vida maior que a média, e lá há mais aposentados e menos contribuintes. O INSS talvez não tivesse déficit se mulheres ou os estados do Sul fossem tirados da conta, mas isso obviamente não faz sentido. Como outros pontos dos negacionistas, tirar os rurais do INSS é como trocar moedas dos bolsos de uma mesma calça (neste caso, o Tesouro).

Já pelo lado da receita, levanta-se que tributos da Seguridade, Cofins e CSLL, deveriam ser completamente vinculados e considerados como receitas do INSS. Não se explica que outras despesas devem parar de ser financiadas por esses impostos. Tiraríamos dinheiro da saúde (que também é parte da Seguridade)? Do investimento? O olho gordo nesses tributos parece também ignorar que foi justamente a desvinculação que permitiu o crescimento dessas contribuições. Sem a DRU, Cofins e CSLL não teriam o valor que têm hoje.

Cabe lembrar que esses impostos já são usados hoje para cobrir o rombo do INSS. Um pouco mais de reflexão revela que com a aceitação deste tipo de argumento jamais haverá déficit, bastando contabilizar como receita do INSS o dinheiro dos impostos usados para cobrir seu rombo. Em 2016, talvez seja a nova CPMF.

Outro argumento que alimenta a “falácia da falácia” do déficit previdenciário é a existência da dívida ativa do INSS: com esse dinheiro que deixa de ser arrecadado, o déficit não existiria, dizem alguns. Porém, mesmo que conseguisse recuperar o que nenhum banco consegue (toda a dívida de seus credores), o INSS pagaria todos os benefícios de 2015 só até setembro.  Estes cerca de R$ 300 bilhões são insuficientes porque há na alegação uma confusão elementar que não distingue um estoque (a dívida ativa) de um fluxo (o pagamento de benefícios).

Infelizmente, ainda que fizessem sentido, nenhum dos elementos que servem para negar o déficit poderia fazer frente ao seu aumento perante o processo de envelhecimento da população. Cofins e CSLL são impostos, rígidos, incapazes de acompanhar a transição demográfica, veloz. Não se trata de uma questão contábil, mas de um contingente cada vez maior de inativos a ser financiado por um contingente cada vez menor de trabalhadores em atividade. O problema precisa ser encarado, e sem contabilidade criativa, como foi no resto do mundo ― nos Estados Unidos, o país mais rico do planeta, já se fala em idade mínima de 70 anos nas eleições primárias presidenciais dos republicanos.

Para o matemático e financista Nassim Taleb, o maior risco que as pessoas correm hoje é viver demais “inesperadamente”, sem se prepararem financeiramente para isso. Se o Brasil fosse uma pessoa, a afirmação se aplicaria perfeitamente.  Precisamos reconhecer que, apesar do descontentamento dos atuais aposentados, nossa Previdência é das mais generosas do mundo. Segundo o Global AgeWatch Index de 2015, espécie de IDH da população idosa, somos o 13º no mundo em segurança da renda, muito embora sejamos apenas o 56º no ranking total e estejamos apenas depois da 70ª posição na comparação do PIB per capita da população como um todo.

O déficit existe, e só vai piorar à medida que a proporção de idosos na população triplicar nas próximas décadas.  Hoje, segundo o IBGE, já há mais famílias brasileiras com cachorros do que com crianças, que sustentariam a Previdência no futuro. Só que cachorros não recolhem contribuição previdenciária.  De fato, a negação do déficit tem uma única lógica: em um país que ainda tem relativamente muitos jovens e poucos idosos, seria mais do que natural que realmente não houvesse déficit. Essa não é mais a nossa realidade.

O negacionismo do déficit está na ponta da língua dos que, em dissonância cognitiva, precisam justificar a concessão de mais benefícios, seja na Justiça ou na política. Mas “a verdade é o que é, e segue sendo verdade ainda que se pense o revés”, dizia o poeta Antonio Machado. Enquanto no debate político ainda se nega a existência do problema, o Tribunal de Contas da União estima déficit atuarial de incríveis R$ 3 trilhões em 2050. É déficit pra cachorro.