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Estudo feito por pesquisadores da universidade britânica LSE revela que a performance de homens de negócios à frente de prefeituras é similar a de políticos com outra formação |
Instigados
pelo anúncio, feito em meados de 2015 pelo então megaempresário do setor
imobiliário Donald Trump de que pretendia concorrer à Presidência dos Estados
Unidos, dois pesquisadores da universidade londrina resolveram averiguar
empiricamente se a experiência na direção de empresas se revertia em boas gestões
públicas.
"Na
época, muita gente se perguntou se um empresário estaria apto a ser um político
melhor. Fomos tentar responder a essa pergunta", diz Eduardo Mello,
professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas que concluiu
este ano o doutorado na LSE.
A pesquisa,
ainda em andamento, foca em prefeitos de cidades brasileiras, segundo os
autores, por causa do fácil acesso a dados que permitissem comparações
adequadas.
Os primeiros
achados do estudo indicam que prefeitos que se declararam empresários,
comerciantes, vendedores e os que têm quotas ou participam da administração de
empresas não são nem mais nem menos eficientes que seus colegas que vieram de
outras áreas.
A análise de
indicadores de gastos públicos sugere que a performance dos empresários é muito
parecida com a dos demais ao executar o orçamento e ao investir em saúde e
educação. Homens e mulheres de negócios não são melhores em reduzir o deficit
fiscal nem na execução do orçamento, tampouco são melhores em conseguir mais
verbas do governo federal.
"Não
achamos o efeito Trump (a crença de que empresários seriam melhores
administradores). Analisamos todos os indicadores (que medem a performance de
empresários como prefeitos) e nada apareceu como estatisticamente
significante", assinala Mello.
"Empresários
não produzem indicadores melhores. A princípio, se comportam como todos os
políticos."
Mello, que
assina o estudo com Nelson Ruiz-Guarin, também da LSE, cruzou dados de fontes
diversas, como Tribunal Superior Eleitoral, Receita Federal, DataSus, e Censo
Escolar.
Os
pesquisadores analisaram dados de candidatos eleitos prefeitos em cinco
eleições, entre 2000 e 2016. Por meio de regressões estatísticas, eles
selecionaram municípios com cenários de disputa acirrada entre um empresário e
outro candidato e depois compararam o desempenho dos prefeitos - levando em
conta diferentes variáveis.
Assim,
selecionaram cerca de 200 a 300 municípios por eleição. Em nenhum dos
cruzamentos, contudo, foram identificados sinais de que empresários no comando
de prefeituras melhoraram as contas públicas.
Mello disse
à BBC Brasil ter se surpreendido com os resultados, pois acreditava que a
experiência pregressa em administração poderia fazer uma diferença.
"É uma
premissa na qual os eleitores acreditam tanto", afirmou o pesquisador.
"Mas parece que é um mito. Precisamos repensar quais são as habilidades
que formam um bom prefeito."
Mello disse
que ainda quer averiguar se há diferença significativa entre a performance dos
empresários de primeiro mandato e a dos que estão na política há mais tempo.
Ainda assim, ele considera que dificilmente os resultados principais do estudo
vão mudar.
Respostas à crise
Comentando a
pesquisa, o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda observa que a
aposta eleitoral em um candidato que não se parece com um político tradicional
é um fenômeno mundial que normalmente surge como resposta à uma crise política
ou de representatividade.
Ele cita o
caso do italiano Silvio Berlusconi, magnata da mídia e dono de time de futebol
que foi eleito premiê depois que a Operação Mãos Limpas investigou e prendeu
políticos de diferentes partidos na Itália por corrupção.
Lavareda
atribui a vitória de Trump nos EUA ao fato de que boa parte do eleitorado não
se via representada por nenhum político de carreira.
"Toda
vez que há uma crise política, é comum a busca por alternativas. Empresários e
técnicos são beneficiados com esse discurso de não ser político e de saber
administrar", observa Lavareda.
Segundo o
sociólogo, há ainda a crença, "no imaginário do eleitor, de que um
empresário rico não roubaria os cofres públicos porque já fez fortuna no mundo
dos negócios", e lembra que muitos empresários se deram bem nas urnas e
moldaram carreiras na política.
Lavareda
cita os nomes do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), um dos donos da Eucatex,
e dos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), da família que controla uma rede de
shoppings e uma empresa de telefonia, e Blairo Maggi (PP-MT), magnata da soja.
Maggi atualmente é ministro da Agricultura do governo de Michel Temer.
Por outro
lado, dinheiro e experiência não são garantia de votos, lembra Lavareda,
citando o caso do empresário Antônio Ermírio de Moraes, que foi um dos homens
mais ricos do Brasil, mas perdeu a eleição para o governo do Estado de São Paulo
em 1986.
"Ter
empresários e técnicos na política não é um fenômeno tão singular, é natural e
esperado", salienta Lavareda.
Eduardo
Mello, o coautor do estudo da LSE que avalia o desempenho de empresários no
Executivo municipal, salienta que "o Estado não é uma empresa".
"O objetivo do Estado não é gerar lucro. Não tem clientes, mas precisa
cuidar de cidadãos. E negociar com o Legislativo não é o mesmo que tratar com
fornecedores", avalia Mello.
Dificuldades
De fato,
administrar uma prefeitura, por exemplo, pode estar longe de ser uma tarefa
fácil para um empresário experiente.
Em julho
deste ano, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), entrou ao vivo
no Facebook para fazer um balanço do início de seu governo. Dono de construtora
e ex-presidente do Atlético Mineiro, Kalil disse que "tá f*da"
cumprir as promessas feitas na campanha.
"Estamos
aqui trabalhando para burro. Não somos o melhor do mundo, não somos o pior do
mundo. A única coisa que aqui não tem é que ninguém está delatado, ninguém vai ser
delatado", disse, admitindo as dificuldades e salientando que na sua
equipe ninguém teve o nome associado à corrupção.
Kalil foi um
dos empresários que se elegeu em 2016 com o discurso de que não era político. A
estratégia também funcionou em São Paulo, onde João Doria, que é dono de
empresa, usou a mesma retórica para conquistar a cadeira de prefeito pela
primeira vez.
Por Fernanda Odilla, da BBC
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