O dono da
JBS, Joesley Batista, e o diretor do grupo Ricardo Saud conversaram sobre
"supostos ilícitos" envolvendo o então procurador da República
Marcelo Miller que teria tentado influenciar o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, na então futura negociação da delação premiada dos executivos da
empresa, conforme despacho de Janot determinando nesta segunda-feira a revisão
do acordo de colaboração por omissão de fatos.
Segundo o documento, o áudio
gravado da conversa teria ocorrido no dia 17 de março e citava Miller, que
"estaria auxiliando os interlocutores, inclusive a pretexto de influenciar
a decisão do Procurador-Geral da República, em futura negociação de acordo de
delação premiada com o Ministério Público Federal".
O chefe do Ministério Público
Federal afirmou que, naquela data, nenhum dos dois colaboradores haviam buscado
ainda "direta ou indiretamente" tratativas com a Procuradoria-Geral
da República para iniciar a negociação do acordo penal. Ele destacou que as
tratativas só ocorrem 10 dias depois.
No áudio, segundo o relato feito
por Janot, Ricardo Saud afirma que estaria "ajeitando" a situação do
grupo J&F --holding da qual a JBS faz parte-- com Marcelo Miller. Saud
disse ainda que Miller estaria "afinado" com eles.
Em determinado momento da
gravação, os interlocutores do áudio dizem que, com a deflagração da operação
Carne Fraca naquele dia, Miller teria enviado extensa mensagem expressa para o
diretor jurídico do grupo, Francisco de Assis e Silva, tentando justificar a
situação.
Ao instaurar o Procedimento de
Revisão de Acordos de Colaboração, Janot pediu a revisão dos benefícios de três
dos sete delatores do grupo: Joesley, Saud e Assis. Todos os colaboradores do
grupo receberam a imunidade penal.
Esse áudio foi entregue num
pacote de novos documentos apresentados pela J&F na quinta-feira, antes da
prorrogação por mais 60 dias para que o grupo complemente informações da
colaboração.
A conversa, classificada por
Janot em fala à imprensa nesta segunda-feira de "gravíssima" e
"exótica" foi encontrada por uma procuradora que atua em seu gabinete
no domingo --quando a equipe fazia a revisão da nova papelada-- em meio ao
anexo da delação que citava o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).
Conforme relato de Janot,
depreende-se do áudio que os interlocutores depositavam esperança de que, por
intermédio da pessoa de Marcelo Miller, pudessem obter facilidades junto ao
procurador-geral da República. Eles sugeriam a Miller uma futura sociedade em
escritório de advocacia, em troca do processo de celebração dos acordos de
colaboração premiada.
Janot menciona que Miller pediu
no dia 5 de abril exoneração do cargo de procurador da República. Antes disso,
ele figurava na carreira como auxiliar eventual do grupo da força-tarefa da
Lava Jato que auxiliava o procurador-geral da República e outros que integravam
essa equipe sob demanda.
Naquele mesmo mês, Miller, já
advogado, apresentou-se no MPF como sócio do escritório Trench, Rossi e
Watanabe, contratado do grupo J&F para negociação do acordo de leniência no
âmbito cível.
"Essa sucessão de datas é
importante porque sugere a participação de então membro do Ministério Público
Federal em atividade supostamente criminosa e/ou improbidade
administrativa", afirma Janot, no documento.
O procurador-geral cita ainda que
Saud só apresentou no dia 31 de agosto --prazo inicial limite para
complementação das informações da delação-- informação de que tinha uma conta
no exterior (no Paraguai). Esse fato, destacou, foi omitido quando a delação da
J&F foi assinada, no dia 3 de maio.
Janot comunicou sua decisão ao
ministro Edson Fachin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). O
procurador-geral disse que caberá a Fachin decidir se dá publicidade ao áudio
--que tem quatro horas-- porque a gravação revela "supostos crimes" e
revela "diálogos de intimidade de terceiros".
O chefe do MPF pede que os três
colaboradores compareçam até sexta-feira à Procuradoria-Geral da República para
prestar esclarecimentos dos fatos divulgados e cobra a apresentação do aparelho
no qual foi feita a gravação. No mesmo período, ele requer também o depoimento
de Marcelo Miller.
Janot também pede informações do
escritório de advocacia em que Miller foi atuar para saber os motivos do
desligamento dele e de outra advogada Esther Miriam Flesch --recentemente eles
deixaram a sociedade. E pede cópia, em cinco dias, de procedimento de apuração
dos escritório referente aos dois advogados.
Por Ricardo Brito, da Reuters
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