sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

PESQUISA - NASA segue o Brasil



Modelo de previsão meteorológica desenvolvido por pesquisador brasileiro do INPE garante mais precisão e é adotado pela agência norte-americana

A previsão do tempo, e até a prevenção de catástrofes meteorológicas como as que atingiram São Paulo e Minas Gerais recentemente, pode ficar mais confiável em breve. Isso porque o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Saulo Freitas, está voltando ao Brasil para implantar o modelo de previsão que ajudou a desenvolver em conjunto com a NASA, e que foi adotado pelos norte-americanos desde o último dia 30 de janeiro.

Isso porque o novo sistema apura ainda mais as informações referentes ao que acontece na atmosfera envolvendo interações com oceanos, florestas e até o gelo. Parte da equipe de pesquisa do INPE desde 2013, o físico e especialistas na avaliação de nuvens e comportamento das gotas de chuvas foi designado em 2016 para liderar o corpo de pesquisadores da NASA que estuda prognósticos climáticos. “Lá conseguimos melhorar ainda mais o modelo que criamos no Brasil e que acabou sendo adotado pelos americanos. Com isso, a previsão mundial de clima deve melhorar”, explica.

O principal ganho é a maior exatidão dos dados e melhor previsibilidade. Uma vez que a NASA trabalha em todo mundo, a América do Sul também será beneficiada, segundo ele. “Isso ajudaria Minas e São Paulo a se antecipar, dando mais tempo à Defesa Civil de se preparar. Além disso, é fundamental para o setor agrícola poder traçar melhores estratégias”, afirma Freitas.

Atmosfera Caótica

Segundo ele, a grande vantagem de trabalhar na NASA foram os recursos disponíveis na instituição, como os supercomputadores que resolvem equações complexas. “Previsão é uma coisa complexa, porque a atmosfera é caótica e leva a erros. Por isso, a previsão, quanto mais próxima é mais acurada, como a do dia seguinte. Quanto mais longe, de uma semana a dez dias, a confiabilidade cai, porque atmosfera muda muito rápido”, explica Freitas.

Os modelos serão usados também para traçar os cenários de mudança climática em todo mundo, com o impacto do aquecimento global. “Os EUA atraem muitos cientistas porque sabem a importância da ciência para o desenvolvimento do país. E queremos trazer isso para o Brasil, mas é importante que o País valorize a ciência e os cientistas, investindo mais na área. Porque para um grande produtor agrícola isso pode ser um diferencial decisivo”, acrescenta o pesquisador.

Por Anna França, na Revista Isto é



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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Pedágio da Felicidade - Vale a pena tributar o "pecado"?



O governo trabalha com a ideia de elevar impostos para bebidas, cigarros e açúcar. Experiências tributárias semelhantes em outros países mostram que o assunto é mais complexo do que se imagina - mas pode dar certo

Obesidade, diabetes, câncer de pulmão, doenças hepáticas, aquecimento global, congestionamentos, qualidade do ar. São temas que, ao primeiro olhar, passam longe do sistema tributário de um país, mas que têm dominado as discussões no mundo sobre como usar os impostos para reduzir o consumo de produtos que causem danos à saúde e ao meio ambiente. O debate foi incitado no Brasil pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao mencionar o 'imposto do pecado' que poderia incidir sobre bebidas alcoólicas, cigarro e produtos com alto teor de açúcar, como refrigerantes, sorvetes e chocolates, em uma reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça. Guedes é defensor da ideia desde antes de migrar da iniciativa privada para o governo.

A fala do ministro gerou protestos em razão do temor sobre um novo aumento da carga tributária brasileira, que já está acima de 30% do Produto Interno Bruto (PIB), mas vai ao encontro da tendência mundial de taxar produtos nocivos à saúde. A despeito da declaração de seu subordinado, o presidente Jair Bolsonaro protestou: 'Paulo Guedes, desculpa, você é meu ministro, te sigo 99%, mas aumento de imposto para cerveja, não', disse, rebatendo o economista. A cerveja tem baixa taxação no Brasil - 5% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em média -, mas, se o presidente resolver tomar cachaça, vai pagar cerca 30% de imposto. No Brasil, as alíquotas das bebidas alcoólicas giram entre 5% e 30%, com taxação mais alta para os destilados, com teor alcoólico maior. O Brasil já taxa fortemente cigarros. Em média, 62% do preço do cigarro brasileiro são impostos, acima da média mundial de 50% e da média da América Latina, que é de 45%, de acordo com estudo do professor Nelson Leitão Paes, do programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rodrigo Orair, vem acompanhando essa discussão entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo composto de economias desenvolvidas no qual o Brasil deseja ingressar. 'Tradicionalmente, esses impostos seletivos, como são chamados, são muito focados em cigarros e bebidas alcoólicas. Mais recentemente tem havido interesse em bebidas não alcoólicas com alto teor de açúcar ou sódio. Esse imposto não tem função precípua arrecadatória. O objetivo é desestimular o consumo, uma finalidade extrafiscal. O que se quer é coibir o consumo e usar o recurso para fazer campanha de prevenção contra o uso do bem', explicou. Segundo relatório da organização, em 2016, 16 países aumentaram as alíquotas sobre tabaco e bebidas alcoólicas, e 11 países em 2017 tomaram o mesmo caminho. Somente o Reino Unido congelou impostos sobre cerveja, cidra e uísque em 2016. O México adotou o imposto entre 2014 e 2016.

No Brasil, taxação é defendida pela classe médica porque, além de doenças cardíacas e câncer, estão associados ao álcool também os traumas causados por acidentes de trânsito e episódios de agressão relacionados à embriaguez. Um estudo publicado em 2019 pela epidemiologista Katherine Keyes, da Universidade Columbia, em Nova York, cruzou dados de taxação de bebida com levantamentos sobre violência doméstica. A pesquisadora conseguiu detectar uma relação, que considerou 'modesta'. 'Nossas estimativas de redução no consumo de álcool indicam que um aumento de 10% no preço é associado a uma redução de 20% em episódios de consumo excessivo e diminui a violência ligada ao álcool em 30%', escreveu a pesquisadora num artigo para o periódico acadêmico Addiction.

Para produtos com alto teor de açúcar, mais países aplicam alíquota maior. De 2016 a 2018, Bélgica, Reino Unido, Portugal, Espanha e Estônia resolveram taxar mais conforme aumenta a quantidade de açúcar, excetuando sucos prontos e naturais. Mas a dificuldade maior está exatamente em taxar produtos em que não é possível determinar a quantidade exata da substância, como em sorvetes e chocolates. 'Algumas iniciativas são mais exitosas, quando o teor de açúcar é muito preciso. Outras são mais complexas, como em sorvete, café e chocolate. Alguns países voltaram atrás', disse Orair, do Ipea. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defende o uso do imposto, inclusive para alimentos ultraprocessados. Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Idec, relembrou que a maioria dos refrigerantes tem isenção fiscal por ser produzida na Zona Franca de Manaus. 'Quando o ministro Paulo Guedes fala sobre isso, não está inovando, não está inventando. Há diretrizes muito claras da OCDE para os países membros. A má alimentação, com alto teor de sódio e açúcar, gera impacto nos índices de desenvolvimento econômico, na produtividade do mercado de trabalho e nos gastos com saúde pública. Não há o menor sentido em incentivar esses produtos', disse. Produtoras de refrigerantes da Zona Franca não pagam IPI, mas têm direito a crédito tributário de alíquotas cobrados no restante do país. Até 2018, essa alíquota era de 20%. Foi reduzida ao longo do governo Temer e oscilou de forma errática com Bolsonaro, variando entre 10% e 4%. Se o desejo do ministro Paulo Guedes prevalecer na reforma tributária, os descontos tributários recebidos pelos fabricantes deverão cair ainda mais.

Na comunidade médica também há um alinhamento em torno da ideia de sobretaxar bebidas açucaradas. Especialistas enxergam na proposta aventada por Guedes uma possibilidade de avançar em políticas de prevenção mais eficazes, já que tocam no poder de compra da população. No caso específico do açúcar, há um pleito antigo da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) para que se criem propostas que reduzam o porcentual do ingrediente na produção de alimentos. A entidade considera o alto consumo da substância um problema de saúde pública, ainda que não existam estudos suficientes para comprovar tal afirmação. Como a obesidade e o diabetes, que podem ter origem no consumo de açúcar, são problemas que se manifestam no longo prazo, o impacto das políticas para frear bebidas doces, como refrigerantes, é menos perceptível que o daquelas para combater o tabagismo e o alcoolismo. 'A obesidade e o diabetes são duas epidemias mundiais, e por mais que a gente fale em tratamento para elas, nós só vamos ver um impacto significativo nessas epidemias com uma intervenção ampla, num número significativo de pessoas', disse o endocrinologista Rodrigo Moreira, presidente da SBEM.

Para o médico, o imposto é um caminho para solucionar o problema, mas a entidade também busca mobilizar a sociedade civil pela obrigatoriedade de rótulos de alerta para produtos com muito açúcar, sal ou gordura. 'A taxação da adição de açúcar como única medida parece ser insuficiente para afetar a epidemia de obesidade, mas ela precisa ser incluída numa estratégia de múltiplos componentes estruturais', escreveu um grupo de pesquisadores da Universidade de Navarra, na Espanha, que produziu recentemente uma análise investigando o imposto do açúcar em vários países. Liderados por Miguel Martínez-González, os cientistas afirmaram que, no caso dos impostos sobre refrigerantes, por exemplo, o benefício da redução de consumo pode se perder em outras externalidades. 'Um imposto de consumo sobre refrigerantes pode resultar em substituições por sucos de fruta ou chás com conteúdo similar de açúcar, por exemplo. Por isso é preferível que uma taxa de consumo seja implementada sobre todas as bebidas adocicadas, não apenas os refrigerantes', escreveram os pesquisadores espanhóis.

Para funcionar do ponto de vista de saúde, afirmaram os cientistas, o aumento da taxação precisa ser elevado o suficiente para impedir a indústria de simplesmente absorver os custos do produto em questão e continuar seus negócios sem queda nas vendas. A França, por exemplo, conseguiu derrubar o consumo de bebidas açucaradas em 3,3% impondo uma taxa que aumentou os preços em 5% e acarretou uma receita de ? 280 milhões ao ano para o país. Boa parte da comunidade médica e dos representantes da sociedade civil defendem que a arrecadação de 'impostos do pecado' seja aplicada diretamente em políticas de saúde pública. 'A receita advinda do aumento de imposto sobre produtos de tabaco deveria sustentar os programas de controle do tabagismo', alegou um relatório da ONG Truth Initiative, que defende a maior taxação do cigarro.

A experiência mais longa e abrangente com a taxação maior de produtos que causam mal à saúde é com o cigarro. Segundo estudo do professor Leitão Paes, da UFPE, o custo econômico do vício no cigarro é de 0,5% do PIB anualmente. As medidas para conter o consumo do produto iniciaram nos anos 1980, mas, a partir de 2008, as alíquotas dos impostos começaram a subir com mais força. Eram 57,15% do preço em 2008, subindo para 59,35% em 2010 e para 63,15% em 2012. E o consumo caiu. Em 1989, quase 32% da população de 15 anos ou mais era fumante, porcentual que se reduziu para 22,4% em 2003 e para 17,2% em 2008. São porcentuais inferiores ao da média mundial, 21,7%, e da América Latina, 19,5%. 'De acordo com os números mais recentes, a carga tributária total dos cigarros está agora acima de 50% em quase todos os países da OCDE e atingiu 80% ou mais em dez países', segundo relatório da organização de 2017.

Mas há visões mais céticas sobre a eficácia desse imposto. O economista Gesner Oliveira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), que foi diretor do Cade, vê pouco resultado quando as alíquotas aumentam muito. 'Colocar alíquota muita alta para determinados bens, por melhor que seja a intenção, aumenta o contrabando. Todos concordamos que seria interessante estimular o consumo saudável e desestimular o que supostamente não é melhor para a saúde, mas alíquotas muita elevadas aumentam a atratividade do mercado ilegal, a sonegação, e diminuem a arrecadação, com as pessoas continuando a consumir', afirmou.

A questão do contrabando de cigarros é mais presente no Brasil. Nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, a taxação maior não induziu um aumento da ilegalidade. Pelo contrário: houve impacto direto na redução de fumantes. Uma mudança tributária promovida em 2009 pelo governo Obama fez o imposto por pacote subir de US$ 0,39 para US$ 1,01. O sanitarista Jidong Huang e o economista Frank Chaloupka, da Universidade de Illinois, fizeram um estudo encomendado pelo Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA e constataram que a maior redução de consumo se deu entre os jovens. 'A porcentagem de estudantes que relataram ter fumado até um mês antes de serem entrevistados caiu entre 9,7% e 13,3%, logo após a elevação da taxa', afirmou. A conclusão: um aumento de 10% no preço do cigarro reduziu a prevalência do tabagismo entre jovens entre 4,4% e 6%. Na conta de Chaloupka e Huang, a medida evitou o surgimento de cerca de 250 mil fumantes no país.

No Brasil, o principal argumento que sustenta a tese de que o imposto seletivo estimula o mercado paralelo de cigarros é a extensão das fronteiras, que são pouco fiscalizadas. O cigarro também é considerado uma mercadoria fácil de ser transportada ilegalmente em meio a cargas legais. 'O contrabando e a produção informal são responsáveis por quase 30% do mercado brasileiro (nos EUA, o porcentual é de 11%, enquanto na União Europeia está abaixo de 9%). A tributação elevada, os baixos custos de produção no Paraguai, a existência de canais de distribuição e a fragilidade nas fronteiras brasileiras ajudam a compreender um quadro difícil', afirmou Leitão Paes em seu estudo. No âmbito dos projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso, a ideia é usar o imposto seletivo para alguns poucos produtos que 'causem externalidades negativas'. Segundo o economista Aloisio Araújo, da FGV, que vem acompanhando as discussões no Parlamento, como o objetivo é unificar ao máximo as alíquotas, produtos que já pagam mais imposto poderão ter redução. O papel do imposto seletivo seria, portanto, impedir essa queda na tributação.

Por Cássia Almeida e Rafael Garcia, na Revista Época



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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Onde estão os dados?



Governo federal deixou de atualizar várias estatísticas que podem comprometer até o resultado de reformas macroeconômicas e a evolução de políticas públicas

No mundo das estatísticas, o Brasil é curiosamente um país que está bem na fita. Entre os emergentes é o que tem as melhores e mais longas séries históricas de perfil de sua população e de atividade econômica. Ainda que tenha o que melhorar — por exemplo, a notificação de crimes —, a falta de dados não seria um problema para o país. Informações importantes, no entanto, estão deixando de ser atualizadas ou divulgadas. Um exemplo disso ocorreu no fim do ano passado e envolveu o Ministério da Cidadania. Depois de ser acusada de omitir dados relacionados ao número de famílias à espera para entrar no programa Bolsa Família, a pasta teve explicações cobradas pela Câmara dos Deputados.

Mesmo assim, não respondeu. Somente quando a Controladoria-Geral da União entrou na jogada, o ministério assumiu os problemas. A pasta divulgou que são quase 500.000 famílias à espera do benefício. Além disso, a média de benefícios concedidos caiu de 260.000 famílias por mês, no primeiro semestre de 2019, para cerca de 5.000, na segunda metade do ano. Em nota enviada a EXAME, o Ministério da Cidadania disse que a redução no número de inclusões de famílias deve ser normalizada com uma reformulação do Bolsa Família e que “durante todo o governo do PT sempre houve fila de espera para a entrada no programa”.

O episódio dos dados do Bolsa Família não é isolado — e já vem ocorrendo bem antes do governo do presidente Jair Bolsonaro. Diversas bases de dados fundamentais para alimentar discussões atuais como as reformas administrativa e tributária, não são atualizadas há anos. Os debates que envolvem alterações na alíquota ou na forma de cobrança do imposto de renda de pessoa jurídica, por exemplo, baseiam-se em dados de 2013. Foi nessa época que a Receita Federal automatizou o envio desses dados pelos grandes contribuintes por meio do Sistema Público de Escrituração Digital, chamado de Sped. “Nunca foram enviados tantos dados ao governo e, simplesmente, a Receita Federal não consegue publicar um levantamento. Essas informações têm sido solicitadas pela Lei de Acesso à Informação e pelo Congresso Nacional, mas as respostas são vagas, dizem que os dados estão em processamento”, afirma o economista José Roberto Afonso, professor no Instituto de Direito Público, em Brasília.

Problemas similares estão acontecendo nas discussões que envolvem a reforma administrativa. Ainda neste semestre o governo quer aprovar no Congresso a alteração da forma como os funcionários públicos vão ser contratados e afastados. O problema é que o antigo Ministério do Planejamento (hoje incorporado à pasta da Economia) deixou de atualizar em 2017 o boletim estatístico que trazia informações sobre o funcionalismo federal. Desde então, passou a publicar uma versão resumida, o Painel Estatístico de Pessoal (PEP). Na mudança, diversos dados passaram a ser omitidos, atrapalhando a vida de pesquisadores e especialistas. “Não sabemos mais quantas pessoas estão se aposentando, quantas estão sendo contratadas, qual a idade média nem para que áreas são alocadas. Por isso, essa reforma administrativa já pode nascer velha”, diz Manoel Pires, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Procurado, o Ministério da Economia disse que há mudanças previstas para o PEP em 2020.

Entre as justificativas para a defasagem de dados estão escassez de pessoal, orçamento reduzido e até mesmo a falta de tecnologias adequadas. Um exemplo: uma falha de programação no sistema que contabiliza as exportações e importações do país, mantido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados, provocou uma subnotificação de 6,5 bilhões de dólares nas vendas externas de setembro a novembro de 2019. Isso causou problemas em série, a começar pela revisão do produto interno bruto do terceiro trimestre. “Isso traz uma insegurança a respeito dos dados divulgados pelo governo. É algo que não pode acontecer porque causa distorções e perdas”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

Com a decisão do governo de cortar o orçamento de 3,1 bilhões para 2,3 bilhões de reais do Censo 2020, recenseamento demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a cada década, há risco de problemas na captura dos dados populacionais, como um menor número de recenseadores. O escopo da pesquisa também encolheu — embora fosse um desejo dos próprios técnicos do IBGE limitar a abrangência. Num cenário de aperto generalizado nas contas públicas, é justificável que falte dinheiro até para fazer um Censo melhor. Mas, sem dados de qualidade à disposição, a criação de políticas públicas é prejudicada, o que pode levar ao desperdício de recursos. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que a ineficiência nos gastos públicos no Brasil chegue a ser de até 68 bilhões de dólares por ano. No mundo dos dados, o barato também pode sair caro.

Por André Jankavski, na Revista Exame

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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

SETE PERGUNTAS PARA SUSAN SEGAL — “A democracia continua forte na América Latina”



Para a presidente de um dos maiores fóruns empresariais das Américas, as instituições democráticas da região estão sobrevivendo bem às mudanças políticas

Os últimos meses não foram fáceis para a América Latina, que viu estourar uma onda de revoltas populares. Na visão de Susan Segal, presidente do Americas Society e do Council of the Americas — dois fóruns empresariais para debates econômicos, políticos e sociais das Américas —, tais turbulências não afetaram a força da democracia na região, e o maior desafio que os países latino-americanos enfrentam hoje é o mesmo de décadas atrás: garantir um crescimento econômico sustentável e inclusivo.

Qual é o maior desafio da América Latina na atualidade?

É o mesmo desafio que temos há décadas: a região precisa de crescimento econômico sustentável, inclusivo, de modo que se tenha uma classe média fortalecida. As pessoas não podem sentir que é impossível ascender socialmente. E, quando ascendem, não podem ter medo de perder esse status.

Por que é tão difícil conseguir resolver essa situação?

A queda nos preços das commodities limitou, e muito, a capacidade de crescimento econômico da região. E a consequência dessa lentidão é uma pressão sobre as pessoas, que pagam muitos impostos, mas não recebem nada em troca por isso da parte dos governos. A classe média da América Latina quer o mesmo que a classe média global: moradia, educação, saúde e serviços públicos de qualidade.

Como a senhora avalia o momento econômico da região?

É difícil falar como um todo, já que cada país tem sua particularidade. No caso do Brasil, por exemplo, acredito que vamos ver bons movimentos, uma vez que as reformas que o governo vem tentando emplacar têm o potencial de criar um novo espaço de crescimento da classe média. Isso é algo que pode dar às pessoas a esperança da mobilidade social.

E do ponto de vista social?

A imigração se tornou uma questão urgente na América Latina. Hoje, em razão do que acontece na Venezuela e perante o fato de haver novos governantes — Alberto Fernández na Argentina e Lacalle Pou no Uruguai, por exemplo —, existem dúvidas sobre como será a cooperação entre os países daqui em diante.

Há um sentimento de descontentamento popular em toda a região. A democracia está ameaçada?

Não, pelo contrário: a democracia ainda é muito forte na América Latina. Talvez os governos de alguns países tenham um apelo populista. No entanto, isso não esconde o fato de que esse sistema de governo continua florescendo. Em minha visão, a democracia é o único sistema de governo que deveria existir e é o único caminho legítimo que os países devem seguir.

Como a senhora enxerga as turbulências recentes em vários países da América Latina?

A internet e as redes sociais dão acesso total à informação e criam um ambiente de transparência. Por outro lado, também criam espaço para que qualquer pessoa manifeste sua opinião sobre tudo. E essa é uma percepção que acaba por desafiar os meios tradicionais de consenso e comunicação com o povo.

A corrupção ainda é um problema. Como mudar isso?

Os sistemas de Justiça e o estado democrático de direito precisam ser fortalecidos para que o combate à corrupção seja bem-sucedido. A relação entre o risco e a recompensa, o que muitas vezes pode incentivar práticas criminosas, tem de mudar e os corruptos devem ser penalizados. Nesse sentido, a sociedade tem um papel fundamental, que é o de garantir que a transparência seja a regra em todas as instituições.

Por Gabriela Ruic, na Revista Exame







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