Debate promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae)
questiona falta de planejamento e investimento em setor estratégico para a
economia do País
'O usuário
precisa do melhor serviço ao menor custo possível. Está faltando no Brasil a
soberania do usuário' RAUL VELLOSO, ECONOMISTA 'O setor privado tem segurança
para entrar em um negócio de concessão? Não' CESAR BORGES, PRESIDENTE DA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONCESSIONÁRIAS DE RODOVIAS (ABCR)
O XXX Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae),
reuniu governadores, economistas, juristas e representantes do Governo Federal
nos dias 10 e 11 de maio, no BNDES.
Os debates giraram em torno de duas vertentes: a necessidade urgente de uma
retomada dos investimentos em infraestrutura de transportes e uma proposta de
equacionamento da previdência pública, como forma de assegurar aos governos
fôlego financeiro suficiente para voltarem a investir no setor, atuando como
indutores e garantindo, assim, êxito nos futuros projetos de concessões.
Houve consensos em relação à falta de projetos de infraestrutura e planejamento
de longo prazo, à urgência da retomada dos investimentos públicos independente da agenda eleitoral de curto
prazo e à melhora da atratividade para o investimento privado no setor,
incluindo aprimoramento de governança
e regulação. O problema, conforme os economistas convidados, é que o País
enfrenta recessão econômica e crise fiscal, o que inviabiliza novos
investimentos públicos no setor.
Apesar do cenário sombrio, o Fórum injetou otimismo ao debate, com proposta dos
economistas Raul Velloso e Leonardo Rolim, para resolver o impasse do
investimento em meio à crise. O estudo aponta ser possível equacionar a
previdência pública por meio da criação de fundos de pensão e, com isso, abrir espaço orçamentário nas contas
de todos os entes públicos para que os governos voltem a investir, além de
desanuviar o ambiente para investimentos privados em geral.
À frente da direção do Fórum pelo segundo ano consecutivo, o economista Raul
Velloso trouxe para discussão números que mostram o panorama drástico da
infraestrutura de transportes no País, ref letindo a queda acentuada dos
investimentos públicos no setor. Tais investimentos, que chegaram a representar
10,5% do PIB em 1975, caíram para 1,8% do PIB em 2017, o menor da história,
conforme dados da Instituição Fiscal Independente, do Senado. 'O investimento
público simplesmente desapareceu no Brasil', disse Velloso, autor do estudo
'Infraestrutura de transporte: atratividade para o capital privado é a chave de
tudo'.
A queda levou a uma correlata redução do investimento privado, o que explica a
atual deterioração das rodovias e ferrovias brasileiras, entre outros motivos
discutidos no Fórum. O setor privado, sozinho, não tem condições de fazer
frente à demanda por infraestrutura, o que traz efeitos negativos sérios em
duas frentes: para a economia, a médio e longo prazo; e para o cidadão, a
curtíssimo prazo. Do ponto de vista macro, põe em risco a esperada retomada do
crescimento brasileiro, já que compromete, por exemplo, a produtividade, a
competitividade das empresas nacionais, a recuperação da indústria e do
emprego.
A queda de investimentos também afeta o dia a dia das pessoas, já que a
infraestrutura faz parte do cotidiano de todos. 'É fundamental trazermos a
agenda da infraestrutura para o debate e para o equacionamento dos problemas',
disse Raul Velloso, acrescentando: 'Diante da escassez de capital e da péssima
qualidade de nossa infraestrutura, é necessário que os projetos escolhidos
sejam aqueles que tragam o maior retorno possível para a sociedade. O usuário
precisa do melhor serviço ao menor custo possível. Está faltando no Brasil a
soberania do usuário'. Velloso contrastou essa ideia com a visão populista em
vigor, que simplesmente defende o menor custo imaginável, deixando de lado a
qualidade e a atratividade para o privado.
O tema também foi enfatizado pelo presidente do Conselho Diretor do Sindicato
Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Evaristo Pinheiro. A seu
ver, o primeiro grande desafio é colocar a infraestrutura na pauta do País. 'A
sociedade não tem em mente o que a falta de infraestrutura provoca, quando tem
que passar por uma rua esburacada, quando tem que pegar um transporte para ir
ao trabalho', disse, lembrando que os reflexos atingem até mesmo a segurança pública. 'Quando 400 mil
empregos são eliminados, atingimos a parcela da população mais fragilizada.'
Os problemas gerados pela queda acentuada do investimento público em
infraestrutura de transportes ganharam contornos ainda mais graves com os
números trazidos pelo professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral (FDC).
Segundo ele, quando o governo reduziu investimentos, a deterioração do estoque
de transporte começou a aumentar. De acordo com o estudo da FDC, em 1982, a
valorização do estoque de infraestrutura de transporte no Brasil correspondia a
21, 4% do PIB . Em 2016, passou para 12,1%. Ou seja, houve uma deterioração
acentuada. 'Entre as 20 principais economias mundiais, o Brasil foi o país com
a infraestrutura mais deteriorada, com menor valor em relação ao PIB', disse.
O efeito disso é um consistente avanço no custo logístico para as empresas
nacionais, o mais elevado entre os 20 maiores países. Pesquisa da FDC feita com
embarcadores mostra ainda que o item mais caro para as empresas brasileiras é o
transporte de longa distância, enquanto para as dos demais países pesquisados é
a armazenagem. 'Como não temos capacidade de armazenagem, temos que colocar a
produção na estrada rapidamente. Nos países desenvolvidos, o custo de
transporte é competitivo por natureza. O nosso gera perda de competitividade.
Isso significa entre 2015 e 2017 um gasto adicional de R$ 15,5 bilhões por
parte das empresas. Dinheiro que poderia estar voltado para o investimento',
disse.
Com base nesse cenário, Resende ressaltou que o planejamento para novos
investimentos precisa levar em conta que a matriz de transporte nacional é
rodoviária; portanto, não se deve cair no erro de passar a investir em outros
modais de transporte, sob o risco de provocar uma ruptura nas cadeias
produtivas do Brasil. 'Muito se fala de projetos novos, mas não se comenta
sobre o que existe. Se construirmos o novo em cima de alguma coisa que está se
deteriorando, podemos transformar esse investimento em inutilidade', afirmou.
O Brasil demanda investimentos em infraestrutura da ordem de 4% a 5% do PIB, ao
ano, durante 20 anos, para que atinja padrões comparáveis aos de economias de
renda média. Nos últimos 20 anos, no entanto, a média brasileira tem sido de 2%
do PIB, conforme dados de estudo indicado por Raul Velloso. Ou seja, valores
que vão de R$ 130 bilhões a R$ 200 bilhões. SEGURANÇA JURÍDICA Os debates do
segundo dia do Fórum Nacional trouxeram à cena a questão de que a retomada dos
investimentos requer segurança jurídica, de governança e de regulação, o que,
segundo o advogado Pedro Dutra, não tem sido oferecido plenamente aos
investidores.
No campo da regulação, segundo ele, a situação é dramática. 'A cultura política
está dominada pelo interesse partidário. O critério técnico naufraga. O
interesse partidário domina o interesse público', disse, durante sua exposição.
Uma das condições, portanto, para a retomada dos investimentos em
infraestrutura é que os interesses partidários não interfiram nas agências
reguladoras. 'As classes políticas têm de entender que esse é o inimigo da
infraestrutura no Brasil. Não adianta ter o melhor plano, o melhor projeto, se
o comando é partidário e não técnico', concluiu.
Ele criticou a intervenção do poder Executivo em decisões da alçada das
agências reguladoras e alertou para os conflitos gerados pelo que chamou de
disfunção institucional, o que acabou abrindo espaço para atuação mais
abrangente tanto do Ministério Público
quanto do Tribunal de Contas da União
(TCU). 'Há, hoje, uma
multiplicidade de atores.' Raul Velloso adicionou: 'sem agir necessariamente em
favor do interesse público'.
César Borges, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de
Rodovias (ABCR), também alertou para problemas de insegurança jurídica e
operacional que envolvem os projetos de concessão de rodovias no País. 'O setor
privado tem segurança para entrar em um negócio de concessão? Não. O setor
privado está totalmente inseguro, porque não sabe quem manda. Onde está o poder
decisório?'
Borges, ex-ministro dos Transportes, enumerou as várias instâncias que o
investidor precisa percorrer para levar adiante seu objetivo de disputar uma
concessão: ministérios dos Transportes, do Planejamento e da Casa Civil,
secretaria do PPI, Ibama, BNDES
e ANTT são apenas algumas delas. Segundo ele, os órgãos de controle têm
avançado por espaços deixados pelo poder público, tanto que o TCU está
revisando decisões tomadas pelas agências reguladoras. 'Como vamos garantir
atratividade para um concessionário que atue nesse caldo de cultura, com a
multiplicidade de órgãos opinando?', questiona.
Coube ao ministro Bruno Dantas, do TCU, a defesa do trabalho dos auditores.
'Uma casa de auditores não faz leis, apenas as aplica', disse, citando três
exemplos recentes de decisões do Tribunal, envolvendo atos de agências
reguladoras revistos pelo TCU, com base na Constituição Federal. Ele também
alertou para o perigo do que chamou de infantilização do gestor público, que
vem ocorrendo quando a gestão pública evita tomar decisões inovadoras por medo
de questionamentos do TCU. 'Ou pior, deixam de decidir à espera do aval do
TCU.'
Sobre o assunto, o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
Carlos Ary Sundfeld, falou sobre os impactos positivos da nova Lei de Segurança
para a Inovação Pública, sancionada em abril deste ano. Segundo ele, a nova lei
trará maior segurança para a tomada de decisões por parte dos gestores
públicos, uma vez que delimita suas responsabilidades. Ele acredita que a nova
lei irá destravar projetos importantes de infraestrutura, já que reduzirá o
temor dos gestores públicos de sofrerem processos administrativos.
Os problemas nas contratações de obras públicas, e as alternativas de soluções,
também foram discutidos. O professor Egon Moreira, da Universidade Federal do
Paraná (UFPR), falou sobre as mudanças propostas em um projeto de lei elaborado
pelo diretor da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques
Neto, visando aprimorar o modelo atual. Por exemplo, a exigência de um estudo
de viabilidade da obra; de segurança orçamentária e liquidez nas licitações; de
licenciamento ambiental prévio; e a necessidade de órgão independente para
avaliar a execução do contrato.
Mauro Viegas, presidente do Conselho de Infraestrutura da Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), também abordou as formas de contratação
de projetos. Segundo ele, as contratações de estudos e projetos não devem ser
realizadas via pregão. O critério de julgamento, na sua avaliação, deverá ser
do tipo Técnica e Preço na contratação de serviços predominantemente
intelectuais.
Por fim, reafirmou a frase dita pela maior parte dos participantes do Fórum:
'Precisamos de um programa de Estado, não de governo'.
O Globo