sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Hidrelétricas da Cemig são vendidas por R$ 12 bilhões


O leilão de venda de quatro hidrelétricas realizado ontem pelo governo federal em São Paulo foi um sucesso mesmo com a névoa de insegurança criada pela Cemig, que tentou impedir a realização do certame até o último instante. Entre um lote e outro, as vozes dos poucos manifestantes contrários à privatização do lado de fora da B3 muitas vezes se sobressaíam em relação aos anúncios de abertura dos envelopes, mas isso não reduziu o interesse dos investidores pelos ativos ofertados. O governo conseguiu arrecadar R$ 12 bilhões em outorgas, ágio de R$ 1 bilhão em relação aos mínimo esperado.
O maior destaque foi a atuação da chinesa SPIC Overseas, que arrematou a concessão de São Simão, a maior das usinas ofertadas, e se comprometeu a pagar R$ 7,18 bilhões em outorga, ágio de 6,51% ante o montante mínimo estabelecido pelo governo, de R$ 6,7 bilhões.
Até então, a companhia tinha uma atuação discreta no Brasil, por meio da Pacific Hydro, que foi adquirida pela chinesa no começo do ano, e que opera dois parques eólicos no Nordeste, que somam 58 megawatts (MW) de potência. A SPIC Overseas, porém, vinha tentando se consolidar no Brasil há um certo tempo.
A companhia chinesa estava negociando com Odebrecht e Cemig a aquisição da participação das duas na megausina de Santo Antonio, no rio Madeira (RO), mas as tratativas foram suspensas há pouco mais de um mês por não haver um acordo sobre as condições da transação.
Depois de arrematar a concessão de São Simão ontem, no único lance pela hidrelétrica, a SPIC, que aparentava ter fôlego para levar todos os ativos licitados, retirou as propostas pelas demais usinas. Isso se explica pelo perfil das grandes empresas chinesas, que se concentram na gestão de grandes ativos, e não de médio porte como é o caso de Jaguara, Miranda e Volta Grande.
As três hidrelétricas ficaram com estrangeiras já veteranas no Brasil. A franco-belga Engie levou as usinas de Jaguara e Miranda, ao desembolsar, respectivamente, R$ 2,171 bilhões e R$ 1,36 bilhões por cada uma, ágio de 13,59% e 22,43. A italiana Enel também fez lances pelas duas usinas, mas foi derrotada. No caso de Volta Grande, a Enel foi a única a fazer oferta, de uma outorga de R$ 1,292 bilhão, prêmio de 9,85%.
"O leilão foi 100% bem-sucedido. Houve ofertas
pelos quatro lotes, e não era um leilão qualquer, o valor mínimo [da outorga] era de R$ 11 bilhões", disse Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. Segundo ele, a expectativa não era de um "ágio estratosférico", justamente pelo valor mínimo já ser muito alto.
A avaliação de que a disputa foi um sucesso é compartilhada por Thais Prandini, diretora da consultoria Thymos Energia. "Claro, se o governo fizer aprimoramentos vai conseguir mais investidores [em outros leilões]. Mas foi considerado um sucesso, todas as usinas foram vendidas com ágio interessante", disse.
Até a noite de terça-feira, ainda havia incerteza se o leilão iria de fato ocorrer. O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), negou no fim daquele dia o pedido da Cemig para suspender a disputa. A estatal recorreu contra a decisão na manhã de ontem, mas o mérito ainda não foi apreciado.
O secretário especial da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Adalberto Vasconcelos, lembrou ainda que há um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou que o leilão era o caminho "adequado" para as hidrelétricas.
Os riscos jurídicos associados às tentativas da Cemig de manter as concessões, impedir ou cancelar o leilão eram vistos como obstáculos ao sucesso do certame. Para advogados com atuação na área, a estatal mineira vai seguir tentando anular o resultado, mas ainda assim o risco é considerado pequeno. Isso porque já há um entendimento do STF de que não há guarida no argumento da companhia de que a renovação do prazo das concessões de São Simão, Miranda e Jaguara deveria ser automática, pois se trata de uma possibilidade e não algo mandatório.
O segundo ponto que leva os advogados a considerarem baixas as chances de sucesso de uma investida jurídica da Cemig contra o leilão é o fato de o certame ter sido bemsucedido. "Foi legítimo, não teve vícios, foi realizado de forma transparente e pública. O terceiro de boa-fé não pode ser afetado por um eventual pleito da Cemig", diz um especialista que pediu para não ser identificado. No limite, se for o caso, a estatal mineira poderia ser indenizada por perdas e danos se tivesse algum direito.
A avaliação de que a percepção de risco dos investidores era baixa também foi feita no Ministério de Minas e Energia. O secretárioexecutivo da pasta, Paulo Pedrosa, afirmou em entrevista à imprensa após o certame que "a resposta está dada pela presença dos investidores, que fizeram propostas concretas de valor significativo."
Os executivos que estavam representando as companhias vencedoras também ressaltaram não ver riscos. A presidente no Brasil da Pacific Hydro, controlada da SPIC, disse que a participação no certame mostrou a disposição da empresa de investir no país, assim como sua confiança nas instituições brasileiras, apesar da desconfiança quanto aos rumos das conversas entre a Cemig e o governo em torno de um acordo para tirar usinas da disputa.
Também presente ontem, Guanhua Li, diretorexecutivo do departamento de estratégia da chinesa, disse estar "feliz e confiante no Brasil como parceiro econômico no setor elétrico."
Em nota, o presidente da Enel no Brasil, Carlo Zorzoli, comemorou a vitória e disse que o leilão demonstrou que a italiana continua com uma estratégia de crescimento de longo prazo no país.
As duas empresas não quiseram comentar sobre as estratégias de financiamento para o leilão. Já a Engie declarou que vai utilizar o mercado financeiro. "Já temos bancos oferecendo [propostas]. Vamos buscar financiamento de custo baixo e prazo longo. Estamos discutindo detalhes com quatro ou cinco bancos", disse, ao Valor, Maurício Bähr, presidente do grupo Engie no Brasil. A companhia é controladora da Engie Brasil Energia.
Por Camila Maia, Fernanda Pires, Luciano Máximo e Rodrigo Polito, no Valor Econômico/BR

Estatal mineira deve focar na venda de outros ativos Marcos de Moura e Souza, Camila Maia e Fernanda Pires | De Belo Horizonte e São Paulo
Ao não conseguir participar do leilão das quatro hidrelétricas, a Cemig perdeu um terço da sua capacidade instalada. Mas também evitou aumentar ainda mais seu já elevado endividamento, o que sempre preocupou os investidores. Desde que a estatal mineira divulgou seu plano de venda de ativos, não chegou a anunciar nenhuma operação relevante, apenas intenções. Se a companhia conseguisse financiamento para pagar a outorga bilionária das usinas, a mensagem ao mercado seria contraditória e danosa à imagem da companhia.
O lado negativo da devolução definitiva das usinas - que estão sendo operadas pela Cemig desde o início do ano por uma receita para manutenção dos ativos - será um faturamento menor em comparação com a registrada até o fim de 2016. Até então, a estatal vinha explorando as hidrelétricas sem contratos, liquidando a energia no mercado livre.
Segundo Adézio Lima, diretor financeiro da Cemig, a tarefa da empresa será conseguir manter lucros equivalentes aos de antes da perda das usinas. Investimentos em geração eólica ou compartilhada não darão à empresa - ao menos no curto e médio prazo -a mesma capacidade de geração. "Não há mais espaço no Brasil para novos parques de geração hídrica."
Mesmo sem essas hidrelétricas, a companhia continua relevante no setor elétrico. Deixará de ser a segunda maior elétrica em termos de potência instalada, mas ainda tem um parque gerador considerável, atuação forte em transmissão de energia, sem falar na concessão de distribuição em quase todo o Estado de Minas Gerais. Além disso, a Cemig tem atuação em outras áreas, como a Gasmig, a Cemig Telecom, e uma área crescente de distribuição, sem falar nas participações na Light e na Renova Energia.
O desafio agora é fazer o dever de casa, e cumprir finalmente o plano de venda de ativos.
Segundo Lima, entre abril e maio de 2018 a Cemig já deve ter em seu caixa valores referentes à venda da Light e da Renova. "No caso da Light, há seis investidores fazendo análise da empresa e no caso da Renova, a Brookfield [gestora de ativos] está fazendo o due diligence para em seguida discutir uma proposta", disse.
Outra operação importante e que parecia avançada perdeu embalo. Era a venda da fatia que a Cemig detinha na usina de Santo Antônio, em Rondônia. Os chineses da SPIC e a Cemig, disse Lima, já estavam na fase de fechamento de detalhes do contrato quando as negociações mudaram e foram suspensas há mais de um mês.
Em relação às hidrelétricas licitadas ontem,
Lima disse que a Cemig calcula que tem a receber R$ 5 bilhões em indenizações por investimentos não amortizados. "O governo nos propôs R$ 1,25 bilhão." Lima contou ainda nunca ter acreditado que o governo federal tinha interesse em negociar um acordo. "Eu era muito cético. Eles enrolaram a gente o tempo todo. Queriam negociar, negociar e nunca aceitavam [de fato as condições de conversa]", disse. A Cemig, informou ele, vai continuar brigando na Justiça pelo que acredita ser seu direito de renovar por mais 20 anos as concessões de Jaguara, Miranda e São Simão.
Governo festeja, mas bancada de Minas ameaça reformas Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Marcos de Moura e Souza, Edna Simão e Fábio Pupo | De Brasília e Belo Horizonte
O governo reagiu com empolgação ao resultado do leilão das usinas hidrelétricas da Cemig, dizendo que demonstra a retomada da confiança no país, enquanto parlamentares da base aliada e da oposição, que cobravam a manutenção da estatal como operadora das instalações, se uniram nas críticas à "falta de consideração e respeito com Minas Gerais" e afirmaram que, embora tenha negociado, o governo federal nunca esteve aberto ao acordo.
Vice-presidente da Câmara e coordenador da bancada de Minas Gerais no Congresso, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG) divulgou nota contra a equipe econômica e disse que, com esse pensamento, a reforma da Previdência não será aprovada. "Estamos diante de um governo que só pensa nos bancos. Temos um ministro que só pensa em banco e como eles vão continuar a ganhar dinheiro. Isso é claramente visível pela adoção da política de elevadas taxas de juros que enriquece alguns e relega o povo à pobreza e ao desemprego. Ao não investir em infraestrutura o governo escolhe não empregar os brasileiros", afirmou. Segundo Ramalho, a bancada mineira e a Cemig tentarão impedir que o resultado do leilão de confirme com ações na Justiça.
Para o deputado Leonardo Quintão (PMDBMG), a decisão do governo pode ter consequência sem votações relevantes do Congresso. "Todos estão muito insatisfeitos", disse. O grupo já se dedica a impedir outra venda, a do controle da Eletrobras e de Furnas para a iniciativa privada, com o lançamento de uma frente parlamentar com toda a bancada de Minas.
O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), criticou o governo do presidente Michel Temer (PMDB), dizendo que tentou negociar com a União, "mas não encontrou espaço". "O tempo dirá se a decisão do governo federal foi a mais correta para o país. Para Minas Gerias com certeza não foi", disse, em vídeo no Facebook. O petista ainda politizou ao lembrar que o assunto poderia ter sido resolvido por seu antecessor, o exgovernador e hoje senador Antônio Anastasia (PSDB), que rejeitou o acordo com a expresidente Dilma Rousseff para reduzir o valor da tarifa de energia em 2012 em troca da prorrogação automática das concessões por 20 anos.
Os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) comemoraram, com mensagens no Twitter, o resultado do leilão. De Londres, Meirelles disse que o sucesso na venda das usinas de Volta Grande, São Simão, Jaguara e Miranda "confirma a trajetória de recuperação da economia do país". "A retomada da economia começa a dar frutos também ao criar ambiente para a atração dos investimentos estrangeiros', afirmou.

Já Dyogo disse que o resultado e ágio do leilão foram "satisfatórios e dentro das expectativas". "Resultado do leilão reforça que governo tem adotado projeções seguras a respeito das receitas", afirmou, acrescentando que "a participação de diferentes grupos internacionais demonstra confiança na economia do país". Nenhum dos dois comentou as críticas da bancada mineira.


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