segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O F.A.Q. da Crise



Por Marcos Mendes, Paulo Springer de Freitas e Alexandre Rocha 

Foi publicado recentemente  o texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”. Com base no diagnóstico ali traçado, listamos uma série de perguntas frequentes sobre a crise econômica, oferecendo as nossas respostas.


1 – A crise que estamos vivendo é consequência da crise econômica internacional?

R: Não. A crise fiscal, a inflação alta, o desemprego crescente, a baixa capacidade de crescimento da economia brasileira são fundamentalmente consequência de desequilíbrio fiscais estruturais (a despesa pública cresce mais que o PIB há 30 anos) somada a uma política econômica equivocada adotada a partir de 2005/2006.

Na verdade, a situação econômica internacional existente entre 2003 e 2011 foi muito favorável ao Brasil, devido a dois fenômenos: o grande aumento nos preços dos nossos produtos de exportação (commodities) e a fartura de crédito no mercado financeiro internacional. O nosso governo tomou essas duas situações passageiras como se fossem definitivas e passou a conduzir a política econômica acreditando que os preços das commodities nunca iriam mudar e que haveria dinheiro barato para sempre no mercado financeiro internacional.

Por isso, acelerou os gastos públicos, concedeu isenções tributárias, distribuiu benefícios creditícios, interferiu no processo de decisão das grandes empresas, congelou preços públicos e fez muitas outras políticas criticáveis, com descrito em detalhe no post “Por que a economia brasileira foi para o buraco?” Enquanto os ventos na economia internacional eram favoráveis, o Brasil ia bem apesar dos erros de política econômica. Contudo, tais erros acumularam distorções (déficits público e no balanço de pagamentos crescentes, aumento da inflação, insustentabilidade da dívida pública).

Agora que os ventos favoráveis vindo do exterior mudaram (queda nos preços das commodities e tendência de aumento das taxas de juros internacionais), como seria de se prever, o governo passa a culpar tais mudanças pela crise brasileira. Se durante o período de bonança tivéssemos adotado uma política econômica responsável, não estaríamos enfrentando uma situação tão dura. Se tivéssemos aproveitado os tempos bons para fazer reformas que consertassem as inconsistências no gasto público, estaríamos mais bem preparados para o momento atual. Assim como um organismo fragilizado é mais vulnerável a contrair doenças, uma economia desajustada sofre mais quando há uma crise na economia internacional. Basta comparar o desempenho da economia brasileira com a de países latino-americanos que praticam melhores políticas macroeconômicas, como Chile e Colômbia. Esses dois países estão sentido o impacto da crise internacional, mas com intensidade muito menor que o Brasil.

2 – Se a economia está em recessão, por que fazer ajuste fiscal, que aprofunda mais a recessão? Será que esse tipo de remédio não irá matar o paciente?

R: Em primeiro lugar, é preciso dizer que a recessão começou ANTES do ajuste fiscal. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV mostrou recentemente que a recessão começou em meados de 2014. Portanto, mais de seis meses antes da posse do Ministro Levy e do início do ajuste fiscal.

Essa recessão se deu pelo esgotamento de um padrão de crescimento do gasto público acima do crescimento do PIB, somado a uma política econômica populista e insustentável, adotada a partir de 2005/2006. A crise é composta por vários problemas: inflação alta e crescente, visível esgotamento financeiro do Tesouro e incapacidade de continuar a subsidiar investimentos, paralisação do setor de óleo e gás pela mudança do marco regulatório do pré-sal, ameaça de racionamento de energia, sobre-endividamento da maior empresa do país, queda da produtividade da economia (devido aos inúmeros gargalos produtivos, como a infraestrutura deficiente, legislação tributária e trabalhista inadequadas e interferência do governo nas decisões privadas), sobre-endividamento das famílias, crescente risco de rebaixamento da nota de crédito do Governo Federal para o nível de investimento especulativo.

Enquanto a China puxava nossa economia, parte desses problemas não aparecia ou era menor. Acabado o estímulo externo, a crise se impôs.

Na situação em que nos encontramos, o ajuste fiscal não é uma das políticas possíveis. Ele é o único caminho responsável a ser trilhado. Esse ajuste é condição necessária para que o país tenha alguma esperança de retomar o crescimento no futuro. Sem o ajuste fiscal, a dívida pública vai crescer rapidamente, o Tesouro não terá como financiá-la (porque os investidores não vão querer correr o risco de levar o calote) e será preciso emitir moeda para pagar a dívida pública. Voltaremos à época da hiperinflação. E quem viveu nos anos 80 sabe que com hiperinflação não se vai a lugar nenhum.

Embora seja necessário (o único caminho possível, a não ser que se considere o caos econômico como opção válida), o ajuste fiscal não será suficiente para garantir a retomada do crescimento. Estão certos os que dizem que o ajuste vai aprofundar a recessão. A única possibilidade de o ajuste fiscal não gerar mais recessão seria fazê-lo por meio de reformas que permitissem reduzir o gasto público corrente, abrindo espaço para que, ao mesmo tempo em que o superávit primário aumentasse, a carga tributária pudesse ser mantida constante e houvesse investimentos de qualidade em infraestrutura.

Porém, não é esse o padrão de ajuste fiscal de curto prazo viável no Brasil. Como no passado, o ajuste será feito por meio de aumento de tributos e mais repressão ao investimento. Não há como não derrubar a economia fazendo tal ajuste. Mesmo assim, é melhor fazer esse ajuste sub-ótimo do que não fazer nenhum ajuste e rumar para a hiperinflação.

Ou seja: o ajuste em curso vai ajudar a derrubar a economia no curto prazo. Mas a recíproca não é verdadeira: o “não-ajuste” não fará a economia crescer. Irá, isso sim, nos levar para uma situação ainda pior: a hiperinflação e a desestruturação da economia. Há, ainda, o risco de ficarmos no meio do caminho: um ajuste insuficiente que não evitará o pior, e ainda imporá custos à sociedade.

3 – A tentativa de resolver a crise econômica na Europa por meio de medidas de austeridade fiscal falhou. Por que vamos insistir nesse remédio que não funcionou em outros lugares?

R: É incorreto dizer que a política de ajuste na Europa foi apenas de austeridade fiscal. Irlanda, Portugal e Espanha implantaram não apenas duros ajustes fiscais, mas também fizeram reformas importantes: vendas de ativos, flexibilização do mercado de trabalho, reforma orçamentária.

Também é incorreto dizer que esse conjunto de medidas não deu resultado. Esses três países sofreram as dores do ajuste, mas estão todos emergindo da crise e voltando a crescer, assim como diversos países do leste europeu, como Polônia, Hungria e os países bálticos.

A lição que devemos tirar do caso europeu é justamente o contrário da afirmação feita na pergunta: o país que se recusou a se ajustar, a Grécia, é que foi para uma crise aguda. O caso grego é um exemplo do que ocorrerá com o Brasil se não fizermos um adequado ajuste fiscal. Diga-se de passagem, apesar de todo o barulho político feito por seu governo populista, a Grécia acabou tendo que por em prática um programa de ajuste fiscal e de reforma estrutural do setor público. Não apenas por exigência dos credores, mas por uma questão de sobrevivência da economia do país.

Deve-se dizer, por fim, que a contração econômica nos ajustes fiscais feitos nos países do Euro tende a ser maior do que em um país que tem moeda própria, como o Brasil. Isso porque os países do Euro não têm a opção de se ajustar por meio da desvalorização cambial, já que a moeda é única. Por isso, para reduzir os custos internos e se tornarem mais produtivos, eles precisam de uma grande contração econômica, para gerar grande desemprego e, com isso, reduzir os salários e os custos das empresas. No Brasil, a desvalorização cambial pode fazer uma parte desse serviço, sendo necessária menor contração do PIB.

4 – Não seria contraditório acabar com a desoneração da folha de pagamentos no momento em que as empresas estão sofrendo com a crise econômica?

R: Sem dúvida que seria melhor fazer um ajuste fiscal baseado em redução da despesa pública, sem a necessidade de elevar tributos. Isso não aumentaria os custos das empresas, geraria menos desemprego e abriria mais espaço para o investimento privado. Porém, o orçamento público brasileiro é muito rígido. Se não fizermos reformas que reduzam o ritmo de crescimento de despesas da previdência, das políticas sociais ou da folha de pagamento, não haverá como conter a expansão do gasto.

Nessa situação, como já afirmado acima, é melhor que se faça um ajuste de baixa qualidade (via aumento de impostos e corte de investimentos) do que não se fazer ajuste nenhum.

O risco, como já apontado na resposta à questão 1, é que o ajuste “politicamente possível” não seja suficiente para reequilibrar as contas e conter o crescimento da dívida. Aí os sacrifícios serão em vão.

5 – O ajuste fiscal vai ser pago pelos mais pobres?

R: Não necessariamente os pobres pagarão pelo ajuste fiscal. Como afirmado ao longo do texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”, o gasto público no Brasil beneficia todas as camadas de renda. Se fizermos uma reforma fiscal que contenha a expansão dos gastos feitos a favor das classes alta e média, poderemos ter um efeito de redistribuição de renda. Uma reforma da previdência social, por exemplo, que requeira maior tempo de trabalho para a aposentadoria, tende a ser redistribuidora de renda, pois o seu custo recairá sobre a classe média e alta urbana. O mesmo se pode dizer de um maior controle na contratação e remuneração de servidores públicos, que, em sua maioria, estão entre os 5% mais ricos do país. O fim dos subsídios creditícios a grandes empresas também teria importante efeito redistributivo de renda. Um redirecionamento do gasto público em educação do nível universitário para o ensino básico também beneficiaria os mais pobres, principalmente se fosse instituída a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Mesmo alguns programas normalmente identificados como sendo de atendimento aos mais pobres, como o abono salarial e o seguro desemprego, atendem camadas de renda acima do nível de pobreza: o seu redesenho pode levar à redução de despesas sem afetar os mais pobres.

Deve-se lembrar, ainda, que o não-ajuste levará a aumento da inflação; esta sim muito prejudicial aos pobres e concentradora de renda.

6 – Por que não fazemos o ajuste tributando os bancos?

R: Uma lição básica em economia é a de que o custo dos tributos não incide, necessariamente, sobre o agente econômico que é tributado. Sempre que a pessoa física ou jurídica que é tributada pode passar para frente o custo do imposto pago, ela passará. Uma maior tributação dos bancos (que já são bastante tributados) se converterá, total ou parcialmente, em aumento das taxas de juros por eles cobradas. Quem pagará uma parte ou a totalidade do imposto será o indivíduo ou a empresa que precisar tomar crédito.

Não obstante isso, tendo em vista o exíguo espaço político para se cortar despesas, é possível que se acabe optando por tributar as operações de crédito, pois essa é uma forma dissimulada de se ampliar a tributação sobre a população como um todo, disfarçando-a de tributação sobre os bancos.

7- Por que não fazemos o ajuste tributando os ricos, através da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas?

Esse imposto, sozinho, não resolveria o problema. Mesmo que não se preveja nenhuma isenção, nem se leve em conta a fuga de capitais que ele provocaria, sua arrecadação dificilmente passaria de R$ 5 bilhões por ano. O valor é irrisório frente às necessidades fiscais do Tesouro Nacional.

Pode-se discutir a progressividade ou regressividade do sistema tributário brasileiro e, com isso, a possibilidade de tributos que incidam sobre os mais ricos. Porém, não se pode esperar que esse tipo de tributação gere receita suficiente para fechar as contas públicas. Somente os aumentos previstos nas áreas de previdência, saúde e educação para os próximos anos está na casa de R$ 22 bilhões por ano.

Tributar grandes fortunas pode também trazer o impacto indesejado de reduzir ainda mais a já reduzida taxa de poupança doméstica.

8 – As despesas com juros são da ordem de R$ 417 bilhões por ano. Por que não fazemos o ajuste fiscal cortando a taxa de juros fixada pelo Banco Central? Não seria muito mais fácil do que cortar programas sociais?

R: Isso já foi tentado pelo Governo, no âmbito da “nova matriz econômica”. Entre agosto de 2011 e outubro de 2012 a taxa Selic foi sistematicamente reduzida, passando de 12,5% a.a. para 7,25% a.a.. Porém, a redução forçada dos juros, sem que haja uma correspondente redução do déficit primário, aumenta a inflação e não se sustenta. O déficit do governo coloca renda na mão das pessoas e aumenta o consumo. Como a oferta de bens e serviços é rígida (há uma série de obstáculos à expansão da produção no Brasil, como descrito no texto), o aumento da demanda leva a aumento de preços.

Por isso, o ajuste das contas não financeiras deve preceder a redução dos juros pelo Banco Central. Tentar começar pelos juros, apesar de ser a conta mais elevada, não é algo consistente ou sustentável. Ademais, a maior parte dos valores pagos a títulos de amortização e juros da dívida não vêm diretamente da tributação imposta à população, e sim de novos empréstimos, que rolam os antigos. Um corte abrupto dos juros reduzirá a oferta de novos empréstimos ao Governo. Com isso, seriam necessários cortes nas outras despesas com vistas a alocar mais recursos para pagar amortização e juros da dívida.

9 – Muitos economistas advogam que, para o país crescer mais rápido, é necessário aumentar a poupança. Mas se todo mundo poupar, qual será o estímulo para as empresas investirem, se não haverá quem consome?

Há uma confusão de conceitos. Poupar não é o mesmo que deixar de gastar. Um indivíduo que deixa de gastar em bens de consumo final (alimentos, roupas, festas, etc) para comprar tijolos e construir uma casa, em verdade, está poupando. Sua poupança está sendo gasta na aquisição de bens de investimento (no caso, os tijolos). Poupar (e sua contrapartida, investir), portanto, é simplesmente trocar o consumo de bens e serviços finais hoje por bens e serviços finais no futuro. Assim, um aumento da taxa de poupança de um país somente altera o mix de produção, com a economia passando a produzir mais bens de capital, insumos para construção civil ou produtos para exportação (que lhes permite adquirir ativos no exterior). Naturalmente, economias que investem mais, crescem mais rapidamente. Não é por menos que os países emergentes do leste asiático, cuja taxa de poupança é acima de 30% do PIB (enquanto no Brasil é em torno de 15% do PIB), são os que mais rapidamente crescem.

10 – Um modelo de crescimento do estilo asiático, baseado em elevada taxa de poupança e câmbio depreciado, não está associado a piores condições para o trabalho?

No curto prazo, é correto. Se o país poupa muito, há poucos recursos para programas assistenciais e de previdência. Além disso, a taxa de câmbio depreciada implica salários reais menores. Entretanto, essa é uma visão estática. Como esses países investem mais, o que lhes permite crescer mais rapidamente, no longo prazo, o padrão de vida da população tende a ser melhor. Coréia do Sul e Brasil tinham níveis de renda per capita semelhantes na década de 1960 e, hoje, a renda per capita sul-coreana é cerca do triplo da brasileira. Da mesma forma, a renda per capita da China já se aproxima da brasileira, quando era menos da metade há vinte anos. Pode-se fazer uma analogia com o bem-estar de uma família. Se tivermos dois domicílios com a mesma renda inicial, aquele que poupar mais terá menor qualidade de vida no curto prazo. Entretanto, no longo prazo, o que poupou mais terá maior renda (decorrente das aplicações financeiras feitas ao longo da vida), o que lhe permitirá auferir maior bem estar.

11 – Corremos o risco de uma nova década perdida?

Infelizmente, sim. Tomando o PIB per capita como medida de bem estar individual, temos que o pico deste ocorreu em 2013 (R$ 27,4 mil, em valores de dezembro de 2014). Considerando que o PIB cresceu 0,15% em 2014 e a população tem crescido em torno de 0,9% a.a., e assumindo que o PIB diminuirá 2% em 2015 e 0,5% em 2016, crescendo 1,5% na média dos anos seguintes, temos que o PIB per capita cairá até 2017, recuperando-se lentamente depois disso, até voltar ao patamar de 2013 apenas em 2023 ou 2024. Trata-se de cenário bastante plausível. Não havendo reformas substanciais que aumentem a poupança pública e a produtividade, teremos baixa taxa média de crescimento econômico no período 2017-2024, em face do esgotamento da principal fonte de crescimento econômico do passado recente (qual seja, o aumento da taxa de ocupação da mão de obra), combinado com nosso histórico de incrementos reduzidos na produtividade do trabalho.


Os autores agradecem os comentários de Pedro Fernando Nery.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O Plano de Produção da Petrobras é exequível?



Por Luiz Alberto C. Bustamante* 
Introdução
A Petrobras divulgou seu Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2015-20191 no final de junho deste ano. Na tentativa de superar a crise na qual mergulhou no último ano, o novo PNG traz alterações importantes em relação à versão anterior, o PNG 2014-20182, que apontam para o encolhimento da companhia.
A modificação mais significativa é a redução dos investimentos programados, que passaram de US$ 220,6 bilhões, no período 2014-2018, para US$ 130,3 bilhões no período 2015-2019, queda de US$ 90,3 bilhões. O investimento anual médio foi cortado em 41%, de US$ 44,12 bilhões para US$ 26,06 bilhões.
A comparação entre os investimentos programados nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019 para as grandes áreas de negócio da Petrobras é mostrada na Figura 1.
O maior corte proporcional, de 69%, ocorreu nas áreas de Abastecimento e de Distribuição. A primeira engloba as atividades de refino. Os projetos das refinarias Premium I, no Maranhão, e Premium II, no Ceará, foram definitivamente cancelados; a construção da refinaria do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) foi suspensa, sem data definida para seu reinício; apenas a conclusão da refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, foi contemplada no PNG 2015-2019. O impacto desses cortes na capacidade futura de refino da Petrobras é de 765 mil barris por dia (bbl/d)3,4. Sendo assim, o déficit da produção brasileira de derivados de petróleo, que foi de 299 mil bbl/d em 20145, deverá crescer para mais de 500 mil bbl/d na década de 20206, o que, a preços atuais, representaria importações acima de US$ 13 bilhões por ano.
Figura 1 – Comparação entre os investimentos programados nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019, por grandes áreas de negócios: Exploração & Produção e Internacional; Abastecimento e Distribuição; Gás & Energia; e demais áreas, que incluem Biocombustíveis e Engenharia.
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Nas áreas de Exploração & Produção7 e Internacional8, o corte nos investimentos foi de 34%, proporcionalmente menor que nas áreas de Abastecimento e de Distribuição, mas o impacto sobre a produção projetada de petróleo e gás natural foi substancial. De 5,3 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/d)9, a meta de produção de 2020 foi reduzida em 30%, para 3,7 milhões de boe/d, dos quais 2,8 milhões de bbl/d de petróleo e o restante de gás natural. A queda da produção projetada atinge 1,6 milhão boe/d, uma vez e meia a produção que se espera obter no campo de Libra10, ou mais da metade da produção atual do Brasil11.
A comparação entre as curvas de produção projetadas nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019 é apresentada na Figura 2.
Figura 2 – Comparação entre as curvas de produção de petróleo e gás natural projetadas até 2020 nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019.
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Apenas no período 2015-2020, essa revisão na curva de crescimento da produção implicará deixar de produzir o total de 1,8 bilhão de boe, quase o dobro da produção brasileira de petróleo e gás natural em 201412. Mantida a cotação atual do petróleo, de US$ 50/bbl, a nova curva de produção até 2020 provocará perda de faturamento de US$ 90 bilhões para a Petrobras.
Tal perda se distribuirá entre a Petrobras, que terá sua capacidade de gerar receita reduzida; os acionistas, que receberão menos dividendos; e a União, estados e municípios, que recolherão menos tributos e receberão menor montante de participações governamentais13.
Como, em decorrência da Lei nº 12.858, de 9 de setembro de 2013, a maior parcela das participações governamentais na renda petrolífera é destinada às áreas de educação e saúde, no fim, serão os brasileiros de renda mais baixa os mais prejudicados, por dependerem exclusivamente do Estado para a prestação desses serviços.
Avaliação do PNG 2010-2014
Embora o corte de produção incluído no PNG 2015-2019, de 30%, seja muito significativo, ainda assim, não é garantido que a Petrobras será capaz de atingir as novas metas estabelecidas. Afinal, a companhia tem tradição de não cumprir suas metas de produção, e o ambiente econômico que a Petrobras enfrentará nos próximos anos será um dos mais desfavoráveis das últimas décadas.
Um indicativo da exequibilidade das metas de produção do PNG 2015-2019 pode ser depreendido da análise dos resultados alcançados pelo PNG 2010-2014. Esse último previa investimentos totais de US$ 220,4 bilhões, dos quais US$ 118,8 bilhões, ou US$ 23,76 bilhões por ano, seriam destinados à área de Exploração & Produção14. Como resultado dos investimentos, a Petrobras estimava que sua produção de hidrocarbonetos saltaria de 2,5 milhões de boe/d, alcançados em 2009, para 3,9 milhões de boe/d em 201415.
O PNG 2010-2014 atingiu a meta de desembolso financeiro, mas ficou longe da meta de produção. Ou seja, os investimentos foram muito menos eficientes do que se previa. Na Figura 3, é comparado o investimento em Exploração & Produção planejado com o realizado entre 2010 e 2014. Nesse período16, os investimentos da Petrobras na área de Exploração & Produção totalizaram US$ 123,2 bilhões, ou seja, alcançaram 104% do planejado pela companhia.
Figura 3 – Comparação do investimento em Exploração & Produção planejado com o realizado entre 2010 e 2014, assumindo-se distribuição anual uniforme dos investimentos planejados.
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Contudo, o aumento esperado da produção de petróleo e gás natural não se verificou, como mostra a Figura 4. Em 2014, a produção real foi de 2,7 milhões de boe/d, enquanto o planejado era de 3,9 milhões de boe/d. Entre 2009 e 2014, em vez do crescimento robusto de 1,4 milhão de boe/d, houve a quase estagnação, e apenas 143 mil boe/d foram adicionados à produção, configurando a realização de parcos 10,4% da meta física.
Figura 4 – Comparação da produção, planejada e realizada, entre 2010 e 2014.
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É absolutamente surpreendente e deveras intrigante tamanha discrepância entre a realização financeira e o cumprimento das metas físicas. Embora seja bem sabido que os investimentos em Exploração & Produção demoram cerca de dez anos para resultar em produção – e, portanto, nem todos os investimentos realizados foram direcionados para projetos que começariam a produzir no período considerado – a Petrobras, ao realizar seu planejamento em 2009 e estabelecer as metas de produção para 2010-2014, deveria possuir as informações necessárias para estimar com bom grau de acerto quais projetos em estágio de desenvolvimento mais avançado alcançariam a fase de produção no decorrer desse quinquênio, em se concretizando os investimentos programados.
Entretanto, essa expectativa, baseada na lógica do que deve ser o planejamento empresarial, não se confirmou, e a consequência foi que a companhia investiu a quantia de US$ 861 mil para cada boe/d adicionado à produção. Considerando o lucro líquido por boe alcançado em 2011, de US$ 29,6817, o maior dos últimos anos, a capacidade de produção adicionada deveria se manter produtiva por mais de 79 anos para a Petrobras recuperar o equivalente ao investimento nominal realizado!
Contexto econômico do PNG 2010-2014
Diante do precedente negativo do PNG 2010-2014, a questão que se coloca é se a Petrobras conseguirá cumprir a meta anunciada no PNG 2015-2019 e adicionará à produção mais 831 mil boe/d entre 2014 e 2019, com investimentos em Exploração & Produção de US$ 108,6 bilhões, soma 12% inferior em termos nominais ao investimento realizado no período 2010-2014.
E as dúvidas quanto ao cumprimento das metas de produção da companhia aumentam ainda mais quando se compara o contexto econômico vivido no período 2010-2014 com o contexto que vai se delineando para o período 2015-2019.
Em 2009, a Petrobras recobrava-se rapidamente dos efeitos da crise global de 2008. A necessidade de realizar pesados investimentos para aproveitamento das reservas do pré-sal, descoberto em 2006, levou à realização de processo de capitalização em setembro de 2010. Na ocasião, foram vendidos 4,2 bilhões de ações e arrecadados R$ 120,2 bilhões (US$ 69,9 bilhões)18. Embora R$ 74,8 bilhões tenham sido destinados ao pagamento do petróleo dos campos da cessão onerosa e, por conseguinte, não ficaram disponíveis para investimentos, a companhia mostrou ser capaz de levantar recursos consideráveis junto aos acionistas para realizar sua expansão.
Além disso, as políticas econômicas adotadas pelos países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, para superar a crise global de 2008, como juros reais negativos e quantitative easing19, inundaram o mercado financeiro internacional com dinheiro ávido por oportunidades de investimento nos países emergentes. O que facilitou sobremaneira a captação de recursos pela companhia.
Após a capitalização, noticiou-se que a Petrobras chegou a ser a quarta maior empresa de capital aberto do mundo em valor de mercado, US$ 216,7 bilhões, à frente inclusive da Microsoft20. Em 2011, a companhia atingiu seu rating máximo junto à agência classificadora de riscos Moody’s: A3, quatro degraus acima do grau especulativo21.
Já quanto ao petróleo, a sua cotação no mercado internacional, ao longo de 2009 e 2010, recuperou-se do mínimo alcançado com a eclosão da crise global de 2008. O barril do petróleo manteve-se quase sempre na faixa de US$ 100 / US$ 120 entre 2011 e o primeiro semestre de 2014, e só após esse período passaram a prevalecer as condições de excesso de oferta que levaram à atual depressão das cotações.
Tudo parecia contribuir para o sucesso da Petrobras: a descoberta de gigantescas reservas de petróleo no pré-sal, a farta disponibilidade de recursos, próprios e de terceiros, para realização dos investimentos necessários para aproveitá-las, e a cotação elevada do petróleo. Todavia, decisões políticas equivocadas desperdiçaram a oportunidade que se apresentou e provocaram a crise que engolfa a companhia.
Curiosamente, o anúncio da capitalização da Petrobras inverteu a tendência de subida no valor das ações da companhia, que, após a baixa ocorrida em razão da crise global de 2008, recuperou-se ao longo de 2009 até o 1º trimestre de 2010. A insegurança dos investidores com relação às regras da capitalização penalizou o valor das ações, porque ficaram nítidas as intenções do Governo de aumentar sua participação acionária em detrimento dos acionistas minoritários bem como a de retomar políticas de caráter monopolista para o aproveitamento do pré-sal, cristalizada na mudança do regime regulatório no final de 2010.
Adicionalmente, a política de controle artificial do preço dos combustíveis, com o intuito de diminuir a inflação, associada à cotação elevada do petróleo no mercado internacional, obrigou a Petrobras a vender derivados no mercado brasileiro por preços menores que o de compra no mercado externo. O preço barato dos combustíveis e o aumento de renda da população levaram à explosão do consumo e, consequentemente, ao agravamento do déficit da companhia na área de Abastecimento, que, entre 2011 e 2014, apresentou prejuízo líquido acumulado de US$ 41 bilhões. Ou seja, 58% dos US$ 69,9 bilhões obtidos na capitalização escorreram pelo ralo do prejuízo decorrente do congelamento do preço dos combustíveis.
Em paralelo, a trajetória do endividamento da companhia se mostrava insustentável, embora a mencionada liquidez excessiva do mercado internacional tenha permitido a manutenção do fluxo de recursos para a Petrobras. Infelizmente, parcela considerável desses recursos foi enterrada em investimentos com baixa perspectiva de retorno ou foi desviada em práticas sistemáticas de corrupção.  No balanço anual de 2014, a Petrobras reduziu o valor recuperável dos ativos (impairment) em US$ 16,8 bilhões e deu baixa contábil de perdas com corrupção de US$ 2,5 bilhões22.
O escândalo de corrupção, descoberto em 2014 no âmbito da operação Lava-Jato, foi o golpe de misericórdia no valor da Petrobras e de suas ações, que hoje valem menos que 10% do valor máximo, alcançado em meados de 200823.
Como se viu, as condições de realização do PNG 2010-2014, que começaram alvissareiras, foram se deteriorando gradualmente. Em outubro de 2013, a Petrobras desceu um degrau na escala de avaliação de risco da Moody’s. Mas a crise agudizou-se somente no final de 2014 e no início de 2015, nesses poucos meses o rating da companhia foi rebaixado pela Moody’s para o grau especulativo. A Tabela 1 retrata em números a deterioração econômica da Petrobras ocorrida nos últimos anos.
Tabela 1 – Situação econômica da Petrobras nos anos de 2009 a 201424.
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Apesar das dificuldades crescentes, o contexto econômico, no geral, foi favorável para a Petrobras para realizar seu plano de investimentos na maior parte do período 2010-2014. Se os resultados não foram os esperados, as causas foram a má seleção de projetos e os erros de governança na sua execução e não a falta de recursos.
Riscos enfrentados pelo PNG 2015-2019
O contexto econômico em que será desenvolvido o PNG 2015-2019, porém, é totalmente diverso daquele do PNG 2010-2014. As condições em que a Petrobras se encontra hoje são muito mais débeis do que em 2010. Além de a companhia estar hoje em pior situação financeira que em 2010, conforme mostra a Tabela 1, a cotação do petróleo caiu e o mercado internacional de crédito será mais seletivo e cobrará juros mais altos25.
A própria companhia reconhece que as metas do PNG 2015-2019 podem não ser cumpridas como o planejado e aponta três riscos principais26:
  1. Mudanças de condições de mercado, como preço do petróleo e taxa de câmbio;
  2. Operações de desinvestimentos e outras reestruturações de negócios, sujeitas a condições de mercado vigentes à época das transações; e
  3. Alcance das metas de produção de petróleo e gás natural, em um cenário de dificuldades com fornecedores no Brasil.
Desafortunadamente, os riscos temidos pela Petrobras estão se tornando realidade e já corroem as bases do PNG 2015-2019, no qual se assumiu que a cotação do barril do petróleo seria US$ 60, em 2015, e US$ 70 entre 2016 e 2019; e a cotação do dólar seria de R$ 3,10, em 2015, e subiria gradualmente até R$ 3,56 em 2020.
O excesso de oferta de petróleo no mercado internacional, resultado da reação da Arábia Saudita ao crescimento da produção norte-americana originada da exploração de fontes não convencionais, derrubou a cotação do petróleo de acima de US$ 100/bbl, em meados de 2014, para US$ 50/bbl em agosto de 2015. Entretanto, o Banco Mundial projeta que a cotação do petróleo poderá se recuperar e aproximar-se lentamente dos US$ 70/bbl até 202027.
Mas o que não se avista é a volta da cotação do petróleo à casa dos US$ 100/bbl, que prevaleceu em 2011-2014. As perspectivas são de que nos próximos anos a oferta continuará a superar a demanda, tendo em vista que, entre outras razões, o Irã brevemente voltará a vender no mercado internacional, após o acordo para controle de suas atividades nucleares, e a economia da China, maior importadora de petróleo do mundo, parece entrar em fase duradoura de menor crescimento.
Com a depressão da cotação do petróleo, a rentabilidade dos projetos de Exploração & Produção é reduzida, e, consequentemente, aumenta a dificuldade para o pagamento da dívida da Petrobras. Até a produção no pré-sal, que a companhia informa possuir breakeven point28 de US$ 54/boe29, pode tornar-se desvantajosa.
O câmbio, contudo, parece ser um problema mais grave. Empurrado pela crise política e econômica, o dólar atinge R$ 3,80 e pode chegar a R$ 4,50 se o Brasil perder o grau de investimento30. Como mais de 80% da dívida da Petrobras está denominada em dólar, a valorização da moeda americana tem sido um fardo pesado para a companhia. Calcula-se que para cada R$ 0,10 que o dólar se valoriza, a dívida da Petrobras cresce R$ 10 bilhões31.
Com relação ao crédito, a Petrobras também não terá a mesma facilidade de anos recentes para captar recursos no mercado externo, principalmente se o banco central americano aumentar os juros, e o Brasil e a companhia perderem o grau de investimento32, acontecimentos que a cada dia parecem estar mais próximos.
A captação de novos recursos e/ou a rolagem da dívida atual é fundamental para a concretização dos investimentos de US$ 130,3 bilhões, previstos no PNG 2015-2019. Nesse período, vencerão dívidas no valor de US$ 73,15 bilhões33, que somadas aos investimentos programados resultarão em necessidade de capital de US$ 203,45 bilhões ou US$ 40,7 bilhões por ano, quantia 63% maior que o EBITDA de 2014.
Alerta para as dificuldades de implementação de tal esforço financeiro, a Petrobras inseriu no PNG 2015-2019 a meta de venda de ativos de US$ 15,1 bilhões, em 2015-2016, e US$ 42,6 bilhões em 2017-2018, totalizando US$ 57,7 bilhões no quadriênio.
Os números apresentados nos parágrafos anteriores mostram o quanto essa venda de ativos é importante para o sucesso do PNG 2015-2019. Entretanto, diante das baixas cotações do petróleo e da crise que abate a economia brasileira, é pouco provável que se amealhe o valor esperado34, a não ser que os ativos colocados à venda sejam realmente excepcionais, como os grandes campos do pré-sal ou o controle da BR Distribuidora35.
Por fim, o cenário dos fornecedores da Petrobras não é nada animador. As maiores empreiteiras brasileiras estão sendo investigadas por corrupção em contratos com a petroleira na operação Lava-Jato, e sofrem bloqueio cautelar de seus contratos por parte da petroleira36. Algumas delas, como a OAS e a Galvão Engenharia, tiveram que pedir recuperação judicial37.
O arranjo industrial do parque fornecedor de sondas de perfuração offshore, constituído em torno da Sete Brasil, que deveria ser responsável pelo fornecimento de vinte e oito unidades, se desarticulou quando a empresa foi citada na operação Lava-Jato38. E só recentemente, a duras penas, a Petrobras e os sócios controladores da Sete Brasil chegaram a um acordo, no qual o número de sondas foi reduzido para dezenove39. No decorrer desse processo, estaleiros40, fornecedores de equipamentos41,42 e prestadores de serviço foram atingidos – seja pela retração das fontes de financiamento43, devido aos temores dos desdobramentos da operação Lava-Jato, seja pelo atraso de pagamento, cancelamento e/ou redução de encomendas44,45 –, e buscam alternativas à redução de investimentos da Petrobras46.
As opções incluem a consolidação do setor naval brasileiro47, o que demandará tempo e deverá provocar atrasos nas entregas de navios, plataformas e sondas de perfuração para a Petrobras. Além disso, o cumprimento dos compromissos de conteúdo local, que já é bastante desafiador, pode tornar-se ainda mais difícil[48].
Conclusão
O PNG 2015-2019, ao propor cortes profundos nos investimentos anteriormente programados no PNG 2014-2018, causou a impressão de que a nova direção da Petrobras arquitetava seu planejamento com os pés solidamente apoiados no chão. Porém, no curto período decorrido desde seu anúncio no final de junho, diante dos desdobramentos das crises que assolam a companhia e o Brasil, a impressão que se tem é que o PNG 2015-2019 é mais um apanhado de desejos otimistas, como foram seus antecessores, que um plano realmente possível de ser concretizado.
Particularmente, as metas de aumento da produção de petróleo e de gás natural do PNG 2015-2019 mostram-se cada vez menos exequíveis, não pela falta de reservas, pois a Petrobras as tem em quantidade acima de sua capacidade de aproveitá-las, mas pela falta de recursos para realizar os investimentos necessários.
Diante desse quadro, é imperativo que o regime de exploração e produção de petróleo no Brasil seja revisto, com o intuito de torná-lo mais atrativo às empresas privadas, nacionais e estrangeiras, para que elas façam os investimentos que a Petrobras não poderá fazer por muitos anos.

O autor agradece aos editores pela revisão e comentários enriquecedores do texto. Quaisquer erros ou imprecisões remanescentes são de completa responsabilidade do autor.

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1 Disponível em: <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3013>. Acesso em 2 set. 2015.
2 Disponível em: . Acesso em 2 set. 2015.
4 Premium I: 300 mil bbl/d; Premium II: 300 mil bbl/d. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/nordeste-respondera-por-83-da-nova-capacidade-de-refino.htm>. Acesso em: 2 set. 2015.
5 Cálculo do autor a partir das Tabelas 2.52 e 2.54 do Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2015, publicado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?pg=76798>. Acesso em 2 set. 2015.
6 A capacidade instalada de refino da Petrobras, chamada de carga de referência, é de 2,176 milhões de bbl/d. Se forem acrescentados mais 115 mil bbl/d, referentes ao 2º trem da Rnest, a capacidade de refino da Petrobras sobe para cerca 3,3 milhões de bbl/d. Como no PNG 2015-2019, a Petrobras estima que o consumo de derivados de petróleo no Brasil será de 2,85 milhões de bbl/d em 2020, o déficit na produção de derivados deverá superar 500 mil bbl/d nesse ano.
7 Área responsável pela descoberta e desenvolvimento de campos petrolíferos bem como pela produção de petróleo e gás natural no Brasil.
8 Na área Internacional, a quase totalidade dos investimentos concentra-se nas atividades de exploração e produção dos campos petrolíferos que a Petrobras possui no exterior.
9 Essa unidade é utilizada para agregar a produção de petróleo e gás natural. É feita a equivalência energética entre o petróleo e o gás natural segundo a seguinte relação: 1.000 m3 de gás natural correspondem a 6,29 barris de petróleo. Alertamos que não se trata de uma equivalência econômica, pois a unidade de energia contida no petróleo alcança preço de mercado superior à unidade de energia contida no gás natural. De acordo com o balanço da Petrobras do segundo trimestre de 2015, essa diferença, para o mercado brasileiro, foi de US$ 7,73 por boe no primeiro semestre de 2015.  Esse aspecto será desconsiderado neste trabalho, porque não afetará significativamente as conclusões, já que a produção de gás natural representa menos de 20% da produção total de hidrocarbonetos da Petrobras. Disponível em: <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3220>. Acesso em 2 set. 2015.
10 Segundo a Diretora-geral da ANP, o pico da produção do campo de Libra poderá atingir 1 milhão de bbl/d. Disponível em <http://www.valor.com.br/brasil/3196432/campo-do-pre-sal-tera-primeiro-oleo-apos-5>.  Acesso em 5 set. 2015.
11 Em julho de 2015, foram produzidos 3,07 milhões de boe/d no Brasil. Disponível em <http://www.anp.gov.br/?dw=77430>. Acesso em 5 set. 2015.
12 Em 2014, o Brasil produziu 822,9 milhões bbl de petróleo e 31,9 bilhões de m3 de gás natural, o que perfaz 1,02 bilhões de boe. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?dw=76545>. Acesso em 4 set. 2015.
13 Royalties e participação especial, no regime de concessão; e royalties e excedente em óleo no regime de partilha.
14 Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/1391>. Acesso em 2 set. 2015.
15 Note-se que esse total é superior a produção projetada para 2020 no PNG 2015-2019, de 3,7 milhões de boe/d.
16 Os dados para o período 201-2014 foram obtidos nas publicações de Resultados Financeiros disponibilizados pela Petrobras. Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/resultados-financeiros#topo>.  Acesso em 2 set. 2015.
17 Disponível em <www.investidorpetrobras.com.br/download/2972>. Acesso em 7 set. 2015.
18 Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/1218>. Acesso em 2 set. 2015.
19 Trata-se de uma política monetária para estimular a economia e combater a deflação, na qual o banco central compra títulos soberanos e outros papéis no mercado financeiro com intuito de aumentar a liquidez.
22 Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/2914>. Acesso em 5 set. 2015.
24 Resultados financeiros da Petrobras. Disponíveis em <http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/resultados-financeiros#topo>. Acesso em 5 set. 2015.
25 Analistas calcularam que, entre outubro e dezembro de 2014, que o custo de captação para a Petrobras subiu 60%. Disponível em <http://www.valor.com.br/financas/3826354/custo-de-captacao-da-petrobras-sobe-60>. Acesso em 6 set. 2015.
26 Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3013>. Acesso em 3 set. 2015.
28 Ponto no qual não há prejuízo nem lucro. A partir do break-even point, a empresa passa a ter lucro.
32 A Petrobras ainda mantém o grau de investimento segundo a avaliação das agências de risco Fitch e Standard and Poor’s.
33 Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3220>.  Acesso em 5 set. 2015.
34 A Petrobras não é a única petroleira que busca vender ativos para reforçar seu caixa. Estudo recente indica que as petroleiras colocaram a venda ativos avaliados em mais de US$ 110 bilhões. Essa oferta internacional de campos de petróleo coloca dificuldade adicional no plano de desinvestimentos da Petrobras. Disponível em <http://www.reuters.com/article/2015/01/30/us-oil-m-a-idUSKBN0L31MN20150130>. Acesso em 5 set. 2015.
35 A venda da BR Distribuidora, independentemente da forma, deverá aguardar a melhora do mercado para conseguir maiores ofertas. Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/4199730/cenario-ruim-e-divergencias-internas-adiam-oferta-da-br>. Acesso em 5 set. 2015.

*Luiz Alberto C. Bustamante, Consultor Legislativo do Senado Federal, Núcleo de Economia, Área de Minas e Energia. Doutor em Engenharia Metalúrgica e de Materiais.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A evolução das desigualdades



Por Naercio Menezes Filho

O Brasil é um país marcado historicamente por grandes desigualdades em várias dimensões. Entretanto, essas desigualdades estão se reduzindo ao longo do tempo. Um livro lançado recentemente ("Trajetórias das Desigualdades", organizado por Marta Arretche) faz um excelente trabalho de documentação e análise da evolução dessas desigualdades. A importância do livro está no uso de dados dos censos demográficos dos últimos 50 anos, harmonizados e compatibilizados, para mostrar como o país mudou nesse período.

Um ponto explorado em alguns capítulos é o avanço no acesso à educação e sua importância para a redução das desigualdades. O acesso à escola aumentou no Brasil nos últimos 50 anos, mesmo que num ritmo menor do que o desejado. A figura mostra que em 1960, 73% da população brasileira ainda não tinha completado o ensino fundamental 1 (antigo primário), ou seja, eram analfabetos funcionais. Somente 20% da população adulta tinha completado o fundamental 1. Completar todo o ensino fundamental (primário e ginásio) era um luxo que somente 2% da população conseguia alcançar, mesma porcentagem que completava o ensino médio. O ensino superior completo era restrito a menos de 1% da população adulta, ou seja, cerca de 500 mil pessoas. Seus descendentes formam grande parte da elite hoje.

Ainda há bastante espaço para políticas públicas que ajudem a reduzir as nossas desigualdades

Esse quadro educacional contribuiu para explicar as nossas desigualdades em meados do século passado. Por exemplo, até quase o final do século XX os analfabetos não podiam votar, o que fazia com que uma parcela substancial da população não participasse da vida política brasileira. Além disso, como o acesso à educação privilegiava os homens brancos, a desigualdade entre homens e mulheres e entre brancos e negros era elevada. Como existe forte relação entre escolaridade e fertilidade, o número de filhos entre as mulheres analfabetas era bem maior do que entre as universitárias, o que também contribuía para aumentar a desigualdade da renda familiar.

Em termos do mercado de trabalho, como resultado do acesso restrito à educação, os diferenciais de salários entre pessoas com diferentes níveis educacionais eram bastante elevados no Brasil, o que contribuía para a alta desigualdade de renda. Por exemplo, em 1970 quem tinha ensino fundamental completo tinha uma renda quatro vezes maior do que os analfabetos.

Com o aumento da parcela da população que atingia esse nível, de 3% em 1960 para 20% em 2010, esse diferencial de renda caiu para apenas 21% em 2010. Da mesma forma, o grande aumento na parcela de pessoas com ensino médio completo, que atingiu 32% em 2010, fez o diferencial salarial associado a esse nível de ensino declinar de 63% em 2000 para 38% em 2010.

A queda dos diferenciais salariais associados ao ensino médio, assim como o maior acesso dos filhos das famílias mais pobres a esse nível de ensino foram fatores que contribuíram para a redução na desigualdade de renda que ocorreu no Brasil entre 2000 e 2010. Outro fator que contribuiu bastante foi o aumento contínuo do valor real do salário mínimo. Assim, a maior parte da queda na desigualdade de renda ocorreu no mercado de trabalho e não devido aos programas de transferências de renda. Esses foram muito importantes para a redução da pobreza extrema, porém.
[]
O livro também mostra de forma bastante abrangente como eram grandes as diferenças na cobertura de serviços públicos, nas condições de habitação e nos indicadores de saúde entre os municípios em 1960 e como essas desigualdades foram sendo paulatinamente reduzidas nos últimos 50 anos. Além disso, o livro documenta e analisa as grandes mudanças ocorridas nos padrões de migração, na demografia, na religiosidade e o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho brasileiro nesse período.

Entretanto, as desigualdades persistem de forma bastante acentuada no Brasil em várias dimensões. A taxa de acesso ao ensino superior ainda está predominantemente restrita a brancos e o acesso dos negros ainda é concentrado em profissões de menor prestígio. Além disso, os diferenciais de salário entre homens e mulheres e entre brancos e negros persistem, mesmo após levarmos em conta as diferenças de educação entre eles.

Assim, ainda há bastante espaço para políticas públicas que ajudem a reduzir as nossas desigualdades que, como mostra recente estudo do FMI, fazem com que o crescimento brasileiro seja menor do que em países com maior igualdades de oportunidades.


Naercio Menezes Filho, professor titular ­ Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA­USP, membro da Acadêmica Brasileira de Ciências e escreve mensalmente às sextas­feiras. naercioamf@insper.edu.br

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Quem ganha e quem perde com a liberação dos táxis?



Por Paulo Springer

O mercado de táxis no Brasil sofreu um abalo recentemente, com a entrada da Uber, uma empresa que permite contratar serviços similares, sem possuir autorização específica das prefeituras. As manifestações de repúdio em São Paulo envolveram carreatas, buzinaço, ações na justiça e, segundo relatos informais, intimidação aos motoristas não regulados ou aos seus veículos. Projetos de lei já foram votados em São Paulo e Brasília proibindo táxis alternativos. Essas manifestações não foram exclusivas do Brasil. Em outros países em que a Uber atua, houve protestos ou ações legais para impedir a ação da concorrente.

O serviço de táxi é regulado pela Lei de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587, de 2012). Curiosamente, seus arts. 12 e 12a estabelecem que qualquer interessado poderá explorar os serviços de táxi, desde que atenda aos requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene e qualidade de serviços determinados pelo poder público municipal.

Ainda assim, a maioria das grandes cidades brasileiras (ou talvez, todas) adota o sistema de permissão, com número limitado de licenças. A prefeitura abre um edital oferecendo determinado número de placas (licenças) e estabelece critérios. Aqueles candidatos que fazem maior pontuação obtêm a placa gratuitamente e, na prática, por tempo indeterminado.

Observe-se que essa não é a única forma de alocar as placas. Poderia ser feito um leilão, onde o vencedor seria aquele que oferecesse o maior valor pela licença ou o menor preço para a corrida. O mercado poderia ser também completamente liberado, como parece ser o comando (não obedecido) da Lei nº 12.587, de 2012. Cidades como a Cidade do Panamá e Lima liberaram os serviços de táxi. Qualquer indivíduo que satisfaça determinados pré-requisitos (como bons antecedentes, dispor de carro com condições de segurança e higiene, etc) paga uma taxa para a prefeitura e obtém a licença para dirigir. É uma situação semelhante à de abrir um restaurante. Qualquer pessoa pode abrir um restaurante, desde que satisfaça determinadas condições (aprovação da Anvisa, do Corpo de Bombeiros, etc).

Liberar o transporte público individual remunerado de passageiros para qualquer empresa é quase que equivalente a permitir que qualquer indivíduo (observados os pré-requisitos) possa ter uma placa de táxi1. Voltamos então à pergunta deste artigo: quem ganharia e quem perderia com tal liberação? Conforme veremos a seguir, consumidores inequivocamente ganham; antigos motoristas de táxi perdem no curto prazo, mas ficam neutros no longo prazo, enquanto novos motoristas ganham no curto prazo, e também ficam neutros no longo prazo. Os únicos que inequivocamente perdem são os detentores das placas de táxi.

Antes de começar a análise, gostaria de registrar a estranheza de os debates focarem nos impactos sobre os motoristas, quando o principal objeto deveria ser, obviamente, os consumidores. Afinal, o objetivo último do serviço de transporte individual remunerado é prestar um serviço público, e não garantir a renda ou o emprego de quem o presta! Se, ao longo da história, a manutenção do emprego e da renda de profissionais afetados por inovações tivesse sido mais importante que a própria inovação, ainda veríamos pelas ruas os acendedores de lampião, e toda ligação telefônica ainda seria intermediada por uma telefonista.

Como dissemos, os consumidores inequivocamente ganham. De imediato, a entrada de novos concorrentes, no mínimo, aumenta a oferta. Não só aumenta o número de carros disponíveis, como também é possível uma maior adaptação do produto a gostos específicos. É possível atender a diferentes nichos de mercado, como carros de melhor padrão, que oferecem DVD, lanches, etc, ou carros mais simples (desde que atendam às condições de segurança). Certamente há pessoas dispostas a pagar mais para ter um produto de luxo, assim como pessoas dispostas a abrir mão de algumas conveniências (como ar condicionado, acabamento sofisticado, etc) e pagar tarifas mais baixas.

Os que defendem a manutenção do status quo argumentam que o sistema de táxis atual garante maior segurança, pois o motorista é obrigado a fazer cursos, é registrado, é obrigado a manter o carro limpo e em condições, etc. Com o mercado liberado, os usuários não teriam como saber se estariam em mãos seguras ou não. Aqui há uma evidente confusão entre liberalização e desregulamentação. Obrigar motoristas e automóveis atenderem a requisitos mínimos de segurança não é incompatível com liberar o número de licenças. Em verdade, não há nenhuma relação entre as duas coisas. Vale lembrar a analogia com restaurantes. Faria sentido dizer que uma cidade só pode ter um número “x” de restaurantes para garantir a higiene de suas cozinhas? É claro que não. O processo de obtenção de alvarás e fiscalizações da vigilância sanitária, em tese, garantem a segurança do estabelecimento. Alguém irá certamente lembrar que há restaurantes devidamente autorizados e com más condições de higiene. É verdade, mas esse é um problema de fiscalização, que ocorreria mesmo se houvesse um limite para o número de licenças.

A propósito, todo mundo tem um caso a contar sobre motorista de táxi que tenha sido rude, que tenha tentado enganá-lo, utilizando uma rota mais longa, ou que o carro estivesse com ar condicionado quebrado ou sujo. Além de casos extremos (esses, felizmente raríssimos e que se tornam manchetes de jornais) de motoristas envolvidos em tráfico de drogas ou estupros. Especificamente em relação à segurança, empresas alternativas costumam registrar o nome do motorista e, em alguns casos, a rota, tornando-as até mais seguras do que o táxi convencional.

Para o resto da análise, é importante distinguir os motoristas dos donos das placas, ainda que, em alguns casos, sejam a mesma pessoa2. Quando alguém adquire a permissão para ter um táxi, essa pessoa não necessariamente irá conduzi-lo. Em verdade, pelas conversas informais que travo com motoristas, fico surpreso em ver que, na grande maioria das vezes, principalmente entre os mais jovens, eles não são os donos do carro (e nem da placa). Há vários arranjos: o dono da placa atua, de fato, como motorista, sendo o único a dirigir seu carro; o dono da placa atua como motorista em alguns dias/horários e aluga seu carro para terceiros no restante do tempo; o dono da placa não atua como motorista e aluga seu carro para alguém, ou o dono da placa contrata motoristas para conduzir seu carro (esse último caso é mais raro).

Para os que são apenas motoristas, é importante distinguir dois grupos. Aqueles que já estão no mercado obviamente perdem no curto prazo. Afinal, para um determinado número de passageiros e uma dada tarifa, haverá mais carros disputando as corridas, caindo a demanda por táxi e, consequentemente, a receita. Para quem ainda não está no mercado, a liberalização é benéfica, pois o sujeito que trabalhava em alguma outra atividade3 ou que estava desempregado pode agora ter um táxi. Com o tempo (e, acredito, nem tanto tempo assim, não mais do que cinco anos, tendo em vista o baixo custo de entrada e o baixo investimento necessário), contudo, a situação do motorista é indiferente, conforme explicarei a seguir.

Motoristas de táxi podem ser considerados como mão de obra de qualificação média. A decisão de ser motorista de táxi compete com outras que requerem habilidades semelhantes, como motoristas particulares ou de empresas, trabalho no comércio, serviços de reparação em geral, entre outros.

Em um mercado de trabalho normal, se o rendimento de determinada ocupação está acima do das demais (que exigem qualificação semelhante), mais pessoas afluem para essa ocupação, aumentando a oferta de trabalho daquele setor e levando à queda nos rendimentos até que o equilíbrio volte a ser restabelecido.

Já o mercado de motoristas de táxi, no marco regulatório atual, é diferente de um mercado de trabalho normal. Se os motoristas de táxi ganham acima do mercado, isso atrairá mão de obra para a ocupação. Ocorre que o número de táxis é limitado. Alguma flexibilidade existe, no sentido que o dono de um carro pode decidir alugar o carro por mais um turno. Mas, de forma geral, dado que o número de permissões é fixo, o número máximo de motoristas de táxi também será fixo. Isso não geraria uma oportunidade de ganhos permanentes? Não, o ganho (ou perda) vai para o dono da placa.

Imagine que há um aumento na demanda por táxis. Isso ocorreu na maioria das cidades brasileiras nos últimos anos, pois a população cresceu, a renda aumentou, e o número de licenças ficou praticamente estagnado. Em Brasília, por exemplo, o número de licenças está estagnado há mais de 30 anos! Com maior número de corridas por dia, e, consequentemente, maior receita, mais pessoas iriam querer ser motoristas de táxi. Digamos que o faturamento líquido de um motorista de táxi (ou seja, as receitas obtidas com as corridas, descontados os custos com gasolina, manutenção de carro, etc) atingisse R$ 7 mil por mês. Se a mão de obra com nível de qualificação equivalente estiver ganhando R$ 3 mil mensais, várias pessoas tentarão migrar para a ocupação.

Ocorre que não haverá táxis para dirigir! O que farão então os candidatos a motorista? Irão oferecer um aluguel para o dono da placa. Pensemos em um candidato. Se ele oferecer R$ 1 mil para o dono da placa, poderá ficar ainda com R$ 6 mil livres no final do mês, enquanto sua capacidade de remuneração, dada pelo mercado, é de R$ 3 mil. Mas outro candidato a motorista, mais esperto, irá oferecer R$ 1,5 mil ao dono da placa, pois, dessa forma, ficaria com um ganho líquido de R$ 5,5 mil, o que ainda seria vantajoso. Não é difícil perceber que haveria uma espécie de leilão, e que, ao final, o dono da placa receberia R$ 4 mil e o motorista de táxi, R$ 3 mil. Ou seja, independentemente de haver Uber, táxi pirata, aumento ou diminuição no número de permissões, o rendimento do motorista de táxi continua determinado pelo mercado de trabalho, considerando pessoas com qualificação equivalente. No exemplo dado, o mercado sempre se equilibraria em R$ 3 mil mensais.

Falta, por fim, analisar o que ocorre com o dono da placa do carro. Com a liberalização do mercado, ou com a entrada de concorrentes como a Uber, conforme dissemos anteriormente, o motorista sofrerá perda de receitas. Diante desse novo cenário, a tendência será que esse motorista de táxi desista de sua ocupação e procure outra. Suponhamos, continuando o exemplo anterior, que, agora, o faturamento líquido caia para R$ 5 mil (observem que isso pode decorrer tanto da entrada de concorrentes como a Uber, quanto por uma iniciativa da prefeitura de aumentar as licenças). Após deduzir os R$ 4 mil pagos ao dono da placa, o rendimento líquido do motorista cairia para R$ 1 mil. Ora, se o salário de um profissional com qualificação semelhante é de R$ 3 mil, o motorista de táxi irá preferir abandonar a profissão. É claro que isso não ocorre imediatamente. Há contratos em andamento com o dono da placa que não podem ser rompidos, pode demorar um tempo para que o motorista encontre outra colocação no mercado ou para que se certifique que a situação do mercado se deteriorou de forma definitiva. Com o tempo, entretanto, a tendência será o esvaziamento da profissão, com consequente queda na demanda pelo direito de dirigir um táxi. O aluguel da placa então cairá, até que atinja o valor de R$ 2 mil, de forma que o rendimento efetivo (ou seja, já descontadas todas as despesas, inclusive o aluguel da placa) do motorista de táxi volte para os R$ 3 mil.

Assim, as variações no mercado de serviços de táxi, no longo prazo, acabam se refletindo no aluguel da placa, e não no rendimento do motorista4. Se o valor do aluguel da placa cai, também cai o valor da placa. Esse é um princípio básico de precificação de ativos: quanto maior o rendimento (dado um nível de risco), maior seu valor. Por exemplo, imóveis que geram alugueis mais altos têm preços mais elevados, e se o valor do aluguel cai, o valor do imóvel também cai; ações de empresas que distribuem mais dividendos são mais caras, e, se o lucro cai, o preço da ação também cai; e assim sucessivamente. No limite, se houver total liberação do mercado de táxis, o valor do aluguel cairia para zero – afinal, por que alguém pagaria para outrem o direito de dirigir um táxi, se pode obter esse direito gratuitamente na prefeitura? Nesse caso, o valor da placa também cairia para zero.

Conforme relatos de motoristas, uma placa de táxi custa, em Brasília, nada menos que R$ 100 mil, e rende ao seu dono um aluguel mensal em torno de R$ 3 mil. Em São Paulo, onde a permissão para táxi está associada a um ponto, a placa para poder atuar em um ponto em um bairro nobre como Moema custa R$ 250 mil. Para ter o direito de pegar passageiros no Aeroporto de Congonhas, são necessários R$ 800 mil. E, se alguém quiser ter uma permissão para pegar passageiros no Aeroporto Internacional de Guarulhos, terá de desembolsar nada menos que R$ 1,2 milhão (confesso que não acreditei nesse número, porém mais de um motorista de táxi em São Paulo me confirmou essa cifra)! Diante disso, não é de se estranhar que haja tanta pressão para proibir a presença de concorrentes ou a liberação do mercado de táxis. O que é de se estranhar é que a sociedade ache natural o Estado transferir gratuitamente para alguns premiados um patrimônio que lhes rende um aluguel equivalente ao de um apartamento de dois ou três quartos em área nobre da cidade, sem trazer nenhum benefício palpável para o consumidor!

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1 Não é exatamente igual porque a marca “taxi” tem algum valor. Dessa forma, mesmo permitindo empresas alternativas, como a Uber, o motorista de táxi convencional tende a ter alguma vantagem de mercado.

2 Em verdade, podemos dividir em três grupos: motoristas, dono do automóvel e dono da placa (permissão para dirigir). Às vezes o motorista é dono do carro, mas aluga a placa de um permissionário. O mais comum, entretanto, é o dono da placa e do carro serem a mesma pessoa. Na análise que se segue, irei supor, para simplificar, que o dono da placa e do carro seja a mesma pessoa. Do ponto de vista analítico, é o fato de haver um dono da placa que torna o mercado de trabalho do motorista de táxi diferente de outros, e é sobre esse aspecto que iremos nos focar.

3 Para o sujeito que abandonou outra atividade e passou a trabalhar como taxista, sua situação, na pior das hipóteses, ficou constante, sendo que, mais provavelmente melhorou. Afinal, se não fosse para melhorar, ele teria se mantido na atividade original.

4 Observe-se que estamos nos referindo a variações específicas no mercado de serviços de táxi. É claro que o rendimento dos motoristas flutua em função das condições gerais do mercado de trabalho. Em períodos recessivos, como o atual, é provável que os motoristas de táxi passem a ganhar menos, tal como ocorre com a maioria dos trabalhadores.


Paulo Springer - Editor do Brasil-Economia-Governo, Consultor Legislativo do Senado Federal e Professor do Programa de Mestrado em Economia do Setor Público do Departamento de Economia da UnB.