terça-feira, 30 de agosto de 2022

Escravidão disfarçada: após a abolição, fazendeiros usaram tutelas para manter crianças negras trabalhando


O sofrimento da ex-escrava Felicidade com os grilhões da Fazenda Mato Dentro, em Vassouras (RJ), atravessou a Lei Áurea. Em 1893, cinco anos após a Abolição, ela ainda lutava na Justiça pela retomada da filha, Corina, mantida sob a tutela do Barão de Avelar e Almeida. Ficou provado que a menina sofria maus tratos pela família do tutor, mas a ação judicial não chegou ao fim, levando a crer que a filha nunca foi devolvida à mãe.

 

O caso da menina Corina não foi único. No Brasil pós-escravidão, proprietários de terra correram ao Poder Judiciário para requerer a tutela de crianças e adolescentes, filhos de seus ex-escravos, entre seis meses e 17 anos. Alguns barões do Vale do Café, um dos maiores enclaves escravistas do século XIX, chegaram a requerer a tutela de até 145 menores de uma só vez, como foi o caso do Visconde de Arcozelo.

A historiadora Patricia Urruzola, autora de tese de mestrado sobre o tema na UniRio, suspeita que os processos de tutela e de soldada (contratos de trabalho infantil) movidos por donos de terra representaram, no final do século XIX, um meio disfarçado de escravidão. Além de manter as crianças na propriedade, expostas a trabalhos forçados, eles também prendiam as mães, que se recusavam a abandonar os filhos.

Patricia estudou 90 processos que tramitaram na Corte do Rio de Janeiro e outros 53 na comarca de Vassouras, mas a historiadora presume que o volume de tutelas de filhos de ex-escravas seja bem maior e muitos se perderam com o tempo. Uma das características recorrentes nas ações, segundo ela, é a invisibilidade das mães, que praticamente não aparecem como parte do processo e não se defendem, à exceção de Felicidade.

— Nos processos do Arquivo Nacional, em apenas 12 aparecem figuras femininas, mesmo assim não identificadas como mães. De todos, vi apenas uma mãe e uma avó contestando o pedido de tutela. Para obter a guarda das crianças, os ex-proprietários de escravos iam desqualificando as mães, alegando que eram solteiras, tinham passagem pela polícia, entre outros argumentos negativos — explica Patrícia.

Para ficar com as crianças e os adolescentes, os tutores eram obrigados a cumprir certas exigências, como fornecer educação, vestimentas e outros cuidados. A prática, porém, era distante destes cuidados. Não havia qualquer tipo de fiscalização. As crianças cresciam analfabetas, sofriam todos os tipos de assédio e maus-tratos, incluindo violência física, e eram obrigadas a trabalhar, mesmo as de pouca idade.

— O que mais chama a atenção nos processos é o racismo estrutural do Judiciário. Os processos funcionam como um retrato de como se desejava organizar as relações de trabalho no pós-abolição. Era muito natural o filho da mulher escravizada ser inserido desde cedo no mundo do trabalho —diz Patrícia.

Nas pesquisas, ela achou um caso de tutela de um bebê de seis meses, reivindicado por um comendador, em 1888, em Vassouras. Para Patrícia, ele não estava pensando somente naquele ano, mas num projeto de organização do trabalho em que o destino possível para aquelas crianças era o mundo do trabalho.

— Não fico surpresa com o papel do Poder Judiciário nos casos. Historicamente, ele foi desenhado para manter o status quo das elites. A grande mudança ocorreu com a chegada dos direitos fundamentais. Senão, ele continuaria chancelando esse status quo. As leis eram feitas para a manutenção do sistema escravista — lamenta a desembargadora Andréa Pachá, que passou quase 20 anos atuando em varas de Família, ao comentar a tese.

De todos os processos consultados, o caso de Corina foi o mais emblemático para a pesquisadora, por não apenas ter uma mãe identificada, Felicidade, como esta mulher ser a autora da ação, ajuizada na Comarca de Vassouras. Além de conseguir sair da propriedade onde estava e se deslocar até a cidade, Felicidade contou com a defesa do jurista Pardal Mallet e uma campanha liderada pelo jornalista José do Patrocínio, que teria mobilizado outros nomes abolicionistas para custear a ida de Corina, então com 13 anos, à capital para fazer os exames de corpo de delito e comprovar os maus tratos.

Este processo, segundo Patrícia, foi arquivado em 1976, mais de 80 anos depois, sem decisão final. Como a pesquisadora apurou que, como solução alternativa, muitas crianças acabaram fugindo com a mãe, ela espera que esse tenha sido o destino de Corina.

Outro caso simbólico envolve a Fazenda São Roque, em Vassouras. Em 1888, o então proprietário, Francisco Álvares de Azevedo Macedo, compareceu ao Juízo de Órfãos de Vassouras para contratar o trabalho de 36 menores, com idade entre 7 e 19 anos. Todos trabalhariam na lavoura. Na época, a prática era comum em todo o país e foi denunciada por segmentos do movimento abolicionista como “reescravização”.

A historiadora disse que, hoje, aberta a visitação turística, a Fazenda São Roque exibe um banner no qual admite a exploração de crianças no Século 19. O título da peça é “Memorial às crianças e jovens trabalhadores na Fazenda São Roque Vassouras — 1888”. Responsável pelas visitas, o turismólogo José Luiz Júnior disse que, além do banner, o programa conta ainda com uma peça de teatro mostrando os conflitos e tensões que o Brasil vivia, no ciclo do café, entre defensores da escravidão e abolicionistas.

São iniciativas que mostram uma crescente preocupação do trade de turismo no Vale do Café em abandonar o saudosismo do tempo dos barões e recontar as histórias passadas a partir do ponto de vista dos grupos identitários.

— A gente está falando de um momento crucial na conformação do Estado brasileiro. Logo após a Abolição, havia mais de um projeto de país. Por exemplo, um projeto que pensava na escolarização dos ex-escravizados e na distribuição de terras. De outro lado, se buscava assentar as relações o mais próximo possível da escravidão, e é aí que as tutelas e os contratos de soldada entram — argumenta Patrícia.

O Globo, Chico Otavio


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