segunda-feira, 31 de julho de 2017

O erro original

O custo fiscal do BNDES, o que é pago pela sociedade, triplicou entre 2007 e 2016. Quem pegou dinheiro a TJLP, durante a alta recente da inflação, chegou a pagar juros reais negativos, de -4%. Só para Belo Monte foram dedicados R$ 22,5 bilhões, mais recursos do que para o financiamento de rodovias em 10 anos. Os dados são do Livro Verde, em que o banco se defende das críticas.
Há um erro original nesta discussão. O banco reage como se fosse ofensivo duvidar das decisões tomadas por seus gestores, como se todo funcionário estivesse sob suspeição. Numa democracia, qualquer órgão público está submetido ao escrutínio das instituições e tem que prestar contas. O presidente do BNDES diz que o livro é uma prestação de contas. Na verdade, é uma defesa da ideia de que o banco nunca errou.
O tom do livro é técnico, mas tem premissas equivocadas. O objetivo da apresentação de Paulo Rabello de Castro é o de ficar bem com os 'benedenses', o que ele conseguiu. Acusou as críticas de serem 'pós-verdade' e abonou todas as ações do banco ao longo de seus 65 anos de história. Afirmou que 'resta claro e inequívoco que o BNDES nunca desperdiçou recursos preciosos do povo nem jamais os aplicou de forma temerária'. Nas entrevistas, foi além e defendeu até a ditadura.
No governo militar, o banco fez empréstimos com taxas de juros pré-fixadas, numa inflação em escalada, que acabou transferindo bilhões aos seus devedores. Colocou recursos em empresas falidas. Apostou em campeões que acabaram no cemitério das empresas. Isso é História do Brasil e não pósverdade. No período recente, as controversas hidrelétricas da Amazônia, Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, receberam R$ 40 bilhões. O livro sustenta que os projetos eram para garantir a 'modicidade tarifária'. Esse é um jargão do governo Dilma, que, com ele, criou uma crise no setor elétrico.
Ele chamou de 'fantasiosa' a afirmação de que houve uma política de campeões nacionais. Isso era dito abertamente. Luciano Coutinho chegou a afirmar que a política foi deixada de lado por falta de candidatos a campeões. Paulo Rabello precisa conversar com a realidade.
De acordo com o Livro Verde, os empréstimos tinham o custo fiscal de 0,3% do PIB ao ano em 2007, foi a 0,6% durante a crise e chegou a 0,8% em 2015, e 0,9% em 2016, nas contas que o banco fez. Pode ser muito mais, porque os dados precisam ser explicados. Quanto custou ao Brasil se endividar em meio trilhão de reais para financiar o banco? O ministro Meirelles fala em R$ 117 bilhões em dez anos de subsídios. Quanto custou sub-remunerar o dinheiro do FAT e do PIS/Pasep? Qual foi o custo de oportunidade?
O banco escondeu certas informações até de órgãos controladores, como Ministério Público e TCU, sob o argumento de que são dados protegidos por sigilo bancário. Quem usa 100% de dinheiro público pode usar esse biombo? No livro, o banco expõe dados agregados, mas a natureza das operações continua nebulosa.
O TCU tem tido dúvidas razoáveis em relação a operações feitas com o JBS. Algumas vão se esclarecendo, outras permanecem. Por exemplo: em 2008, o banco aportou quase R$ 1 bilhão no grupo, através de debêntures, para o grupo comprar a National Beef, nos Estados Unidos. A operação foi proibida pelos órgãos de defesa da concorrência americana. Em vez de exercer a opção de pegar o dinheiro de volta - já que a compra não foi realizada - o banco optou por deixar o dinheiro com o JBS. Fez um aditivo ao contrato, dando tempo até 2010 para que o grupo comprasse o ativo que quisesse no exterior. O TCU e a Polícia Federal acham que isso não faz sentido. E não faz.
É injusto falar que o JBS foi financiado para virar um 'campeão nacional'. A maioria das operações foi para comprar ativos no exterior, ampliá-los e criar emprego em outros países. Nesse aspecto, o sentido do apoio foi bem diferente do que foi dado a outro controverso empresário, Eike Batista, que bem ou mal investiu no Brasil. E quando diz quanto foi transferido ao JBS é preciso trazer a valor presente. Como sabem os economistas, o valor nominal é enganoso. O BNDES é importante para o Brasil, não é isso que se discute. Mas pode e deve ser questionado, porque é assim que acontece nas democracias.
Os pontos-chave
1. Segundo relatório do BNDES, custo fiscal do banco ao Tesouro triplicou em 10 anos
2. Empréstimos do banco a empresas chegaram a ter juros reais negativos de 4% em algumas linhas
3. Somente o projeto de Belo Monte recebeu mais recursos do que os aportes em rodovias em 10 anos

Por Miriam Leitão, em O Globo

domingo, 30 de julho de 2017

Museu do Amanhã inaugura no Rio exposição sobre o Holocausto

O uniforme usado em um campo de concentração por Hercz Rosenberg, sobrevivente que veio para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial, é parte da exposição Holocausto - Trevas e Luz, no Museu do Amanhã, no RioTomaz Silva/Agência Brasil
Espaço cultural voltado para a ciência, o meio ambiente e a reflexão sobre o futuro da humanidade, o Museu do Amanhã lança um olhar sobre um período tenebroso da história mundial com a exposição Holocausto – Trevas e Luz, aberta ao público na quarta-feira (26). Resultado de uma parceria da prefeitura do Rio com o Museu do Holocausto, de Curitiba, a mostra é uma homenagem especial às vítimas do nazismo - cerca de 6 milhões de pessoas, a maioria judeus, perseguidas e aniquiladas pelo regime totalitário que vigorou na Alemanha e países por ela dominados entre 1933 a 1945.
Montada no espaço Galeria do Tempo, mesmo andar do circuito permanente do museu, a exposição é dividida em três módulos. No primeiro deles, o visitante é convidado a refletir sobre a tragédia por meio de uma cenografia temática, que reproduz a típica câmara de gás dos campos de concentração e exibe fotos marcantes de época e frases de impacto.
No segundo módulo, a exposição homenageia os chamados ‘justos entre as nações’, nome dado aos que correram riscos para salvar judeus perseguidos durante a Segunda Guerra Mundial. O circuito termina com a exibição de trabalhos e redações feitos por alunos de escolas públicas sobre o tema Museu do Amanhã, que trata o Holocausto com ações de alerta para que evitar que a tragédia se repita.
“Revisitar o fato histórico por meio desta mostra é uma forma de rever o passado e pensar sobre o presente, e assim escolher conscientemente o amanhã que desejamos. Nesse triste período da história, prevaleceram as piores características humanas, como o ódio, a intolerância, o racismo e o preconceito”, destacou o diretor de Conteúdo do Museu do Amanhã, Alfredo Tolmasquim.
 “Apesar das mudanças e evoluções entre as relações humanas, continuamos repetindo essas atitudes, inclusive no Brasil. Esperamos que a escuridão do Holocausto sirva como um farol para iluminar o futuro da humanidade”, alertou.
Na exposição, o público encontra peças como o uniforme usado em um campo de concentração por Hercz Rosenberg, sobrevivente que veio para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial. A mostra conta também com obras de Fayga Ostrower (1920-2001), polonesa que também emigrou para o Brasil, fugindo no nazismo, e aqui se tornou uma premiada artista plástica. São exibidos ainda trechos de depoimentos de sobreviventes do Holocausto coletados pela Fundação Shoah, criada pelo cineasta Steven Spielberg.
“O massacre de 6 milhões de pessoas é uma coisa que precisa ser relembrada. Eu queria convidar meninos e meninas da rede pública, os nossos jovens e as famílias do Rio, para que pudessem conhecer o que foi essa tragédia. Nós vivemos no Rio de Janeiro hoje uma violência anômica, mas eu tenho certeza que, assim como a mais abjeta das vilanias foi derrotada pelo mundo, que se reergueu para construir a paz, o Rio também vai reencontrar o caminho da paz”, disse o prefeito Marcelo Crivella, que percorreu a mostra nesta terça-feira (25), em visita para convidados.
Crivella esteve acompanhado das secretárias municipais de Cultura, Nilcemar Nogueira, e de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Bergher; do cônsul honorário de Israel, Osias Wurman; do presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, Herry Rosenberg; e do diretor executivo da Fundação Roberto Marinho, Hugo Barreto.
A exposição Holocausto – Trevas e Luz fica em cartaz até 15 de outubro e pode ser visitada de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. O ingresso, que dá direito a visitar todo o museu, custa R$ 20, a inteira, e R$ 10, a meia-entrada. O Museu da Manhã fica na Praça Mauá, no centro do Rio.
Por Paulo Virgilio, da Agência Brasil



sábado, 29 de julho de 2017

Você paga a conta, enquanto o governo mantém privilégios


O que era temido aconteceu: os brasileiros vão ter de pagar 10 bilhões de reais a mais nos cinco meses que restam deste ano para abastecer seus veículos com gasolina, etanol ou diesel. Mas isso não significa que os tanques vão ficar mais cheios. Na verdade, esses recursos irão para os cofres públicos. No dia 20 de julho, o governo anunciou a elevação das alíquotas dos impostos PIS e Cofins que incidem sobre os combustíveis, uma medida tomada para tentar atingir a meta fiscal de um déficit de 139 bilhões de reais neste ano.
A repercussão, no entanto, não será apenas para quem anda de carro, pois o encarecimento dos combustíveis afeta os serviços de transporte e, portanto, os custos das empresas país afora. O banco Safra já estima que a inflação deste ano será de 3,5%, e não mais de 3,1%, como esperava anteriormente. A consultoria MB Associados aposta que a taxa básica de juro cairá para 8,25% até dezembro, mas não aguarda novos cortes depois disso.
'Tanto a incerteza fiscal quanto a possibilidade de novos aumentos de impostos podem colocar o Banco Central novamente em modo cauteloso', diz Sergio Vale, economista-chefe da MB. Essa mudança retarda o impulso que a política monetária pode dar à recuperação econômica. E o que todos esses números mostram é que, diante da dificuldade de ajustar o orçamento oficial, a principal saída do governo é a mesma de sempre: tirar mais da população em geral.
Enquanto o Brasil passa pela maior crise de sua história, uma série de privilégios na máquina pública, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário continua incólume - e as corporações lutam para mantê-los. Essas regalias se traduzem em reajustes salariais acima da inflação, remunerações que ultrapassam 100?000 reais ao mês, auxílio-moradia para quem já tem casa própria e não se desloca entre cidades para trabalhar e pagamento de escola para os filhos.
É também o caso de órgãos que desperdiçam dinheiro público com aluguéis caríssimos em bairros nobres, nas diárias de empregados e nos serviços terceirizados. 'Mudanças nessas coisas seriam importantes como disciplinadoras da gestão pública', diz o ministro Dyogo Oliveira, do Planejamento. 'Mas, para as contas públicas, o mais importante mesmo é atacar a despesa com a Previdência.'
Realmente, os privilégios isoladamente podem ter pouca representatividade. Mas juntos têm um efeito significativo. Um estudo da Consultoria de Orçamento e Fisca-lização Financeira da Câmara identificou 8 bilhões de reais em contas que o governo conseguiria economizar por ano se barrasse o aumento de despesas com passagens aéreas, compra de material de consumo e contratação de terceiros, por exemplo.
De grão em grão, seria o equivalente a 80% do aumento do imposto dos combustíveis que recaiu sobre os contribuintes. 'Não há problema em valorizar carreiras com salários altos, desde que não se usem penduricalhos para as remunerações triplicarem e saírem do teto constitucional', diz Ricardo Volpe, diretor da consultoria da Câmara. 'Em todos os órgãos do Estado há espaço para cortar esses gastos.'
Na situação atual, iniciativas para cortar essas despesas deveriam ser consideradas. Ainda mais porque a reforma da Previdência, que deve estancar o crescimento dos gastos com aposentadorias, está demorando a sair. Aqui também os servidores públicos têm peso. A previdência dos funcionários civis e militares da União atende 980?000 pessoas, ante 32,7 milhões do sistema dos trabalhadores do setor privado.

Mas o regime da União tem um déficit que equivale a metade do buraco do regime da iniciativa privada. A diferença decorre da herança de benefícios dos servidores. Quem se aposentou até 2003, quando foi feita uma reforma, recebe como benefício mensal o maior salário da carreira, o que não é a realidade do trabalhador do setor privado. E quem se aposentou depois de 2003 pode parar cinco anos mais cedo.
'Já fizemos duas reformas constitucionais, mas permanecem alguns privilégios. Fora isso, há um estoque de aposentados ultraprivilegiados no setor público', diz o economista Pedro Nery, consultor do Senado. A atual proposta de reforma que tramita no Congresso iguala a idade mínima para se aposentar dos setores privado e público.
Com tantas benesses na máquina pública, não é de surpreender que o Brasil saia da curva na comparação internacional. Há situações inusitadas em todos os poderes. No Brasil, 12% da força de trabalho são funcionários públicos, ante a taxa média de 21% da OCDE, o grupo dos países ricos. Só que o Brasil gasta a mesma quantia com pessoal que esses países, na proporção do produto interno bruto. Ou seja: pagamos praticamente o mesmo por menos servidores proporcionalmente.
A despesa com a Justiça brasileira chega a 1,3% do produto interno bruto, enquanto não ultrapassa 0,15% na Espanha, nos Estados Unidos e no Reino Unido. E o que faz grande diferença é o gasto com pessoal. 'Temos um número relativamente mediano de magistrados, mas nosso Judiciário é composto de muitas pessoas com remunerações expressivas, colocando sua despesa entre as mais altas do mundo', diz Luciano da Ros, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul responsável pelos dados. Por aqui, um juiz ganha, em média, 46?000 reais por mês, com casos que chegam a 160?000 reais, segundo estudo da Escola Brasileira de Administração Pública, da Fundação Getulio Vargas.
Os parlamentares também têm sua cota de regalias. O salário de um deputado brasileiro, de 33 700 reais por mês, equivale em valor absoluto ao de seus pares de países ricos. Ou seja, eles vivem no Primeiro Mundo. Mas a realidade da nossa economia está longe disso. O salário anual- dos deputados aqui representa 15 vezes o valor do PIB per capita, ante uma relação de três vezes na Alemanha e nos Estados Unidos - os americanos não reajustam desde 2009 a remuneração dos parlamentares, depois da forte crise financeira que atingiu o país.
E a conta não inclui o aparato à disposição de cada deputado brasileiro, como os 25 assessores e uma cota de dinheiro para o exercício parlamentar. 'Nos momentos de corte de gastos, o Executivo promove ajustes, mas os demais poderes acabam não fazendo esse esforço', afirma Zeina Latif, economista-chefe da gestora XP Investimentos. 'A crise descortina essas injustiças.'
É preciso considerar que há um esforço do governo para controlar as contas, com a adoção até mesmo de medidas impopulares. No ano passado, começou a valer um limite ao crescimento das despesas da União conforme a inflação do ano anterior. Chamada de 'teto dos gastos', a medida causa um aperto no curto prazo, mas expõe a necessidade de mexer nos tabus da máquina pública. O aumento de impostos, apesar de indesejável, foi visto por economistas como um sinal do comprometimento com a meta fiscal. Sem isso, a perda de confiança poderia causar ainda mais estragos na economia.
Outra medida tomada foi contingenciar 5,9 bilhões de reais, que só serão liberados se o governo conseguir receitas adicionais - já haviam sido bloqueados 42 bilhões de reais no início do ano. Em relação ao inchaço da máquina, o Ministério do Planejamento está atacando a conta de 1 bilhão de reais -anuais de energia elétrica, com a meta de economizar 600 milhões de reais nos próximos anos.
O Executivo prepara um plano de demissão voluntária dos funcionários, esperando 5?000 adesões. E, nas estatais, espera-se desligar mais 20 000 pessoas até o fim do ano, de um quadro de 523.000. Uma nova normativa impedirá que os funcionários cedidos pelas estatais para cargos comissionados na administração direta tenham acúmulo de salários. 'Não estamos compactuando com o que se chama de inchaço da máquina', diz Fernando Soares, secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais. 'Estamos buscando a redução de despesas.'
Já a arrecadação continua anêmica: cresceu apenas 0,8% em termos reais de janeiro a junho, em relação ao mesmo período do ano anterior. O fato de o governo estar enfraquecido após as delações dos donos do frigorífico JBS, com a acusação de corrupção do presidente Michel Temer, não ajuda a agenda de ajuste. Está difícil contar com receitas extraordinárias, que dependem da força de Temer perante os parlamentares.
Um novo programa de financiamento de dívidas com a União, por exemplo, foi tão esvaziado no Congresso que saiu de uma projeção de arrecadação de 13 bilhões para 420 milhões de reais. Virou uma proposta de perdão generalizado. O ministro Henrique Meirelles, da Fazenda, falou publicamente para as empresas aderirem ao programa até 31 de agosto nas condições vigentes via medida provisória, já que depois disso ela pode expirar e talvez não haja lei para substituí-la.
O governo também não conta mais com uma receita de 4 bilhões de reais que viria com a aprovação de outra medida provisória, que tratava da reoneração da folha de pagamentos, diante da baixa disposição do Congresso em aprovar a matéria ainda neste ano. Segundo os cálculos da Instituição Fiscal Independente, essas renúncias tributárias correspondem a 4,5% do PIB em 2017 e, se metade fosse revertida, o déficit primário chegaria próximo de zero. 'É nítido que a equipe econômica não tem respaldo político para fazer os ajustes impopulares ou malvistos', diz Bruno Lavieri, economista da consultoria 4E.
Defesa das vantagens
Também há pressões vindas do setor privado para manter regalias. O caso do BNDES é o mais evidente. Em abril, o governo editou uma medida provisória para criar uma nova taxa de remuneração dos empréstimos do banco: a Taxa de Longo Prazo, que entrará em vigor gradualmente até 2022 e seguirá um título público de cinco anos que rende um juro fixo mais a inflação. A ideia é acabar com a distorção de dar crédito a juro baixo via taxa atual, chamada de TJLP, ao custo de captações do Tesouro a taxas maiores.
A pressão contrária às mudanças no BNDES contribuiu para a renúncia da ex-presidente Maria Silvia Bastos Marques e de três diretores nomeados por ela. 'Parte do empresariado quer que o BNDES continue a emprestar a uma taxa menor do que o custo de captação. Não interessa se gera desequilíbrio nas contas públicas', diz Samuel Pessôa, economista da FGV.
A luta por manter as vantagens não para. No ano passado, em meio à forte crise econômica, o governo concedeu um reajuste aos servidores da Câmara dos Deputados, do Tribunal de Contas da União, da AdvocaciaGeral da União, da Polícia Federal, do Banco Central, do Poder Judiciário, entre outros órgãos, que vai exigir um gasto extra de 64 bilhões de reais até 2019. Em sua defesa, o Planalto diz que a gestão anterior já tinha acordado com as categorias e que, de lá para cá, nenhum outro aumento foi concedido. Hoje, esse dinheiro faz falta.
Neste ano, em 17 de julho, pouco antes do recesso parlamentar, o Senado aprovou quatro destaques ao projeto de lei do orçamento de 2018 que exemplificam o esforço do corporativismo para preservar o status quo. Um deles garante que o auxílio-alimentação e a pré-escola pagos aos funcionários do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União poderão ser reajustados pela inflação no próximo ano.
Originalmente, o relator do texto, deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), havia vetado que o valor desses benefícios ultrapassasse os mesmos subsídios que são pagos pelo Executivo federal, que são tradicionalmente menores. 'São despesas com valor marginal no orçamento, mas simbolicamente importante, pois coisas essenciais estão sendo cortadas', diz Pestana. 'A crise fiscal é brutal e as pessoas parecem não ter consciência de que o Brasil está numa armadilha.'
No Congresso, o relatório do orçamento para 2018 foi aprovado com uma meta de déficit de 129 bilhões. Segundo uma nota técnica da Instituição Fiscal Independente, o dado é otimista, uma vez que o déficit no ano que vem poderá chegar a 169 bilhões de reais. Agora, o governo tem até 31 de agosto para apresentar ao Congresso sua proposta de orçamento para o ano que vem.
O cenário político conturbado piora a qualidade do ajuste, recaindo sobre a população. O governo está congelando gastos com despesas sociais e com obras de infraestrutura: de janeiro a maio, foram cortados 8 bilhões de reais do pagamento de programas como o de Aceleração do Crescimento e o Minha Casa, Minha Vida. O reajuste do Bolsa Família no ano foi suspenso.
Já nas emendas parlamentares, somente em junho, após a delação da JBS, o presidente Temer distribuiu 2 bilhões de reais para que deputados e senadores invistam nos redutos eleitorais - em troca, é claro, de apoio na votação que haverá no Congresso sobre as investigações de corrupção. 'As emendas não elevam os gastos, porque já eram despesas obrigatórias previstas, mas não podem mais ser contingenciadas', diz a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman.
Além de pagar pelo ajuste via aumento de tributos, a população também sofre com a piora dos serviços públicos. À medida que o aperto fiscal vai avançando, os órgãos do governo começam a sentir os efeitos. Os mais notórios foram a suspensão da emissão de passaporte pela Polícia Federal e dos serviços prestados pela Polícia Federal Rodoviária, como resgate aéreo e escolta de cargas. Pelo país, há vários exemplos de piora da segurança, das escolas e da saúde. Muitas obras de infraestrutura estão paradas - sem falar das que nem saem do papel.
As agências reguladoras têm sofrido com a falta de recursos para repor os funcionários e atender a população. Na Agência Nacional de Transportes Terrestres, por exemplo, o quadro de pessoal não preenche nem 60% das vagas disponíveis. A Anatel anunciou que pretende reduzir o período de atendimento de sua central pública. A área de ciência e tecnologia sofreu um contingenciamento de 40% da verba neste ano. Na Embrapa, com uma retenção financeira de quase 30%, há pesquisadores com metade da verba de pesquisa. A empresa diz que tem procurado se adaptar ao cenário e que não suspendeu nenhum dos 300 projetos até agora.
A regra do 'teto dos gastos' trouxe uma nova realidade para as contas públicas. Agora começou a disputa pelos recursos do governo, cada vez mais limitados. Mas há pressões de todos os lados para manter ou aumentar os privilégios. A verdade é que, na hora do aperto, quando todos os setores deveriam fazer sua parte para o país voltar a crescer, nem todos parecem dispostos. Pior para os de sempre.
Por Flávia Furlan São Paulo, no Portal Exame


sexta-feira, 28 de julho de 2017

Quando a incompetência rompe todos os limites


Rio deixa sobrar verba de socorro federal
Os R$ 13 milhões em caixa poderíam ter quitado hora extra de PMs; governo diz já ter usado perto de 100%
O governo do Rio de Janeiro não utilizou todos os R$ 2,9 bilhões enviados pela União como socorro financeiro para a área de segurança pública às vésperas da Olimpíada do ano passado. O Estado vive uma grave crise financeira e de segurança.
Dados do Portal Transparência da Secretaria Estadual de Fazenda mostram que R$ 13 milhões ainda não foram utilizados. O valor, embora uma pequena fração do total enviado, seria o suficiente para, por exemplo, quitar quase todas as horas extras dos policiais militares durante os Jogos. Eles só receberam em fevereiro, após seis meses de atraso.
Levantamento feito pela Folha mostra também que cerca de RS 200 milhões dessa verba só foram de fato usados a partir de outubro, quando a Paraolimpíada, evento que acontece após a Olimpíada, já havia se encerrado.
Quando deu o aval para o repasse emergencial, o Tribunal de Contas da União afirmou que a ajuda poderia ser dada para cobrir despesas decorrentes do evento.
Os ministros entenderam que os compromissos assumidos pelo governo federal com o COI (Comitê Olímpico Internacional) e outras nações justificavam o repasse.
0 contexto, entendeu o tribunal, também autorizava abrir uma exceção ao impeditivo da Lei de Responsabilidade Fiscal que veda o uso desses repasses para pagamento de pessoal.
A folha de pagamento do Estado consumiu 93,6% do total do valor repassado—inclusive após os Jogos.
A ajuda foi dada por meio de uma medida provisória editada em junho do ano passado, após o governo do Rio declarar calamidade pública em razão da crise financeira.
0 decreto citava a proximidade dos Jogos Olímpicos e a chegada de delegações estrangeiras como motivo para o iminente “colapso na segurança pública”.
0 dinheiro chegou no mês seguinte e foi o responsável por um quarto dos gastos do Estado com segurança no ano inteiro. Um ano após o socorro emergencial, o governo do Rio pede novo apoio ao governo federal, com o envio de tropas da Força Nacional de Segurança e da Polícia Rodoviária Federal e recursos.
0 Portal Transparência mostra ainda que parte do dinheiro foi utilizado para custear a alimentação e transporte de presidiários.
Logo em julho, R$ 6,4 milhões foram reservados no orçamento para investimento no projeto de gestão do sistema logístico da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária. A ação, de acordo com a Lei orçamentária, tinha como objetivo a aquisição de ônibus para transporte de pessoas encarceradas.
Outros R$ 44 milhões foram destinados logo de início ao fornecimento de alimentação dos detentos do sistema penitenciário. 0 restante foi empenhado em agosto e outubro.
OUTRO LADO
A Secretaria Estadual de Fazenda não se pronunciou sobre os recursos não utilizados. Questionada sobre o tema, respondeu apenas que “foram executados 99,6% dos RS 2,9 bilhões”.
Em relação aos empenhos feitos a partir de outubro, após a Olimpíada, o governo disse que “a aplicação dos recursos provenientes do governo federal foi exclusivamente em despesas com a função segurança pública, em sua maioria salários”.
Em nota, a pasta afirma que a aplicação da verba não descumpriu as orientações do TCU. A secretaria diz que a destinação do dinheiro para o sistema penitenciário “tem caráter preventivo a riscos de segurança à sociedade”.
“Foi crucial a utilização dos recursos da União para garantir o pagamento de tais despesas, a fim de evitar a interrupção do fornecimento de alimentação aos custodiados prisionais, devido à inadimplência do Estado para com as empresas fornecedoras de alimentação, gerando possíveis rebeliões, o que poderia vir a comprometer a imagem do país em todo o mundo durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”, diz a nota.
Por Ítalo Nogueira, na Folha de São Paulo




quinta-feira, 27 de julho de 2017

Mais tributos e mais ineficiência


Com mais tributos, a espiral recessiva ameaça o Brasil de Temer
"Desde o primeiro dia nós temos promovido eficiência no governo. Demos transparência às contas públicas e estamos tratando com seriedade o dinheiro dos pagadores de impostos.' A declaração do presidente Michel Temer, feita no mesmo dia em que o governo decidiu aumentar PIS e Cofins sobre os combustíveis, escancara justamente o oposto: a ineficiência de sua gestão. A medida apela ao bolso do cidadão e às empresas para elevar em R$ 10,4 bilhões a arrecadação e cumprir sua meta deste ano, de limitar a R$ 139 bilhões o rombo das contas - mais especificamente, o déficit primário, diferença entre receitas e despesas, sem contar o pagamento de juros. Temer também disse que o povo entenderá. A população entenderá, certamente, que os congressistas mostraram nos últimos meses mais empenho em arrancar nacos do orçamento e em perdoar grandes devedores da Receita Federal e menos em lidar com as reformas necessárias, como a da Previdência. O povo entenderá também que a falta de planejamento e o excesso de gastos do governo ameaçam mergulhar o país numa espiral recessiva. A produção fraca prejudica a arrecadação, que o governo tenta compensar cobrando mais tributos, o que enfraquece ainda mais a produção.
Quando o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, assumiu o posto, em maio de 2016, a dívida bruta sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do país, um importante sinalizador de sua saúde fiscal, estava em 67,7%. Não é culpa da atual equipe econômica, mas, um ano depois, a dívida cresceu para 72,5%. Em meio à crise política e à fraqueza da arrecadação, o governo recorreu ao aumento de tributos. Mesmo assim, o cumprimento da meta neste ano segue sob ameaça. O governo conta com receitas extraordinárias, ou seja, que não se repetem ano a ano. Já diminuiu em R$ 5,8 bilhões a projeção de receitas para este ano. Foram reduzidas, entre outras, as estimativas de arrecadação com concessões de infraestrutura.
O perigo de não atingir a meta acendeu a luz amarela do Tribunal de Contas de União (TCU). Em 12 de julho, o órgão alertou que, sem medidas compensatórias, haveria 'risco concreto de frustração das arrecadações'. Nas contas do tribunal, isso aprofundaria o rombo do governo para R$ 161 bilhões neste ano. Um número crescente de economistas e analistas de mercado se mostra reticente sobre a capacidade do governo de atingir seu objetivo. 'A instabilidade política respinga nas condições de mercado para a venda de ativos e também para as concessões, que representam cerca de metade das receitas extraordinárias', avalia Luiz Castelli, economista da GO Associados. A consultoria estima que o déficit fique em torno de R$ 143 bilhões.
Em sua última projeção, antes do anúncio do aumento de tributos na semana passada, a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que acompanha as contas públicas, projetou um rombo parecido com o da GO, de R$ 144,1 bilhões. Além da incerteza com o resultado da venda de ativos, a entidade citou dúvidas com o novo Refis (parcelamento de dívidas com a Receita Federal) - os congressistas deformaram o projeto do governo, a fim de perdoar devedores, e diminuíram ainda mais a arrecadação prevista. 'Pensar que todo o ajuste seja feito só no lado da despesa é ilusório', disse o diretor executivo da entidade, Felipe Salto. Menos de 10% do orçamento é passível de cortes adicionais. Com o teto de gastos vigente, essa margem tende a ficar cada vez mais comprimida, já que a inflação (índice usado para corrigir o limite de gasto) recua e os gastos com aposentadorias aumentam.
Desde a crise global de 2008, o governo apela para receitas extraordinárias para fechar as contas. Neste ano, no entanto, o desafio é maior, devido à arrecadação frágil, que mostra uma recuperação ainda incipiente da atividade econômica em geral. No primeiro semestre, a arrecadação cresceu apenas 0,77% (já descontada a inflação). O resultado só foi positivo devido à alta das receitas com royalties do petróleo.
Em Brasília, o risco de frustração de receita foi batizado de 'três Rs': o Refis, a reoneração da folha de pagamentos das empresas e a segunda edição do programa de repatriação de recursos. No primeiro caso, do Refis, a estimativa de mais de R$ 13 bilhões despencou para R$ 416,8 milhões, após o relatório do deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), que desfigurou o projeto original ao elevar os descontos máximos sobre juros e multas de devedores. No segundo caso, no retorno da cobrança sobre a folha de pagamentos, a chamada reoneração, a estimativa de levantar R$ 2 bilhões foi frustrada devido ao adiamento da medida para 2018. O governo briga no Congresso para reverter essas decisões. E, por fim, dos R$ 6,7 bilhões esperados com a repatriação, até agora entraram apenas R$ 900 milhões. Do lado positivo, mas insuficiente para compensar essas perdas, foi aprovado, em junho, o projeto de lei que permite ao governo usar o dinheiro de precatórios, dívidas para com o poder público resultantes de ações judiciais. A medida tem potencial de arrecadar R$ 10,2 bilhões. Mesmo assim, o diagnóstico final é amargo.
Por isso, o governo descartou a liberação de até R$ 4 bilhões para despesas que estavam congelados, a possibilidade havia sido aventada nas últimas semanas devido ao impacto da restrição orçamentária na vida dos cidadãos. A falta de verba fez a Polícia Rodoviária Federal reduzir o policiamento nas estradas e a Polícia Federal suspender a emissão de passaportes (Temer sancionou um projeto emergencial que libera R$ 102,3 milhões para a impressão do documento). O congelamento afetou, sobretudo, investimentos em infraestrutura e prejudicou o funcionamento de universidades públicas, agências do INSS e o sistema de fiscalização de alimentos do Ministério da Agricultura, entre outros. O zelo fiscal falou mais alto e, em vez de liberar recursos, o governo congelou mais R$ 5,9 bilhões do orçamento.
Na sexta-feira, dia 21, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, admitiu que o novo bloqueio dificulta a atuação do Estado, mas refutou a ideia de parada da máquina pública por falta de recursos. Ele apelou ao Congresso para rejeitar medidas que reduzam receitas e aprovar a reforma da Previdência. 'Cerca de 57% da despesa do governo neste ano será voltada ao pagamento de benefícios previdenciários', disse. Em 2017, os gastos passíveis de Corte somam R$ 132,8 bilhões. O congelamento atual, de R$ 44,9 bilhões, representa um terço de tudo o que o governo pode cortar.
Entre todas as alternativas do governo, a mais extrema, segundo uma fonte gabaritada do governo, é rever a meta. Isso indicaria vulnerabilidade da política econômica diante da crise política, um péssimo recado aos investidores. 'Se houver qualquer problema com leilões ou concessões, podemos tirar essa projeção de receita da perspectiva do ano e colocamos outras que não iriam entrar antes. É um balanço de risco com que vamos trabalhando', afirmou a fonte.
Por ora, a opção de elevar o PIS e a Cofins sobre os combustíveis foi tomada graças a seus efeitos imediatos, sem dependência do Congresso e com repasse integral à União. A nova alíquota entrou em vigor na sexta-feira, dia 21. A Cide, outro tributo que ainda pode ser elevado, demoraria três meses para começar a arrecadar e sua receita é dividida entre União e estados. Outro argumento que pesou foi o baixo impacto inflacionário, de cerca de 0,50 ponto percentual. As maiores altas recaíram sobre a gasolina e o diesel (praticamente dobraram), mas o etanol também foi incluído. Entidades como a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) reprovaram a decisão. Em nota conjunta dos ministérios do Planejamento e da Fazenda, o aumento foi considerado 'absolutamente necessário, tendo em vista a preservação do ajuste fiscal e a manutenção da trajetória de recuperação da economia brasileira'. Caso a frustração de receitas supere a estimativa, o governo cogita aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de câmbio à vista e de crédito. 'A expectativa agora fica sobre o Banco Central e como eles entenderão a alta de tributos, ou seja, se abrirá espaço para serem menos agressivos' - ou seja, passarem a cortar os juros mais lentamente -, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Mesmo com a reavaliação das contas, o cenário deve continuar nebuloso, em meio à indecisão sobre a permanência de Temer no poder. 'O mercado torce por uma definição rápida (da crise política). Se Temer cair, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assumir e forem mantidas a equipe e a política econômica, dinheiro pode entrar no país', diz Castelli, da GO. A votação sobre o arquivamento ou não da denúncia contra o presidente deve acontecer no dia 2 de agosto, na volta do recesso parlamentar.
Em meio à persistência da crise política, quem estiver no poder deverá dar sinais muito claros de que administrará de maneira mais eficiente o dinheiro público. Corte de gastos duros e alta de impostos emergenciais são medidas paliativas, adotadas em ajustes fiscais desde a implementação do Plano Real. O que não se viu até agora é um plano de voo crível, para médio e longo prazo, que leve o governo a gastar menos e melhor e a atingir a tão almejada sustentabilidade das contas. A aprovação da reforma da Previdência se torna imperativa. Um plano mais agressivo de privatizações e uma contínua reforma administrativa do governo também seriam medidas bem-vindas. Se nada for feito, a sociedade seguirá arcando com o custo da ineficiência e da visão imediatista de políticos e governantes.

Por LUÍS LIMA COM PATRIK CAMPOREZ, na Época online




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quarta-feira, 26 de julho de 2017

A Lava-Jato está ajudando a varrer a corrupção na América Latina


Os escândalos envolvendo a empreiteira Odebrecht e outras empresas da América Latina levaram a criação de leis de anticorrupção em vários países
Os escândalos envolvendo a Odebrecht e outras empresas em vários países da América Latina levaram à criação de leis anticorrupção na região. Argentina, México e Peru querem responsabilizar as empresas. Equador e Colômbia optaram por adotar novas leis para enfrentar o problema.
O movimento é resultado de pressão da opinião pública e faz parte de um contexto regional mais amplo, diz Thomaz Favaro, analista da consultoria Control Risks. 'Nos últimos dois anos, a sociedade latino-americana tem estado mais atenta a casos de corrupção, e isso tem a ver com a desaceleração econômica. Em tempos de vacas magras, cresce a preocupação com recursos que antes eram abundantes', diz o consultor.
Empresas investem
Atingidas em cheio pela Operação Lava Jato, empresas como Petrobras, Odebrecht e JBS têm seguido um roteiro semelhante para tentar superar a crise de reputação.
Além de assumir compromisso público de abandonar práticas de corrupção e afastar controladores e executivos do comando da empresa, as companhias têm investido nos chamados programas de 'compliance' - termo em inglês que costuma ser traduzido como conformidade. Em tempos de delação premiada e acordos de leniência, a área está em alta no Brasil e tem movimentado consultorias e escritórios de advocacia.
O compliance é o conjunto de normas e procedimentos para evitar desvios de função em empresas, como pagamentos de propinas e vantagens indevidas a servidores públicos ou fornecedores. Entre ações previstas está a implementação de sistemas de monitoramento interno e o desenvolvimento de planos anticorrupção nas empresas.
Os investimentos em compliance pelas empresas investigadas por corrupção não são totalmente voluntários. O aprimoramento na governança é uma das exigências dos acordos de leniência firmados com o MPF (Ministério Público Federal). Nesses acordos, a empresa assume sua culpa e colabora com as investigações em troca de uma pena mais branda.
Só a Odebrecht pretende gastar R$ 64 milhões em compliance neste ano, quase 6 vezes mais que o valor destinado para essa área dois anos atrás. De 30 profissionais atuando no setor em 2015, o número deve chegar a 60 até o final do ano. Na Petrobras, a área de governança e conformidade ganhou status de diretoria em 2015 e hoje tem 300 profissionais.
Braskem e as empreiteiras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez são outras empreiteiras que vão reforçar os investimentos na área. A JBS, por sua vez, anunciou entre as primeiras medidas, após a delação de seus controladores, a renúncia de Joesley Batista à presidência do conselho de administração, a criação de uma diretoria global de compliance e de um programa batizado de 'Faça sempre a coisa certa'.
A desconfiança do mercado pesa no bolso das empresas. A construtora Engevix, por exemplo, foi proibida de participar de qualquer licitação federal por 5 anos após ser declarada empresa inidônea pelo TCU (Tribunal de Contas da União), em razão de irregularidades cometidas nas obras da usina nuclear de Angra 3. A empresa afirma estar negociando acordo de leniência para reverter a situação. (AG)

Por Letícia Castro, em O Sul/RS
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terça-feira, 25 de julho de 2017

Um planejamento de indigentes


‘Espião’ abandonado
Anunciados com pompa no fim do segundo governo Lula como uma grande arma de combate ao crime organizado, os veículos aéreos não tripulados (vants) da Polícia Federal não decolam desde fevereiro de 2016. Empoeirados, os dois aviões estão parcialmente desmontados em São Miguel do Iguaçu (PR), dentro de um hangar. Do lado de fora, a pista de pouso está coberta por mato. No ar, ficou a promessa de o Brasil comprar até 14 vants, construir quatro bases aéreas fixas e duas móveis e treinar 90 policiais para operar o sistema, com o objetivo de permitir à PF colher o mais valioso ativo no combate ao crime: a informação de inteligência.
Embora o namoro do Brasil com os aviões espiões tenha começado em 2007, na gestão de Tarso Genro (PT), foi só em 2011 que as operações com os dois aviões comprados pelo Brasil da empresa israelense IAI começaram para valer. Os dois custaram, juntos, US$ 27,9 milhões. Durante anos, tanto o Ministério da Justiça quanto a PF — já naquela época dirigida pelo atual diretor, Leandro Daiello Coimbra — diziam se tratar de uma das mais modernas ferramentas contra o crime transnacional em suas diferentes vertentes.
O vant serviria à atividade policial no Brasil por conseguir trazer informações muito qualificadas sem ser percebido e sem colocar em risco a vida de agentes. Além de não ter tripulação, os vants são dotados de câmeras capazes de, sob praticamente qualquer condição de luz, tirar fotos e filmar.
O governo planejou e aprovou no Congresso leis com previsões orçamentárias para que fosse criada uma megaestrutura capaz de atender as necessidades de combate ao crime de diversos estados, incluindo patrulhamento marítimo (veja o infográfico). O serviço funcionaria por 24 horas e todos os dias da semana, com transmissões de imagens e dados em tempo real. O uso planejado nunca foi operacional, como apreender um caminhão lotado de cigarros contrabandeados. O objetivo seria, por exemplo, identificar a rota de um desses caminhões, bem como os integrantes da organização criminosa.
Embora não admitam publicamente, integrantes da gestão de José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça e da atual direção da PF afirmam que o esvaziamento do projeto dos vants ocorreu porque não houve o retorno esperado no combate ao crime. Também nos bastidores, temendo represálias se falarem em público, defensores dos vants dizem que a cobrança é injusta.
— O projeto nunca foi executado como foi planejado. Gastaram milhões e logo pararam. O projeto está abandonado — afirma um policial, pedindo anonimato.
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O projeto sempre foi caro — se fosse executado em sua plenitude, a PF calcula que seriam R$ 500 milhões anuais. De 2009 até hoje, foram desembolsados cerca de R$ 145 milhões. Mas a própria polícia admite que a razão por trás da interrupção do projeto não é orçamentária. Há dinheiro previsto em lei para os vants. A execução orçamentária, entretanto, evidencia o abandono. Em 2016, foram empenhados R$ 28 milhões para o projeto e apenas R$ 3,4 milhões (12%) foram liquidados. Os percentuais nos anos anteriores quase sempre apontaram uma execução baixa.
PF: PROJETO INTERROMPIDO PARA SER REPENSADO
Procurada na semana passada, a PF afirmou que o projeto foi interrompido para ser repensado e para que se adequasse “aos novos avanços tecnológicos em sistemas de imagem, comunicação em tempo real e georreferenciamento". O principal passo nessa direção ocorreu em agosto do ano passado, quando a direção da polícia criou uma comissão para estudar o que fazer com o projeto.
Um relatório parcial da comissão, feito em fevereiro deste ano e a que o GLOBO teve acesso, propõe uma série de medidas imediatas para que os vants possam voltar a decolar. Num primeiro momento, será necessário refazer, entre outros, contratos de manutenção e da banda satelital, responsável por fazer o envio das imagens captadas pelo avião para a base em terra. Também serão necessários investimentos para modernizar a câmera do vant e para treinar mais pilotos.
O posicionamento atual da PF contrasta com o de apenas cinco meses atrás, quando, perguntada pelo jornal “Correio Braziliense", a PF informou que os vants seriam usados para o monitoramento da Amazônia. A corporação não explicou, na ocasião, que, para isso, teria que comprar um radar meteorológico, equipamento caro e de a PF não dispõe. Sem o equipamento, seria grande a chance de perder o avião. Perguntada na semana passada, a polícia não respondeu se pretende levar adiante a ideia sobre a Amazônia.
A polícia também silenciou sobre outros pontos polêmicos desde que o projeto dos vants começou a sair do papel. Desde agosto de 2016, sem a renovação do contrato, os vants estão sem manutenção. Seguem desmontados parcialmente e os eletrônicos, câmeras eletro- óticas e demais componentes, estão encaixotados. A PF diz que esta é a recomendação técnica pela falta de uso.
Oportunidade perdida
Além da vigilância no Brasil, vant abriria caminho para cooperação internacional
Os vants nunca chegaram perto do potencial planejado. Eram previstos o apoio e a integração com as Forças Armadas, a Receita Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ibama e até a Funai. Informações sobre o crime transnacional poderiam ser compartilhadas com outros países e organismos multilaterais. O acordo feito com a empresa israelense IAI previa que, a partir da compra do terceiro avião, começaria uma série de ações de transferência tecnológica para uma empresa brasileira para que ocorresse aqui a fabricação, produção e homologação dos vants.
Segundo o último contrato de manutenção do sistema firmado com a IAI, os aviões poderiam atender mil horas anuais e até 84 horas mensais de voo. A estatística de horas de voo dos vants, no entanto, apontam que 2014 foi o ano em que eles mais voaram, quando estiveram no ar por 468 horas. Dos oito pilotos formados entre 2009 e 2010, hoje não há nenhum disponível de imediato para o trabalho e dois já se aposentaram da Polícia Federal.
Nem uma base adequada chegou a ser construída. O hangar do aeródromo, emprestado da prefeitura local, foi adaptado para a decolagem, mas a pista de pouso e decolagem não atende às especificações técnicas os requisitos da fabricante israelense. Em 2011, a PF gastou R$ 365 mil para que uma empresa fizesse um projeto básico para a construção da base. O projeto, orçado em R$ 37 milhões, nunca saiu do papel. A PF diz não ver necessidade de construir uma nova base.
FALTA DE PLANEJAMENTO ADEQUADO
A falta de planejamento adequado pode estar por trás da mudança de postura da PF em relação aos vants. A socióloga Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, tem uma visão crítica sobre projetos como o dos aviões espiões.
— Esses projetos espetaculares atendem muitas vezes mais a interesses das empresas do que ao interesse público. Primeiro pensam nesses projetos e depois na aplicabilidade — aponta Silvia, lembrando que o foco da PF nos últimos anos mudou: — É flagrante como a PF tirou o foco do combate ao crime comum nos últimos anos para se voltar para o combate à corrupção. Temos que comemorar os resultados neste segundo tipo de ação, mas os dois são importantes. A repressão ao crime comum não pode ser deixada de lado.
Enquanto a PF decide o que fazer com os aviões, o Tribunal de Contas da União foi instado a agir após uma denúncia anônima sobre o abandono do projeto. A Ministra Ana Arraes relata desde o começo do ano uma investigação sigilosa sobre o projeto. Um documento da área técnica do TCU a que o GLOBO teve acesso ressalta que é prerrogativa do diretor da PF mudar o foco de um programa, o que justificaria que não tenha sido comprado mais vants e o projeto tenha diminuído de escala.
O tribunal, no entanto, oficiou a PF pedindo esclarecimentos sobre uma série de possíveis irregularidades, que vão desde a contratação do projeto até ao questionamento se a falta de manutenção está deteriorando os aviões. Alegando tratar-se de uma investigação secreta, o TCU não deu mais detalhes sobre o caso, que ainda está sendo investigado. Enquanto isso, os vants seguem no chão. Perdidos no céu, os milhões gastos pelo Brasil com o projeto (Guilherme Amado).

Por GUILHERME AMADO, em O Globo


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segunda-feira, 24 de julho de 2017

Daimler também teria fraudado testes de emissões


Montadora da marca Mercedes-Benz é acusada de ter vendido mais de 1 milhão de veículos na Europa e nos EUA com motores adaptados para fraudar testes de poluição.
A montadora alemã Daimler, fabricante dos carros Mercedes-Benz, fraudou testes de emissões em duas de suas linhas de motores por cerca de oito anos, informaram nesta quinta-feira (13/07) as emissoras estatais WDR e NDR e o diário Süddeutsche Zeitung.
As acusações resultaram numa série de operações policiais de busca e apreensão executadas por autoridades da Alemanha em várias instalações da Daimler em maio. De acordo com a investigação jornalística conjunta dos meios de comunicação, os motores OM 642 e OM 651 da Daimler utilizavam um dispositivo ilegal para fraudar os testes de emissões.
É estimado que esses dois modelos de motores estejam instalados em cerca de 1 milhão de veículos vendidos na Europa e nos EUA entre 2008 e 2016.
A fraude pode levar a Autoridade Federal de Transporte de Automóveis da Alemanha (KBA, na sigla em alemão) a forçar a montadora a realizar um recall dos veículos afetados, ao menos na Europa. Os reguladores e procuradores americanos provavelmente prosseguirão com acusações legais.
A montadora alemã Volkswagen usou um dispositivo similar para fraudar os testes de emissões, que culminou no escândalo conhecido como Dieselgate e que levou a multinacional a pagar cerca de 22,6 bilhões de euros em multas e compensações.
Além disso, relatos indicam que procuradores alemães estão analisando acusar dois funcionários da Daimler por supostamente enganar clientes na compra de automóveis por meio de publicidade falsa. Outros empregados da montadora podem enfrentar imputações similares.
A Daimler declarou que não vai comentar uma investigação em curso e destacou que está cooperando com as autoridades. Promotores de Stuttgart, onde fica a sede da montadora, abriram um inquérito em março por fraudes em testes de emissões e publicidade enganosa.
Naquele mês, o presidente-executivo da Daimler, Dieter Zetsche, rejeitou as alegações de que o fabricante era culpado de violar as leis de emissões.
Promotores americanos também estariam de olho na fabricante alemão de automóveis, que enfrenta uma série de ações legais coletivas de proprietários de carros, que afirmaram que a Daimler declarou níveis de emissões menores para uma série de modelos a diesel.
No ano passado, a montadora concordou com a KBA em recolher "voluntariamente" 247 mil veículos para atualizar a "tecnologia potencialmente problemática", supostamente instalada para impedir que os motores sejam danificados.

Da Deutsche Welle


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domingo, 23 de julho de 2017

Unicef mostra preocupação com impacto da violência entre estudantes no Rio


O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou, nesta semana, comunicado em que demonstra preocupação com o impacto da violência no desenvolvimento das crianças no Rio de Janeiro. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, somente neste ano, uma em cada quatro escolas teve que fechar durante determinados períodos ou foi forçada a interromper as aulas por causa dos tiroteios ou outros tipos de confrontos.

Dos 105 dias de aula no período letivo, apenas oito transcorreram normalmente em todas as escolas da cidade, sem ser interrompidos pela violência. A rede pública da capital fluminense tem 1.537 escolas da rede, onde estudam mais de 650 mil alunos.
Em abril, a secretaria informou que cerca de 70 mil alunos tinham ficado sem aula pelo menos um dia desde o início do ano letivo de 2017, em 2 de fevereiro.
O Unicef citou estudos que mostram que interrupções repetidas em ambientes de violência afetam negativamente a habilidade das crianças de se concentrar e aprender sem medo. “Buscar abrigo e esconderijo e até testemunhar episódios de violência têm grande impacto psicossocial nas crianças, e várias relatam sofrer de síndromes de estresse, como pesadelos e crises de ansiedade”, diz o comunicado.
“Crescer em um ambiente com frequentes episódios de violência armada também pode fazer com que as crianças percebam a violência como o procedimento normal na resolução de conflitos. Crianças do Rio de Janeiro estão sob grande risco de não poderem desenvolver seu total potencial”, acrescenta o documento.
O Unicef lamentou que o problema ocorra em outras regiões. “De acordo com uma pesquisa nacional sobre saúde na escola, quase 10% dos adolescentes das regiões Sudeste e Nordeste do país já passaram pela experiência de ter a escola fechada por causa da violência, enquanto, na Região Sul, apenas 2% viveram algo parecido.”
A violência também tirou a vida de estudantes, inclusive dentro das escolas, como Maria Eduarda Alves Ferreira, de 13 anos, morta a tiros enquanto fazia educação física no pátio da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari, zona norte, em 30 de março.

O documento do Unicef ressalta também que o Brasil tem uma das maiores taxas de homicídio de adolescentes do mundo. Apenas em 2015, mais de 10 mil adolescentes entre 10 e 19 anos foram assassinados no país.
Por fim, o Unicef informou que está trabalhando com as autoridades das áreas de educação e segurança pública no Rio de Janeiro para buscar uma solução coordenada para a crise de violência em alguns bairros e reduzir o impacto negativo na vida das crianças.
Por Flavia Villela, da Agência Brasil



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sábado, 22 de julho de 2017

Mudança climática provocará efeitos "devastadores" na Ásia, segundo estudo

EFE/Wu Hong
A mudança climática provocará "consequências devastadoras" na região da Ásia e do Pacífico pelo aumento da temperatura em seis graus de média ao final deste século, previu nesta sexta-feira o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD).
"Alguns países da região podem experimentar climas muito mais calorosos, com aumento de temperatura de até 8 graus centígrados no Tajiquistão, Afeganistão, Paquistão e na parte noroeste da China", segundo o relatório "Uma região em risco: as dimensões humanas da mudança climática na Ásia e no Pacífico".
O documento, redigido pelo Instituto para a Pesquisa do Impacto Climático pertencente ao BAD, advertiu que o aumento da temperatura pode ameaçar a existência de alguns países da região e destruir qualquer esperança de um desenvolvimento sustentável e inclusivo".
O BAD previu que as precipitações aumentarão até 50% na maioria das zonas da Ásia e do Pacífico com tufões mais intensos e ciclones tropicais, enquanto em países mais secos como o Afeganistão e o Paquistão poderiam se reduzir entre 20% e 50%.
Além disso, o aumento de um metro no nível do mar para o ano 2100 situará em risco de inundação 19 das 25 cidades mais expostas a um aumento do nível do mar na região, sete delas na Filipinas", segundo o relatório da organização com sede em Manila.
O BAD considera que "a crise climática mundial é sem dúvida o maior desafio que a civilização humana enfrenta no século XXI, com a Ásia e o Pacífico no centro de tudo", segundo a vice-presidenta para o Conhecimento e o Desenvolvimento Sustentável, Bambang Susantono.
O estudo pede que os países asiáticos tomem medidas contra a mudança climática e lhes lembra que "têm o futuro nas suas mãos" para salvar o planeta, já que concentram aproximadamente dois terços da população mundial e a maioria se encontra em plena expansão para o desenvolvimento.

EFE


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