Oligarquias
políticas e um grupo restrito de empresários usufruem de vantagens e
privilégios, às custas do interesse público
A economista
americana Susan Rose-Ackerman, da Universidade de Yale, é referência
internacional no debate sobre corrupção. Aos 74 anos, já escreveu nove livros e
dezenas de artigos sobre o assunto. Sobre o Brasil, RoseAckerman foi
categórica: 'É preciso quebrar o elo entre contratos do setor público e
políticos'. Para ela, não basta punir os atuais corruptos, pois outros surgem:
'É preciso identificar o que está sendo 'comprado' com a 'propina''.
Há vários anos,
oligarquias políticas e um grupo restrito de empresários usufruem de vantagens
e privilégios, às custas do interesse público. Como o Estado brasileiro é
paquidérmico, ineficiente e corporativo, são muitas as oportunidades de
'negócios' envolvendo a concessão de facilidades em troca de suborno. A lista
inclui financiamentos generosos de bancos públicos, subsídios abundantes,
isenções fiscais bilionárias, contratos e aditivos viciados com governos e
Empresas Estatais, acesso facilitado a fundos públicos e áreas do Patrimônio da
União, programas sucessivos de refinanciamento de dívidas, dentre outras
possíveis benesses.
A trajetória da
família Batista, que em 1953 tinha um açougue em Anápolis e após cinco décadas
passou a comandar o maior grupo produtor de proteína animal do mundo, ilustra a
promiscuidade. Empresas do grupo J&F - holding controladora da JBS -
bancaram campanhas de 1.829 candidatos e 28 partidos. Em troca, receberam cerca
de R$ 15,5 bilhões em empréstimos e aportes de capital da CEF e do BNDES.
Atualmente, o BNDES, com 21,3%, e a CEF, com 4,9%, do capital da JBS são sócios
de Joesley e Wesley.
A soma dos valores
que podem ser 'comercializados' entre políticos e empresários é impressionante.
O BNDES, por exemplo, recebeu cerca de R$ 500 bilhões do Tesouro, entre 2008 e
2014, para diversas finalidades, entre as quais fomentar 'campeões nacionais'
que se tornariam gigantes nos seus setores e competiriam, com vantagens,
internacionalmente. Quanto valia um 'padrinho' para facilitar o acesso a essa
bolada?
Outro foco de
corrupção envolve as 151 Empresas Estatais que movimentam cerca de R$ 1 trilhão
por ano. Atuam com muito dinheiro, muita ingerência política e pouca
transparência. Entre 2003 e 2014, dos cerca de 890 mil contratos da Petrobras,
784 mil foram celebrados com dispensa de Licitação. Não por acaso, políticos,
engalfinhamse por cargos em suas diretorias. O procurador do Ministério Público
de Contas junto ao TCU, Júlio Marcelo, levanta a questão: 'Por que não vender
Banco do Brasil, Caixa, Petrobras e outras mais de 400 empresas públicas, federais,
estaduais e municipais, que gravitam em torno do Estado Brasileiro?'
Outro elo da
corrupção são os subsídios e as isenções fiscais. Enquanto o país amarga um
rombo de R$ 159 bilhões, os subsídios passaram de R$ 31 bilhões em 2007 para R$
115 bilhões em 2016. A maior parte não foi destinada à redução da pobreza, e
sim a programas de incentivos ao setor produtivo, alguns justificáveis outros
não. Somam-se aos subsídios as isenções fiscais que o governo concede para
setores da economia e regiões do país. Para 2018, estão previstos R$ 284
bilhões que irão beneficiar empresas de pequeno porte, Zona Franca de Manaus,
entidades sem fins lucrativos, desonerações nas folhas de pagamento, setor
automotivo, embarcações, motocicletas, água mineral dentre muitos outros
setores. De olho nesses R$ 400 bilhões anuais, empresários teriam 'comprado',
pelo menos, 15 medidas provisórias, dois projetos de lei, um decreto e uma
resolução do Senado. Na semana passada, Lula foi um dos denunciados pela edição
da MP 471, que prorrogou incentivos fiscais para montadoras instaladas no
Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Mesmo com tantas
facilidades, muitos não pagam o que devem. Os débitos de pessoas físicas e
jurídicas com a União chegaram a R$ 1,8 bilhão em fins de 2016, sendo R$ 403,3
milhões de débitos previdenciários. Políticos que, direta ou indiretamente,
devem R$ 532,9 milhões à União foram responsáveis por aprovar um novo Refis com
descontos generosos de juros e multas.
Áreas do Patrimônio
da União, recursos dos fundos de pensão, FGTS, Finep, Fundo Partidário e fundos
constitucionais, são outros instrumentos de barganha. Os 35 partidos políticos
emolduram essas aberrações.
Como diz Susan
Rose-Ackerman, é preciso identificar tudo o que está sendo 'comprado' com a
'propina', de forma a estancar esses elos imorais. No Brasil, a solução passa
pela redução do Estado. O ambiente prostituído, de boquinhas e mamatas, tem
sempre o Estado no meio.
Por Gil Castello
Branco, em O Globo
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