domingo, 21 de junho de 2015

Trabalho em equipe


O homem é um ser social. Desde os primórdios percebeu as vantagens de viver e trabalhar em grupo. Formar número, acumular forças, resistir às intempéries, vencer os obstáculos impostos pela natureza.

O trabalho em equipe se revelou uma necessidade perene, assegurando a sobrevivência da espécie e o domínio sobre o habitat e o planeta.

Mas trabalhar em grupo não é tudo.

O domínio do fogo, da pólvora, da bússola, a tecnologia da construção das embarcações e das velas, a vapor e a revolução industrial, a tecnologia nuclear, o microchip... é o conhecimento que garante às sociedades, nos diferentes ciclos históricos, o desenvolvimento e o domínio sobre os demais povos.

Fazer em grupo é importante, mas o como fazer é fundamental.

Toda a história do homem é permeada de guerras e conquistas. Os heróis nacionais quase sempre são generais, militares, conquistadores e libertadores que - sem fazer valor de juízo sobre as razões de suas causas - deixam por onde passam um rastro de dor e sangue.

Já nos idos de 1.530 a.C., Sekenenrê, o primeiro libertador nacional, para libertar o Egito dos Hicsos chegou a contar com uma força permanente de 240 mil homens.
E cada nação, em cada momento da história, cultuou seu general.

Esta intensa presença militar transferiu para o seio das sociedades os dogmas e paradigmas da caserna, particularmente o autoritarismo. Portanto as relações interpessoais tendem a resvalar para o arbitrário, sejam estabelecidas no ambiente familiar ou nos grupos de trabalho.

A INÉRCIA
O líder do grupo assume uma postura semelhante ao dono da bola numa pelada de futebol. Por mais perneta que seja, será sempre o titular absoluto da posição, ou o jogo invariavelmente termina.

Auto suficiente e loquaz, o gerente do grupo está sempre correto e, quando numa fugaz eventualidade se faz de vencido, é na verdade um recuo estratégico para mais a frente, em melhores condições, tornar à carga.

Para compor a equipe, os critérios preferenciais são a passividade e a absoluta obediência. O técnico deve ser servil, jamais questionar e só se manifestar quando explicitamente convocado. Os papéis e o ritual não permite qualquer dúvida: "eu ordeno, você obedece".

Nesta estruturação a participação é meramente formal. A contribuição individual para o coletivo se limita ao mínimo necessário. O grupo caminha por inércia e os resultados se limitam ao trivial, ao convencional. Inovações é algo fora de cogitação. O realizado é sistemática repetição do que é feito há anos, portanto qualquer mudança é atitude sem procedência e temerária.

Aqui os paradigmas são devotados. Só o chefe pensa, só o chefe decide. É um iluminado, um privilegiado a quem Deus untou com seu santo ungüento, enquanto os integrantes da equipe não passam de meros mortais.

Naturalmente por mais diferenciado que seja o trabalho, os resultados caem na vala comum da mesmice e da mediocridade. A eficiência é um dogma repetido à exaustão, mas a eficácia fica adormecida nas páginas densas dos dicionários.

O grupo trabalha desmotivado, cada um preocupado unicamente com os limites de sua tarefa; há uma obsessão maníaca pelos horários e pela freqüência, e absolutamente nada é realizado além do previsto e estipulado. Se o planejado é executado ou não, pouco importa; o que interessa é que "minha parte" foi realizada.

Enquadrada, a equipe não tem vida própria, seus integrantes não tem importância, são descartáveis e o projeto só sofre solução de continuidade se perder seu chefe. Sim, pois outra peculiaridade desta formatação é a concentração e a centralização do poder.

Ao técnico só é permitido manusear parte dos dados e informações. Só o chefe manuseia o conjunto, mantendo assim o controle total e absoluto sobre o processo.

Como são impermeáveis às discussões, essas equipes se bastam. Ignoram e rejeitam contribuições de outras fontes, defendem intransigentemente seu pequeno universo de miudezas e privilégios e vêem no outro um adversário, ao invés de um potencial colaborador.

São equipes jurássicas, em acelerado estágio de putrefação, exalando o cheiro nauseabundo das estruturas inertes.

Por paradoxal que possa parecer estão onipresentes. No comércio, na indústria, nas escolas, nos bairros, no serviço público... Aliás, é no serviço público que se estabeleceu uma vinculação especial, com profundas raízes. Protegidos pelas elites políticas, se encastelaram majestosos e reinam num mundo de faz-de-conta, repleto de papéis, processos insolúveis, má vontade, clientelismo, fisiologismo e corporativismo.

Muitas vezes, esta concepção política de trabalho em grupo não aparece tão claramente delineada, se travestindo de outras facetas que na realidade redundam em variações sobre um mesmo tema. Existem as equipes autoritárias, outras escamoteando o despotismo, e outras ainda pretensamente "abertas", mas todas irremediavelmente viciadas, meras reprodutoras de valores ultrapassados.

O MOVIMENTO
Na extremidade oposta figura a equipe da qualidade.

Aqui o líder não é imposto, mas se faz no dia-a-dia, conquistando a preferência e o respeito de seus pares. Atua como agente de dinamização, estimulando e aglutinando as diferentes vivências e experiências.

A leitura que faz da vida o torna solidário. Jamais se coloca acima ou se considera mais importante que os demais. Seu lugar é ao lado, dentro, completamente imerso, o que torna sua liderança algo natural, agradável e produtiva.

As discussões são fomentadas, perseguidas a todo instante. Por necessárias à condução dos trabalhos, são sempre interessantes, pujantes, vigorosas, vivas. É a força motriz do grupo.

A exata compreensão que o trabalho é coletivo e o crescimento de um significa o crescimento de todos, torna a participação intensa e nunca artificial. O sucesso ou o fracasso será mérito ou defeito de todos. A figura do cacique é reservada às películas cinematográficas. Todos são e estão, por isso a alternância de gerenciamento é fato comum.

Nesta estrutura o autoritarismo cede lugar à democracia. As experiências individuais são valorizadas para, agregadas, originarem o universo coletivo. Os erros se reduzem pois todas as cabeças atuam no sentido de acertar, receptivos sempre aos novos desafios.

Nas discussões não existem vencidos e vencedores. Ao término dos debates só existem vencedores, pois do embate das idéias surge a terceira via oriunda do que havia de melhor nas postulações pregressas.

Os dogmas e paradigmas são questionados com vigor, ininterruptamente. Não podemos realizar as coisas simplesmente porque sempre foram feitas. Vale como ilustração a velha estória do peru no microondas:

(No dia de natal a garota pergunta:
-Mamãe porque a senhora assou o peru sem as pernas e a cabeça?
A mãe pensou e não encontrou resposta mais apropriada: "Sua avó sempre fez assim”.
A criança fez com que a mãe a acompanhasse até a avó.
-Vó porque a senhora ensinou mamãe a assar o peru sem pernas e cabeça?
Por mais que a vó matutasse, não encontrou coisa melhor:
-Sempre foi assim, aprendi com minha mãe.
E lá foram as três atrás da matriarca, que já se curvava ao peso
do século. A velhinha foi parcimoniosa: "Éramos muito pobres e nosso forno bem pequenino. O peru não cabia dentro, por isso tinha que cortar as pernas e a cabeça”.)


A estruturação pela qualidade não comporta verdades absolutas, tudo é relativo, tudo passivo de mudança e os graus de liberdade inúmeros. A satisfação é um quesito importante e impõe grandes saltos ao caminhar da equipe. Os resultados extrapolam ao programado, as metas são superadas em virtude da rápida incorporação das inovações.

A confiança é o fio condutor da relação entre as pessoas. Os horários são flexíveis e a responsabilidade integral. A motivação é contínua, o horizonte a cada momento mais largo, os integrantes da equipe se percebem, se enxergam, se vêem elos importantes da corrente.

A descentralização atua no sentido de valorizar as individualidades, agilizar as tarefas, melhorar a performance do colegiado e auferir produtividade crescente. Todos têm acesso ao universo de dados e informações, democratizando as oportunidades. O intercâmbio com outros grupos é constante ainda que as atividades não sejam afins.

São enfim equipes da qualidade, despertas, dinâmicas, receptivas aos novos desafios. Tem a leveza do movimento.

Esta política encontra plena guarida em várias empresas e setores, mas com desmedida timidez, apenas tangencia o setor público.

Nas últimas décadas o estado brasileiro foi sucateado para atender aos interesses de grupos minoritários, das elites, contra os grandes interesses da população. Neste processo os servidores foram relegados a um enésimo plano e transformados ainda nos vilões das mazelas do estado.

Políticas de qualificação profissional, de ganhos de produtividade, de cargos e salários foram simplesmente ignorados em função de práticas arcaicas e nocivas em que impera o fisiologismo e o clientelismo.

Esta realidade origina quase sempre um servidor desqualificado, desiludido e desmotivado. Adrenta-se num círculo vicioso em que os governantes que se sucedem, recusando-se a enfrentar o problema, entram num jogo de empurra, passando a fingir que pagam; enquanto o servidor indignado com a situação, finge que trabalha. E a estratégia vai se perpetuando.

Os novos tempos exigem o imediato rompimento deste ciclo. A sociedade comprimida, não suporta continuar pagando pela inexistência dos serviços, ou pelos péssimos serviços prestados. E nesta oxigenação o servidor é figura de proa, timoneiro.

Atuando nos sindicatos, entidades de classe e movimentos sociais, vai chamando a atenção para a imperiosa necessidade de modernizar o estado. Não a modernização falaciosa fluente na boca de tantos e sim a modernização de fato, que coloque o estado como instrumento ágil e eficaz das maiorias silenciosas e marginalizadas.

O servidor deve resgatar seus valores fundamentais, ressaltar o seu quesito mais nobre, o que faz especial, diferente dos demais trabalhadores: o fato de ser um servidor do povo, de ter como patrão sua comunidade. Confúcio acalentava como maior sonho ser servidor público.

Só a incorporação desses referenciais será capaz de remover as grandes barreiras que impedem o país de progredir e desenvolver.

É um processo que demandará tempo, sem dúvida. Mas tão certo como um dia após o outro.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+

segunda-feira, 15 de junho de 2015

A BUROCRACIA ESTATAL - Excesso de servidores?


A BUROCRACIA ESTATAL

É bastante raro se deparar com um cidadão comum que não tenha passado por algum tipo de constrangimento ao tentar acessar um serviço público qualquer.

A burocracia tem sido por demais atroz com todos nós.

Dentre as diversas definições do termo burocracia, o Novo Dicionário Aurélio chega a registrar “...complicação ou morosidade no desempenho do serviço administrativo...” .

Desde os primórdios, o estado brasileiro tem passado por um vigoroso processo de sucateamento.

O quadro de recursos humanos é bastante rígido, defasado, carente de capacitação e de um ideário voltado para a qualidade. Patrimônio sempre sucateado e em decomposição, fluxos e rotinas inamovíveis, calcificados e ultrapassados. Não bastasse, é permanente a hipertrofia dos controles, em contraposição à atrofia dos setores de planejamento, execução e avaliação. Os sistemas de inspeção e controle se debruçam, quase que somente, sobre o processo enquanto procedimento burocrático, ignoram o produto ou resultado final da ação governamental. Ou seja, a verificação incide sobre a formalização e instrução do processo. Se os objetivos propostos resultaram efetivamente no atendimento das demandas sociais, é uma questão de somenos para a burocracia.

É mais que evidente: este cenário não é resultado de um suceder de coincidências. A realidade é que parte das elites políticas provoca e se beneficia da desorganização do Estado.

excesso de servidores x concentração

No que se refere aos recursos humanos, essas elites sempre utilizaram o estado como instrumento de manutenção e ampliação de poder. Resulta daí o clientelismo e o nepotismo, o popular “cabide de empregos” beneficiando amigos, parentes, correligionários e potenciais eleitores. Este cenário forja uma categoria de servidores amorfa, facilmente transformada em massa de manobra, tangida com vara curta, embrutecida na pior das ignorâncias.

Mas esses servidores, na medida em que se conscientizam, fortalecem suas organizações, desatam laços históricos de passividade e submissão e passam da posição de agentes a cooptar à virtuais indesejáveis para os poderosos.

Daí. todo um contexto é moldado para transformá-los em bode expiatório das mazelas do Estado.

Investem forte na falácia do excesso de servidores, do inchaço da máquina estatal, o que definitivamente não procede.

Estudos recentes demonstram que o número de servidores públicos nas três esferas de poder -municipal, estadual e federal, está bem aquém do verificado nos países desenvolvidos, aquém do verificado nos vizinhos latino-americanos, compatível portanto com as demandas que um país em vias de desenvolvimento impõe.

Portanto, não existe excesso e sim concentração de servidores em determinadas áreas administrativas e pólos urbanos.

Não obstante esta constatação, providencialmente, a falácia do excesso de servidores é mantida, divulgada à exaustão, de modo a conseguir o apoio da população às políticas de arrocho salarial e de depreciação dos recursos humanos do estado.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Como decide um Ministro do STF?

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Por Pedro Fernando Nery
1. Introdução
O que influencia a decisão de um juiz em julgamento? Várias teorias buscam responder a questão e definir os determinantes do comportamento judicial. Nos Estados Unidos, uma farta literatura empírica – de autoria de juristas, cientistas políticos e economistas – analisa a tomada decisão dos juízes da Suprema Corte do país. As decisões são determinadas pelo texto da lei? Ou os juízes são orientados pela ideologia ao julgar? Que objetivos eles perseguem, e como perseguem esses objetivos? Essas são todas questões fundamentais da literatura de comportamento judicial.
Três teorias de comportamento judicial se destacam: o jurídico, o atitudinal e o estratégico. A primeira se relaciona com uma abordagem normativa e argumenta que o comportamento judicial está restringido pela lei e pelo direito. Essa restrição não existe para os “atitudinalistas”, que sustentam que os juízes votam de acordo com as suas preferências pessoais em um caso, inclusive ideológicas. Por seu turno, na teoria estratégica, um juiz vai adotar estratégias para chegar aos seus objetivos, dado que podem existir várias restrições ao seu comportamento. Por essa visão, que é um desdobramento da teoria de escolha racional (rational choice theory), um juiz consideraria a reação de todos os agentes, dentro ou fora da Corte (ex: Poder Executivo), e adotaria uma conduta estratégica para atingir seus objetivos.
A  proxy de ideologia mais usada nos estudos atitudinais é o partido político do Presidente que indicou o juiz. Os autores que usam essa proxy partem do pressuposto de que um Presidente indica um juiz por afinidade ideológica e, por isso, o partido do Presidente se relaciona com a própria ideologia do indicado.  Exemplo eminente da força da teoria atitudinal é o julgamento recente mais notório da Suprema Corte americana: Bush v Gore. No controverso desdobramento do impasse na recontagem dos votos do estado da Flórida nas eleições presidenciais de 2000, a decisão da corte foi tomada por cinco votos a quatro: os cinco votos vencedores eram de indicados por Presidentes republicanos, e os dois únicos indicados por democratas no tribunal ficaram do lado vencido.
2. Literatura para o STF
Jaloretto e Mueller (2011) testam empiricamente a hipótese de as indicações presidenciais influenciarem as decisões do Supremo Tribunal Federal do Brasil, concluindo que não há evidência empírica de que as decisões do STF sejam influenciadas pelo método de escolha de seus ministros.  Leoni e Ramos (2006) aplicam uma técnica de estimação bayesiana (ideal point estimation) e também concluem que o Supremo é independente, apesar de uma tendência de apoiar cada vez mais o Executivo nos últimos anos estudados. Para eles, os ministros não são representantes dos presidentes que os indicaram. Oliveira (2008) usa uma regressão logística para chegar a um resultado consoante com o de Jaloretto e Mueller. O trabalho não encontra muita evidência para o papel de fatores políticos, e, ao observar um alto de grau de consenso nas votações, atribui um papel fundamental nas decisões para o “profissionalismo”. A autora avalia que este resultado dá “credibilidade e legitimidade” ao Supremo Tribunal Federal.
 3. Um modelo espacial para os votos do STF
De maneira a testar empiricamente a hipótese de que o voto de um ministro se correlaciona com o Presidente que o indicou, é oportuna a utilização de um modelo espacial de votação (NOMINATE). Este é um método de escala multidimensional (multidimensional scaling) para projetar preferências em um espaço. Cada objeto recebe uma localização (coordenada) nesse espaço, de acordo com a similaridade que os objetos possuírem, ficando os menos semelhantes entre si mais distantes nesse espaço. Na aplicação aqui proposta, os objetos são os ministros, as similaridades são observadas através de seus votos e as localizações indicariam possíveis  posicionamentos ideológicos.
Através do padrão que emerge de uma quantidade de votações, o modelo concede coordenadas em um espaço para os votantes. Essas coordenadas dependem da maneira que os votos se correlacionam. Votantes que agem de forma parecida recebem coordenadas de maneira a ficarem espacialmente próximos. Da mesma forma, votantes que agem de forma diversa recebem coordenadas de maneira a ficarem espacialmente distantes.
Dentre as infinitas possibilidades de coordenadas para os votantes em dimensões, o modelo escolherá, por um estimador de máxima verossimilhança, os posicionamentos mais prováveis, de acordo com os dados.
Foram estimados pontos ideais para os ministros usando os dados dos votos que eles deram nos julgamentos das 756 ações diretas de Inconstitucionalidade entre 2002 e 2012, abrangendo o final do governo FHC, os dois mandatos de Lula e o início do governo Dilma. Como a formação do tribunal não foi uniforme entre junho de 2002 e março de 2012, os pontos foram estimados para diferentes períodos, respeitando as nove composições diferentes que o Supremo teve.
Também foram estimados pontos ideais para o Advogado-Geral da União (AGU) e para o Procurador-Geral da República (PGR). Ambos devem se posicionar em todas as ações diretas de inconstitucionalidade, e a comparação dos seus pontos estimados com os dos ministros enriquece a análise das teorias de comportamento judicial.
Apesar de o artigo 131 da Constituição atribuir ao AGU a função de representar e assessorar a União, a mesma Constituição lhe reserva, no artigo 103, outro papel nas ADI: o de advogado de defesa. Assim, ele é, em tese, obrigado a se manifestar em todos os processos defendendo a norma que é alvo da ação. No entanto,  desde a ADI 1616, julgada em 2001, o AGU ficou desobrigado a defender normas em processos em que a jurisprudência do STF aponte para a inconstitucionalidade. Essa possibilidade tornou a atuação do Advogado-Geral da União mais interessante, porque ele passou a ter maior discricionariedade.
Já o PGR deve apresentar um parecer, que pode ser tanto favorável quanto contrário à ação, atuando como custos legis, o fiscal da lei.  Tal qual acontece com a manifestação do AGU, o parecer do PGR não vincula o voto dos ministros: eles podem seguir ou não seguir esse parecer.
Assim, é possível discutir a validade das principais teorias de comportamento judicial (atitudinal, estratégica e jurídica) com os gráficos estimados, apresentados a seguir. Na apresentação dos pontos ideais, os ministros estão classificados em subgrupos, de acordo com o Presidente que os indicou, conforme legenda no canto direito superior.
Os eixos dos gráficos não representam necessariamente uma divisão esquerda-direita ou liberal-conservador. Como os pontos são estimados de acordo com o padrão de votos dos ministros, a interpretação dos eixos depende de uma análise “subjetiva” das divisões ocorridas nas votações.
Figura 1 – 1º período: 20/06/2002 a 24/06/2003.
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Figura 2 – 2º período: 25/06/2003 a 29/06/2004.
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Figura 3 – 3º período 30/06/2004 a 15/03/2006.
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Figura 4 – 4º e 5º períodos: 16/03/2006 a 20/06/2006, 21/06/2006 a 04/09/2007.
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Figura 5 – 6º período: 05/09/2007 a 22/10/2009.
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Figura 6 – 7º, 8º e 9º períodos: 23/10/2009 a 02/03/2011, 03/03/2011 a 18/12/2011, 19/12/2011 a 08/03/2012.
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Pelo modelo atitudinal, na forma que a proxy de ideologia leva em conta o Presidente responsável pela indicação, era de se esperar que os pontos nos gráficos estivessem dispersos de acordo com as cores (já que a cor de cada ministro foi colocada de acordo com o Presidente que o indicou). Não é isso que acontece: pontos vermelhos (indicações de Lula) estão dispersos pelos gráficos, e pontos de outras cores (indicações de outros Presidentes) também não se dividem dessa forma.
Também em relação ao modelo estratégico é possível fazer algumas considerações a partir dos gráficos. A ideia então de que o Supremo não seria completamente independente por temer contrariar o Executivo perde força quando se compara a posição dos ministros com a do AGU, que representaria o governo federal.
Por fim, como salienta a literatura de comportamento judicial, é muito difícil provar objetivamente que um voto é estratégico ou que é sincero (como no modelo jurídico). É a presença do PGR nos gráficos estimados que permite discutir a validade do modelo jurídico. Se, por hipótese, ele de fato segue o seu papel constitucional de custos legis (“fiscal da lei”) e produz pareceres independentes com objetivos estritamente jurídicos, não perseguindo estratégias, a análise da sua localização em relação aos ministros indicaria a validade do modelo para o STF.
Não é possível concluir, portanto, que algum dos três modelos analisados é mais pertinente do que outro para explicar o comportamento judicial no STF. A aplicação do modelo de votação espacial vai ao encontro de outros trabalhos empíricos para o STF: de que o voto de um ministro pouco se correlacionaria com a ideologia do Presidente que o indicou, contrariamente ao que parte da opinião pública pensa sobre a questão. Uma explicação plausível para isso é que, a partir de sua nomeação, o ministro não depende mais do que Presidente que o indicou: não há qualquer mecanismo de recondução, devido à vitaliciedade do cargo.
4. Considerações finais: breve análise do mensalão
A possibilidade deste “comportamento determinístico” do Ministro de acordo com o Presidente que o indicou, conforme o caso Bush v Gore, encontrou respaldo na atuação de parte dos ministros na Ação Penal 470 (mensalão), conforme a Figura seguinte.
Figura 7 – Pontos ideais estimados – Mensalão
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Sem a pretensão de analisar exaustivamente esse julgamento, as coordenadas na dimensão horizontal (esquerda-direita) se relacionam com uma maior ou menor incidência de votos pró-réu, conforme comparação com o ponto estimado do PGR (que em uma ação penal tem o papel de acusador – neste tipo de processo não há participação do AGU).
Embora ministros indicados por Lula estejam dispersos pelo gráfico, na verdade, a divisão esquerda-direita do gráfico parece opor ministros mais novos na corte (indicados depois da divulgação do escândalo) de ministros mais antigos, à exceção de Fux. Essa divisão, por exemplo, seria consoante com o modelo atitudinal, conforme a percepção da opinião pública, dando ensejo à alteração no processo de escolha dos ministros.


Leituras recomendadas:
Teorias de comportamento judicial:
EPSTEIN, L.; KNIGHT, J., The Choices Justices Make. Washington: CQ Press, 1998. 186 p.
EPSTEIN, L.; KNIGHT, J.; MARTIN, A. The Supreme Court as a Strategic National Policymaker. Emory Law Journal, v. 50, p. 583-612, 2001.
POSNER, R How judges think. Cambrige: Harvard University Press, 2008. 400 p.
SEGAL, J.; SPAETH, H. The Supreme Court and the Attitudinal Model. New York: Cambridge University Press, 1992.

Modelo espacial de votação (NOMINATE):
EVERSON, P.; VALLELY, R.; WISEMAN, J. NOMINATE and American Political History: A Primer. VoteView Working Paper, 2009.
POOLE, K.; ROSENTHAL, H. A Spatial Model for Legislative Roll Call Analysis. GSIA Working Paper #5-83-84, 1983.

Literatura empírica para o STF:
JALORETTO, M.; MUELLER, B. O Procedimento de Escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – Uma Análise Empírica. Economic Analysis of Law Review, v. 2, p. 170-187, 2011.
LANNES, O.; DESPOSATO, S.; INGRAM, M. Judicial Behavior in Civil Law Systems: Changing Patterns on the Brazilian Supremo Tribunal Federal. In: CICLO 2012 DO PROGRAMA DE SEMINÁRIOS CIEF-CERME-LAPCIPP-MESP, 2, Brasília, 14. nov 2012.
LEONI, E.; RAMOS, A. Judicial Preferences and Judicial Independence in New Democracies: the Case of the Brazilian Supreme Court. Disponível em: http://eduardoleoni.com/workingpapers/>. Acesso em: 14 out. 2012.
RIBEIRO, R. Política e Economia na Jurisdição Constitucional Abstrata (1999-2004). Revista Direito GV, v. 8, p. 87-108, 2012.

Sobre o Autor:

Pedro Fernando Nery
Doutorando e Mestre em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado da área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Compromisso e responsabilidade

Estados Unidos e Inglaterra são duas potências que construíram a pujança de suas economias e do progresso social que usufruem investindo de maneira determinada e continuada em educação.

De lá vem a experiência colhida pelo governo do Estado de São Paulo para promover um salto de qualidade, uma guinada no modelo educacional paulista.

Um dos pontos mais destacados do modelo é a adoção de uma política de compromissos. Ensina o planejamento que a conquista de metas e objetivos deriva da qualidade dos compromissos assumidos. Se algo não vai bem ou encontra-se fora de controle, é bastante provável que a carta de compromissos encontra-se eivada de vícios, equívocos ou pura má fé.

O planejamento como a educação no Brasil são historicamente tratados a pão e água. Onipresentes nos discursos, na verve e no proselitismo político, foram lançados à categoria do “bonito de falar para jamais aplicar”.

Ao se estabelecer compromissos e pactuar responsabilidades o que se busca é a construção coletiva, o fazer solidário. Nada que lembre o “fiz minha parte, o resto é que se dane!” o “cada um por si de Deus por todos” ou o “não tenho nada a ver com isso!”. Construção coletiva implica em ser reconhecido quando se cumpre metas e, na ponta oposta, ser chamado à responsabilidade quando se deixa de fazê-lo.

Como o pacto de compromissos encontra-se no centro estratégico do novo modelo, professores, coordenadores, direção e servidores da unidade escolar deverão planejar suas atividades especificando claramente o que, quando, onde e de que modo fazer. Implica dizer que a equipe pedagógica será submetida a periódicas avaliações, respondendo pelos resultados. Quando positivos, a contrapartida do Estado se materializará por bonificações por merecimento e incremento do orçamento para a escola. Mas quando negativos, a resposta se materializará com um corolário de punições como a redução orçamentária podendo chegar, no limite, ao fechamento da escola.

Outro aspecto relevante do novo modelo paulista é a implantação do currículo unificado. Isso no Brasil sempre funcionou de mentirinha, sempre existiu de forma muito precária. Como os problemas de gestão são crônicos, raramente os professores se orientam e cumprem os planos de aula e de curso. Com freqüência o que geralmente ocorre é que os próprios professores acabam definindo, unilateralmente, que capítulo do livro ministrar, qual adaptar, qual fatiar, que seções simplesmente desconsiderar,... A partir da nova sistemática os conteúdos pedagógicos serão repassados integralmente, se necessário com a reposição e a readequação da carga horária.

Um terceiro ponto compõe o tripé desse novo arranjo organizacional: é a aplicação de avaliações regulares ao término de cada etapa ou ciclo.

Felizmente, nos últimos anos, o Ministério da Educação tem submetido o setor a um virtuoso processo de avaliação. Da educação básica ao nível superior, a cultura da avaliação já se encontra internalizada, dentre nós.

Na batalha para resgatar o papel da educação brasileira, colocando-a como ponta de lança do processo de desenvolvimento econômico e social, os fatos evidenciam que o Estado de São Paulo está na dianteira. Estou plenamente convencido que o sucesso logo se mostrará intenso, avassalador. A ponto de retirar da leniência as demais unidades da federação.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.