quinta-feira, 29 de março de 2018

Compensação financeira ambiental



Todo empreendimento sujeito a licenciamento ambiental subsidiado por Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) deve destinar até 0,5% do valor de seu investimento para manutenção/criação de Unidades de Conservação (UCs), como parques, estações ecológicas, reservas biológicas, por exemplo.
Trata-se de uma "compensação financeira" em decorrência dos impactos negativos gerados com a implantação desses empreendimentos, prevista na chamada Lei do SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal nº 9.985/2000, art. 36) e nos respectivos regulamentos (Decreto Federal nº 4.519/2002 e 4.340/2002).
As normas não previam expressamente a metodologia de destinação desses recursos, ou seja, se o empreendedor deveria cumprir a compensação pela via "indireta", na qual se obriga apenas a depositar o valor, ou, "direta", pela qual se responsabiliza pela execução em si das ações ambientais voltadas às UCs, como regularização fundiária e elaboração e implantação dos seus respectivos planos de manejo.
Há alguns aspectos ainda nebulosos na MP. Um deles é a dispensa de Licitação beneficiando somente instituições oficiais
A execução indireta (depósito) pode ser mais vantajosa para os empreendedores que não possuem expertise em serviços voltados à criação/manutenção de UCs, pois demanda contratações de terceirizadas, assunção de prazos de execução, dentre outros procedimentos. Na via direta, por sua vez, abrese um longo caminho de medidas, prazos e compromissos para atender a finalidade da norma.
Diante de ausência de previsão legal, muitas discussões foram travadas envolvendo o tema. Até então, decisões do Tribunal de Contas da União e pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) revelavam posicionamento favorável à via direta, sob fundamento de que não havia legislação que previsse a possibilidade de se alocar os recursos mediante aporte financeiro.
Para viabilizar a execução indireta, no dia 04 de dezembro 2017, foi publicada a Medida Provisória (MP) 809, deixando a cargo do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) - o órgão gestor das UCs em âmbito federal - selecionar instituição financeira oficial (dispensada de Licitação), para criar e administrar um fundo privado a ser integralizado com os recursos decorrentes da compensação do SNUC.
Conforme previsto na MP, o depósito integral do valor desonera o empreendedor das obrigações relacionadas à compensação, preenchendo importante lacuna a respeito do pagamento pecuniário da compensação na tentativa de solucionar a controvérsia de gestão desses recursos.
De toda forma, há alguns aspectos ainda nebulosos na MP. Um deles é a dispensa de Licitação beneficiando somente instituições oficiais. Inclusive, sobre o tema, vale citar a Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, em 2009, envolvendo supostas Irregularidades no convênio celebrado entre o órgão ambiental estadual (INEA) e o Funbio (Fundo Brasileiro de Biodiversidade), em especial por não ter sido precedido de Licitação. No momento, segue válida a decisão proferida em outubro de 2016, pela nulidade do convênio, proibição de repasses e de gerenciamento de qualquer valor referente à compensação envolvida na lide, além de encaminhamento de contas detalhadas das contratações, até então realizadas, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Apesar da discussão no Estado não ser voltada à metodologia de execução (se direta ou indireta), gerou insegurança para aplicação da via indireta pelo órgão ambiental, inviabilizando a sua aplicação. Esse posicionamento deve ser revisto agora com o advento da MP, inclusive considerando a legislação estadual que já prevê essa possibilidade.
Outra novidade importante é que em 7 de fevereiro deste ano, o próprio ICMBio adaptou sua legislação e publicou a Instrução Normativa nº 3, regulamentando os procedimentos para celebração do Termo de Compromisso, com disposições específicas sobre a execução direta e indireta, "execução pelo fundo da compensação ambiental".
Vale ressaltar que a MP já vem sendo alvo de críticas, a exemplo da desapropriação de imóveis (inseridos em UCs beneficiárias da compensação) pela instituição financeira e não pelo órgão gestor da unidade.
Outro ponto ainda indefinido diz respeito ao índice de atualização dos valores, fixado pelo IPCA-E, mas sem especificar a data de partida. Na prática, ocorre a partir da imposição da obrigação na licença ambiental, mas sem previsão legal, pode ainda ser passível de questionamento.
Não menos importante é a própria avaliação da urgência e relevância do tema para que se optasse pela regulamentação via Medida Provisória, muito embora seja inquestionável a relevância da matéria.
Apesar das fragilidades apontadas, o advento da MP molda e suporta, com maior segurança, a possibilidade da execução indireta, via aporte financeiro, medida esta que poderá gerar maior eficiência na proteção do meio ambiente se gerida de forma adequada e com a transparência devida pelos órgãos ambientais.
Por Luciana Gil e Thais Monteiro, no Valor Econômico

quarta-feira, 28 de março de 2018

Excepcionais, saúde e judicialização



A qualquer momento o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento dos recursos que discutem a eventual obrigação da administração em dispensar, gratuitamente, medicamentos excepcionais, entendidos tais como os de alto custo, que tratam doenças de baixa incidência populacional e não contemplados pelas políticas ordinárias de assistência farmacológica, cuja principal estratégia são as listas de dispensação obrigatória.
O tema em questão não poderia se dar em contexto mais dramático: os excepcionais são também denominados drogas-órfãs, porque os altos custos de produção versus a baixa incidência populacional da moléstia geram inviabilidade econômica que só é revertida pelo alto preço do medicamento, além de incentivos governamentais.
Os pacientes acometidos por doenças tais estão longe de constituir a maioria: ao contrário, o risco de serem eles excluídos dos planos e programas definidos pelos poderes majoritários é considerável. Esses pacientes podem ser subrepresentados no jogo democrático, e aí que surge o Judiciário, com seu importante e inevitável papel contra-majoritário, para não deixar tais doentes à mercê dos interesses inerentes ao processo político.
O caso em debate no STF é diferente da imensa maioria dos processos que tratam do indiscutível problema da judicialização da saúde O caso em debate no STF é diferente da imensa maioria dos processos que tratam do indiscutível problema da judicialização da saúde. Ainda que o tema tenha sido explorado ao longo dos últimos anos, principalmente nas altas instâncias, ainda prevalece em juízo o uso do que denominei "argumento linear", baseado simplesmente em lógica jurídica fundada em silogismo linear para tratar de tema profundamente complexo. Segundo o argumento, se a saúde é direito fundamental e a Constituição assegura o direito de gozo de políticas e bens preventivos e curativos dispensados pelo Estado, então o Estado tem de ser condenado a prover tais bens ao jurisdicionado que deles for privado, sobretudo por omissão. Sendo assim, o STF deveria determinar ao Estado do Rio Grande do Norte que entregasse o citrato de sidenalfina à requerente.
A controvérsia não é tão linear, contudo, e os ministros já perceberam isso. O principal aspecto desse, que é um dos grandes problemas institucionais deste século, é a profunda assimetria de informações entre dois atores institucionais com instância decisória na política de medicamentos: o Executivo e o Judiciário.
A decisão judicial que ordena a entrega gratuita de qualquer medicamento, alheia às listas de dispensação obrigatória, impõe ao Poder Público demandado um inesperado ônus que o força a movimentações financeiras que podem deixar desatendidos os beneficiários de uma ou outra política. As listas fazem parte do planejamento da autoridade para cumprir a política farmacêutica do SUS, mas a pouca afeição dos juízes a temas técnicos sanitários contrasta com o alto grau de especialização dos definidores das listas. Não somente o caso de enviesamento da listagem para favorecer A ou B ou da ineficiência do Poder Público que fazem com que os magistrados desconfiem das listas - ao contrário, é de se presumir a legalidade do procedimento administrativo de inclusão nas listas, do nascedouro ao término -, mas seu próprio desinteresse de descortinar aspectos técnicos faz com que, no mais das vezes, o Judiciário não se alinhe com critérios eleitos pelo Executivo.
Essa natural incompatibilidade prejudica as políticas de saúde como um todo: aquele que estabelece como e onde aplicar os recursos - o Executivo - não é o mesmo que tem a palavra final - o Judiciário. O TCU apontou que, em sete anos, os gastos com a judicialização da saúde aumentaram 1000%, alçando, em 2015, um R$ 1 bilhão.
Há um claro desalinhamento entre as instituições. Se o Judiciário decide entregar um fármaco usando a técnica "command-andcontrol", o Executivo rapidamente responde, seja descumprindo essa decisão, seja realocando recursos para fazer frente, seja, enfim, internalizando os custos da judicialização, é dizer, prevendo tais despesas para o próximo exercício, o que também implica, efetiva ou potencialmente, em desmantelamento das políticas estabelecidas. Se antes a judicialização da saúde era qualificada pela presunção de justiça da decisão, hoje não mais, ainda que haja casos em que a intervenção seja justificável.
É tempo de tratar o problema como se deve. Não basta apenas o diálogo entre juízes, administradores públicos e partes interessada, mas ao Executivo cabe gerir a saúde pública da melhor e mais eficiente maneira possível, e ao Judiciário respeitar mais essa atuação, agindo verdadeiramente de maneira excepcional. Essa não é uma tarefa para juízes - ou não deveria ser. Executivo mais diligente e transparente; Judiciário mais moderado.
Tomara que a decisão do Supremo sirva para trazer mais luz ao grave quadro da intervenção jurisdicional em políticas públicas de saúde.
Marco Antonio da Costa Sabino é sócio de Mannrich e Vasconcelos Advogados, pósdoutor pela Universidade de Coimbra, foi Academic Visitor na Universidade de Oxford. Professor do Ibmec, FIA, BSP e Fundação Dom Cabral.
Por Marco Antonio da Costa Sabino, no Valor Econômico