quinta-feira, 30 de abril de 2020

A retomada de Angra 3 ainda demora



Em construção há 42 anos, a usina Angra 3 precisa ainda de mais R$ 15,5 bilhões, mas o governo não tem recursos

Paralisadas desde 2015, as obras de construção da usina nuclear Angra 3 devem ser retomadas no primeiro semestre de 2021 e concluídas até 2026, conforme prevê o cronograma da Eletronuclear. Caso o calendário seja cumprido, a inauguração acontecerá 42 anos após o lançamento da pedra fundamental.

Até o momento, foram concluídos 62,8% das obras de engenharia, nas quais foram gastos mais de RS 8,3 bilhões, principal mente na compra de equipamentos importados da Alemanha e da França, como geradores, vasos metálicos e tubos, que estão armazenados no canteiro de obras, na praia de Itaorna, em Angra dos Reis (RJ), ao lado de Angra 1 e Angra 2, que operam normalmente. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), foram executados 79,9% dos suprimentos, 67,3% das obras civis e 10,8%da montagem eletromecânica.

Apenas para manutenção dos equipamentos, o governo federal gasta R$ 36 milhões por ano. Para concluir os 37,2% restantes, são necessários mais R$ 15,5 bilhões. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se comprometeu a colaborar, mas o governo federal não tem de onde tirar tais recursos.

A solução, segundo relatório do TCU enviado ao Ministério de Minas e Energia (MME), poderia ser por meio de parceria com a iniciativa privada, mas com estudos a respeito dos custos e viabilidade econômica. “Especialmente quanto aos montantes de investimentos realizados e previstos, além dos custos de operação e manutenção”, disse no relatório o ministro-relator Walton Alencar Rodrigues.

Inicialmente, estava previsto que os estudos sobre o modelo de negócio seriam analisados até o fim de março pelo Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), formado por ministros e representantes das agências reguladoras. Com o coronavírus, não há data definida para a escolha, mas o prazo inicial para conclusão está de pé. Também em razão da pandemia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou a possibilidade de privatizar a Eletrobras (controladora da Eletronuclear) em 2020, o que obrigaria uma reestruturação societária da União, porque, por força constitucional, a Eletronuclear não pode ser privatizada.

A maior dúvida é quanto ao custo do megawatt/hora (MWh) apontado por consultorias ao TCU. Segundo os estudos, o preço de R$ 480 MWh, estimado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para Angra 3, é superior ao das demais fontes energéticas (hidrelétricas, termelétricas, eólica, solar e biomassa) previstas no Plano Decenal de Energia 2026, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ainda mais considerando que a potência instalada será de 1.405 MW - bem inferior à da Hidrelétrica de Itaipu, com 14 mil MW.

Segundo Leonain dos Santos Guimarães, presidente da Eletronuclear, a crítica é improcedente. “Trata-se de um preço de referência, que será reduzido quando estiver definido o processo de escolha do parceiro da Eletronuclear para a conclusão do empreendimento.” Ele cita o custo das termelétricas, que alcançou R$ 770 MWh, quando houve o acionamento da bandeira tarifária 2 (amarela ou vermelha) em 2018.

Guimarães aponta a importância da usina para a região Sudeste. “A geração vinda de Angra 3 será suficiente para atender 4,45 milhões de pessoas. Quando finalizada, a geração das três usinas da central nuclear será equivalente a 68% do consumo do Estado do Rio de Janeiro e 6% do país.” Hoje, a contribuição de Angra 1 (640 MW) e de Angra 2 (1.350 MW) representa 3% do consumo do Brasil e equivale a 40% da energia consumida no Estado do Rio de Janeiro.

Em conjunto com a Coppe-UERJ, a Eletronuclear desenvolveu um estudo, no qual foram prospectadas 40 grandes áreas propícias para novas usinas, principalmente no Sudeste e Nordeste. Em 2019, o MME anunciou a intenção de construir seis novas usinas nucleares até 2050, com um custo estimado de US$ 30 bilhões.

Para Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), as características do país devem contribuir para atrair o capital externo. “O Brasil conta com a sexta maior reserva global de urânio, detém a tecnologia de beneficia mento e enriquecimento e capacidade de fabricação dos elementos combustíveis a serem usados nas plantas. A maior parte dos equipamentos está paga. O problema maior está na capacitação das empresas nacionais de engenharia civil, porque as maiores foram atingidas pela Lava Jato.”

Para a consultora Lavinia Hollanda, diretora- executiva da consultoria Escopo Energia, a conclusão de Angra 3 é justificável pelo que já foi investido, mas os eventuais futuros empreendimentos devem merecer uma reflexão mais aprofundada quanto à relação custo-benefício.

Por Guilherme Meirelles, na Revista Valor Setorial  






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quarta-feira, 29 de abril de 2020

ECONOMIA - De olho no futuro


Com a perspectiva de terminar o ano com uma retração na economia que pode fazer o PIB recuar 5% ou mais, o governo apresenta um plano com DNA militar que surge como salvação para reativar empregos e minimizar os estragos da pandemia.

A manchete poderia estar em qualquer noticiário das últimas semanas: “Governo se mostra inoperante frente à pandemia”. Só que ela é de 15 de outubro de 1918 e foi estampada na capa do periódico carioca Gazeta de Notícias, no auge do impacto da gripe espanhola no Brasil. A matéria criticava o então presidente Venceslau Brás e seu diretor de saúde pública Carlos Seidl. Era o final do mandato de Brás, que não esteve à frente do País no período pós-pandemia. Jair Bolsonaro, que está apenas em seu segundo ano de governo, pode não ter a dimensão exata dos danos da Covid-19 na saúde pública, mas sabe que enfrentará uma retração econômica brutal, que pode fazer com que o PIB recue em 5% ou mais. Para atenuar a gravidade da crise após o arrefecimento da doença, seu governo começa a montar planos para tentar deixar a atividade econômica aquecida. O objetivo evidente é que a doença não contamine também seus dois anos de gestão antes da eleição de 2022.

Na quarta-feira 22 o governo tentou apresentar o que pode ser classificado como uma versão brasileira do Plano Marshall, desenhado por um general americano para tirar a Europa e o mundo da depressão inevitável após a Segunda Guerra. Chamado Pró-Brasil, o plano nacional pode até ter sido inspirado no dos EUA, como afirma o ministro da Casa Civil general Walter Braga Netto. Comparando os dois, contudo, fica evidente que eles pouco se assemelham. O objetivo do Pró Brasil, segundo as palavras do padrinho da medida, é reativar obras públicas, incentivar a cadeia produtiva e usar recursos do Tesouro. “Assim podemos evitar a escalada do desemprego”, afirmou Braga Netto durante a coletiva de imprensa para apresentar o plano. A ideia lembra mais o New Deal, nome dado à série de programas criados também nos Estados Unidos pelo então presidente Franklin Delano Roosevelt para recuperar após a Grande Depressão de 1929. Enquanto o Plano Marshall injetou na economia o equivalente a US$ 100 bilhões de dólares dos dias atuais, o programa brasileiro ainda caminha no plano das ideias, com metas genéricas do tipo “reativar canteiros de obras públicas” sem detalhar quais regiões ou tipo de obra poderão ser priorizadas.

“Serão obras de saneamento, que beneficiam a população, ou obras rodoviárias, para ajudar transportadoras?”, questiona Alberto Caiero, professor de macroeconomia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O argumento de Braga Netto para não dar muitos detalhes foi o fato de se tratar, segundo ele, de um projeto mais amplo de País. “Não é um programa só de governo, é de Estado. A nossa previsão de trabalho deste programa está em um universo temporal de dez anos, até 2030. Estamos pensando a longo prazo”, afirmou. Além de Braga Netto, participaram da coletiva os ministros da Saúde, Nelson Teich; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; do Turismo, Marcelo Álvaro e da Secretaria de Governo, Luiz Ramos. Todos apresentaram as medidas mais recentes de seus ministérios no enfrentamento ao coronavírus. O governador do Distrito Federa, Ibaneis Rocha, também esteve presente.

A maior surpresa foi o anúncio não contar com nenhum representante do Ministério da Economia, o que denota a falta de coordenação do Executivo.

Entre os ministérios mais demandados no programa está o da Infraestrutura, onde a perspectiva é que o pacote consuma cerca de R$ 30 bilhões para retomar 70 obras que estão paralisadas ou sendo tocadas abaixo da sua capacidade total. Entre elas estão rodovias, ferrovias e terminais portuários. “Sabemos que o forte investimento em obras públicas é um traço de governos militares, como aconteceu nos anos 1970 e 1980”, afirma a historiadora Selina Dias, pós-doutorada em história da economia brasileira e docente convidada da Universidade de São Paulo (USP). Essa percepção tem fundamento. Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, não só Braga Netto está apadrinhando o programa como seus pares no Exército têm ampla simpatia por um projeto que eleve de forma rápida o emprego e garanta a percepção de “volta à normalidade”.

Um obstáculo pode ser o ministro da Economia, Paulo Guedes, que possui uma visão menos populista sobre medidas para fomentar empregos com dependência de aparatos públicos. Talvez por isso não tenha sido convidado para a coletiva que anunciou o Pró-Brasil. Mesmo assim, pessoas próximas a ele dizem que acabou concordando com o plano. Sua maior preocupação será com a conta para os cofres públicos. Apesar de as medidas serem importantes para a recuperação do emprego, não se pode perder de vista a escalada dos gastos. A estimativa do ministério da Economia é que a crise da Covid-19 já consumiu mais de R$ 800 bilhões, sendo R$ 400 bilhões de impacto fiscal direto, fator que prejudicará, e muito, a saúde financeira do governo. Nesse ritmo, o governo poderá chegar ao fim de 2021 com uma dívida pública que ultrapassa o PIB.

A criação de empregos em grande escala, contudo, pode aliviar essa conta, uma vez que o aumento da renda por meio da massa salarial faz girar a roda da economia como um todo e eleva a arrecadação. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, estima que as obras possam gerar entre 500 mil e 1 milhão de novos postos de trabalho nos próximos três anos, e a ideia é começar por canteiros que já estejam com um grau avançado tanto na obtenção de licenças quanto na liberação do Tribunal de Contas da União (TCU). A escolha dessas obras ficará a cargo de dois ministérios: Desenvolvimento Regional e Minas e Energia. Eles mapearão, dentro dos estados, obras que possam ser reativadas de modo célere, seja de infraestrutura ou de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida.

A RESPOSTA PAULISTA Estado mais afetado pela Covid-19, São Paulo começa a enxergar uma luz no fim do túnel para a economia. Pelo menos é o que acredita o governador João Doria (PSDB). De acordo com ele, os paulistas poderão começar a retomar (ainda que lentamente) uma rotina mais flexível a partir de 11 de maio. “Isso só será possível porque conseguimos achatar a curva de infecção e manter a ocupação dos leitos de tratamento sob controle”, disse. Sobre a reabertura gradual da economia em algumas cidades do Estado, o governador afirmou que levará em conta situações locais, regionais e setores que possam retomar gradativmente economia com as devidas medidas de proteção.

O chefe do executivo paulista afirmou ainda que houve uma reclusão de 57% dos habitantes do estado durante o feriado de Tiradentes, em 21 de abril, o que evidenciou o comprometimento da população com as diretrizes de saúde. O tucano, que também está no segundo ano de mandato e olhando para 2022, tem insistido na tecla de que baseia suas escolhas em evidências científicas e na experiência de países que começaram a enfrentar surtos do novo coronavírus antes do Brasil. Desde o início da pandemia, Doria tem sido o maior opositor das falas e comportamentos de Bolsonaro, tendo afirmado inclusive seu arrependimento no apoio dado ao então candidato à Presidência. Sobre o fim do isolamento, o governador foi ponderado: “Não estamos dizendo que vamos deixar de ter quarentena depois de 10 de maio. Teremos o Plano São Paulo, que vai estabelecer áreas, setores, que poderão ser distendidos, e outros não”. Segundo o governador, a implementação acontecerá de forma “faseada, regionalizada e setorial”, o que só é permitido por haver dados e preparo do sistema de saúde. Doria e Bolsonaro estão de olho no futuro, agora em lados opostos.

Por Paula Cristina, na Revista Isto é
  





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segunda-feira, 27 de abril de 2020

PODER - A PANDEMIA ELEITORAL



Teorias da conspiração, troca de acusações, disputa por cargos e bravatas permeiam a crise

A foto que abre esta reportagem revela um candidato em ação. Um candidato a autocrata, que participa de uma manifestação a favor da intervenção militar e do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Um candidato à reeleição, que radicaliza o discurso com o objetivo de reagrupar sua base de apoio, cada vez mais titubeante nas redes sociais. Um candidato a incendiário-geral da República, que dobra a aposta no confronto quando se espera dele que lidere o país e unifique os esforços destinados a atenuar os efeitos da pandemia do novo coronavírus. Ao subir numa caminhonete em frente ao quartel-general do Exército em Brasília, no domingo 19, Jair Bolsonaro encenou todos esses papéis, menos o mais importante: o de presidente. Sua atitude provocou as reações de repúdio de praxe — a maioria delas, aliás, pautada pelos mesmos interesses politiqueiros, num período em que a energia dos poderosos deveria se concentrar em um único propósito: salvar vidas. A magnanimidade, porém, é virtude rara.

Desde o início de seu mandato, Bolsonaro radicaliza e depois recua, radicaliza e depois recua, testando os limites das instituições. Diversionista por natureza, sempre elege adversários de ocasião para não ter de dar explicações sobre os muitos problemas de sua administração. Em plena pandemia, ele passou a atacar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), sob o pretexto de que o deputado patrocina uma pauta-bomba para desestabilizar o governo. A preocupação presidencial, no entanto, vai além disso. Bolsonaro suspeita que Maia — com o apoio de ministros de tribunais superiores — possa abrir um processo de impeachment contra ele. Por isso conclamou sua soldadesca a bater sem dó no parlamentar, a fim de intimidá-lo. Bolsonaro também iniciou uma operação para esvaziar a influência do desafeto sobre os deputados e impedir que ele se reeleja à presidência da Câmara no ano que vem. Pelas normas atuais, Maia e o comandante do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), não podem disputar o cargo em 2021, mas ambos, também guiados por interesses pessoais, agem nos bastidores para mudar a regra do jogo.

Em sua cruzada, o presidente desmoralizou de vez seu discurso contra o toma lá dá cá e se rendeu às negociações com partidos conhecidos por mercadejar seu apoio em troca de cargos e outras benesses. Entre eles, o PP do petrolão, o PL do mensalão e o Republicanos, a nova sigla de Flávio e Carlos Bolsonaro. Com sete mandatos de deputado no currículo, Bolsonaro conhece bem o apetite dessa turma, tanto que está oferecendo a essas legendas o controle, entre outros, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), cujos orçamentos neste ano são de, respectivamente, 54 bilhões de reais e 1 bilhão de reais. A meta é montar uma base parlamentar contra um eventual processo de impeachment. Em suas negociações com a velha política, o presidente mostrou simpatia pelas pré-candidaturas ao comando da Câmara de Arthur Lira (PP), denunciado na Operação Lava-Jato, e de Marcos Pereira (Republicanos), delatado pelo empresário Joesley Batista. Fez isso dias antes de declarar, no comício antidemocrático de domingo passado, coisas como “acabou a época da patifaria, é agora o povo no poder” e “não queremos negociar nada”.

Em entrevista a VEJA, publicada na edição passada, Rodrigo Maia afastou a possibilidade de abrir um processo de impeachment. É fato, no entanto, que discussões sobre o assunto ganharam fôlego em Brasília, inclusive dentro de um grupo apelidado de “resistência democrática”, que reúne congressistas, ministros do STF e integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU). Há tempos eles conversam sobre quais estratégias Bolsonaro pode empregar para se segurar no cargo — por exemplo, mandar o ministro da Justiça, Sergio Moro, perseguir adversários — e sobre como seria um governo do vice Hamilton Mourão. O grupo, que quer a reeleição de Maia na Câmara, não descarta o seguinte cenário: nos próximos meses, haverá um salto no número de mortos pela Covid-19 no Brasil e os impactos negativos da crise no bolso das pessoas se tornarão mais contundentes. Assim, a popularidade do presidente, hoje na casa dos 30%, poderá cair a ponto de abrir caminho para um processo contra Bolsonaro. De nada adiantaria ao presidente culpar os governadores pela derrocada econômica.

“Como se diz na minha terra, tem uma hora que o problema é federal”, afirmou a VEJA um ministro que faz parte da tal “resistência democrática”. Pela Constituição, um processo de impeachment requer a ocorrência de um crime de responsabilidade. Pode ser só coincidência, mas órgãos de controle já mandaram recados à equipe econômica sobre os riscos da utilização de bancos públicos para o pagamento, por exemplo, do auxílio emergencial de 600 reais a trabalhadores informais. O ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ouviram que a falta de cobertura pelo Tesouro Nacional pode levar a uma futura rejeição da prestação de contas do presidente — e que isso poderia ser o estopim para a cassação do mandato. “Antes era Guerra Fria. Agora virou batalha campal”, diz outro integrante do grupo. Nessa selva de pedra, a briga entre Bolsonaro e Maia é insuflada por Paulo Guedes, o czar da economia. O ministro e o deputado começaram a se estranhar durante a tramitação da reforma da Previdência, quando Guedes recomendou ao povo dar uma prensa no Legislativo.

O ministro Paulo Guedes rebate dizendo que Rodrigo Maia deseja apenas o protagonismo, não trabalha e que, se quisesse, acabaria com o deputado em cinco minutos Alan Santos/PR

No fim do ano passado, o Congresso aprovou uma lei que tirava do Executivo e passava para o Legislativo o controle de 30 bilhões de reais do Orçamento da União. Em conversas reservadas, Guedes reclamou: “Impressionante, né? Para aprovar 30 bilhões de reais, Rodrigo Maia fez tudo isso em um dia. Para arrumar a grana deles, é rápido. Mas para quem precisa demora”. A animosidade cresceu diante da cobrança de Maia para que Guedes enviasse ao Parlamento as propostas do governo das reformas tributária e administrativa. Com a pandemia do coronavírus, houve uma tentativa de armistício. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, convocou Maia e líderes partidários para uma reunião com Guedes, o presidente do Banco Central e o então ministro da Saúde Henrique Mandetta sobre a pandemia, o único tema que, segundo o presidente da Câmara, unia o governo ao Congresso naquele momento. Deu tudo errado.

No encontro, Guedes repetiu apenas seu mantra a favor das reformas. Maia retrucou: “Paulo, e o setor aéreo, que vai parar daqui a alguns dias? Como vocês vão resolver esse problema? E o setor de bares e restaurantes?”. O ministro nada respondeu na hora. No dia seguinte, em entrevista a VEJA, Guedes declarou que com 3, 4, 5 bilhões de reais o governo aniquilaria o coronavírus. Maia reproduziu essa frase em seu Twitter para sugerir que o ministro não tinha a dimensão do problema. Guedes reagiu mandando uma mensagem ao parlamentar: “Você me colocou numa armadilha naquela reunião com os deputados”. Maia retrucou: “Combinei com o Jorge uma reunião sobre coronavírus, e você foi lá tratar de reforma. Não te botei em armadilha nenhuma”. A partir daí, a situação degringolou. Guedes defendeu uma proposta de auxílio emergencial de 200 reais a trabalhadores informais, mas Maia convenceu os deputados a subir o valor para 500 reais. No fim, para garantir a paternidade da bondade, Bolsonaro bateu o martelo em 600 reais.

Com o valor definido, Guedes aventou a possibilidade de só pagar caso fosse aprovada uma emenda constitucional autorizando o gasto. Maia reagiu, disse que não era necessário e venceu a queda de braço. O presidente da Câmara ainda organizou a aprovação de uma emenda constitucional, a PEC do Orçamento de Guerra, para tirar as amarras ao gasto público durante a pandemia. A proposta só foi analisada pelo Ministério da Economia depois de muita insistência do deputado. “O Guedes está completamente perdido. Não tem proposta. Não sabe como sair da crise. Tem atrapalhado o governo. Muitas pessoas do palácio têm a mesma opinião”, disparou Maia numa conversa reservada. “Na reunião que o ministro Luiz Eduardo Ramos fez com líderes de partidos, ele não deixou o Guedes ir, porque achava que o Guedes ia piorar a relação do Parlamento com o governo”, acrescentou. O ministro reage principalmente nos encontros com Bolsonaro. Neles, alega que o deputado é peça-chave de um complô organizado com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), pré-candidato à Presidência, cujo objetivo é desestabilizar a equipe econômica e o governo, dificultando a reeleição de Bolsonaro. A proposta de socorro financeiro a estados e municípios aprovada pela Câmara seria a prova disso.

Segundo Guedes, a versão original defendida por Rodrigo Maia causaria um impacto de 285 bilhões de reais. Por isso foi tachada de pauta-bomba, já que sangraria os cofres da União, e de peça da conspiração eleitoral, pois encheria os caixas de governadores que podem enfrentar o presidente em 2022. Já Maia alega que o texto aprovado tem impacto de cerca de 90 bilhões de reais. Devido a essa diferença de números, o deputado declarou em entrevista a VEJA que o ministro não era sério. Guedes não respondeu publicamente, mas a pessoas próximas soou desafiador: “Se o Rodrigo Maia trabalhasse 10% do tempo em que fica dando entrevista, já estaria bom. Se eu quisesse, acabaria com ele em cinco minutos”. Ameaças à parte, Guedes está negociando com Davi Alcolumbre a votação de um novo pacote de socorro a estados e municípios, em substituição à proposta de Maia. Alcolumbre está empenhado no acordo com o ministro. Não é à toa. Sua meta é concorrer à reeleição à presidência do Senado com a bênção do governo. Em tempo: enquanto cada uma dessas autoridades defende seu projeto pessoal de poder, o Brasil já ultrapassou a marca de 50?000 infectados e 3?300 mortos em razão do novo coronavírus.

Por Daniel Pereira, Thiago Bronzatto, Laryssa Borges, na Revista Veja






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domingo, 26 de abril de 2020

ECONOMIA - De olho no futuro



Com a perspectiva de terminar o ano com uma retração na economia que pode fazer o PIB recuar 5% ou mais, o governo apresenta um plano com DNA militar que surge como salvação para reativar empregos e minimizar os estragos da pandemia.

Amanchete poderia estar em qualquer noticiário das últimas semanas: “Governo se mostra inoperante frente à pandemia”. Só que ela é de 15 de outubro de 1918 e foi estampada na capa do periódico carioca Gazeta de Notícias, no auge do impacto da gripe espanhola no Brasil. A matéria criticava o então presidente Venceslau Brás e seu diretor de saúde pública Carlos Seidl. Era o final do mandato de Brás, que não esteve à frente do País no período pós-pandemia. Jair Bolsonaro, que está apenas em seu segundo ano de governo, pode não ter a dimensão exata dos danos da Covid-19 na saúde pública, mas sabe que enfrentará uma retração econômica brutal, que pode fazer com que o PIB recue em 5% ou mais. Para atenuar a gravidade da crise após o arrefecimento da doença, seu governo começa a montar planos para tentar deixar a atividade econômica aquecida. O objetivo evidente é que a doença não contamine também seus dois anos de gestão antes da eleição de 2022.

Na quarta-feira 22 o governo tentou apresentar o que pode ser classificado como uma versão brasileira do Plano Marshall, desenhado por um general americano para tirar a Europa e o mundo da depressão inevitável após a Segunda Guerra. Chamado Pró-Brasil, o plano nacional pode até ter sido inspirado no dos EUA, como afirma o ministro da Casa Civil general Walter Braga Netto. Comparando os dois, contudo, fica evidente que eles pouco se assemelham. O objetivo do Pró Brasil, segundo as palavras do padrinho da medida, é reativar obras públicas, incentivar a cadeia produtiva e usar recursos do Tesouro. “Assim podemos evitar a escalada do desemprego”, afirmou Braga Netto durante a coletiva de imprensa para apresentar o plano. A ideia lembra mais o New Deal, nome dado à série de programas criados também nos Estados Unidos pelo então presidente Franklin Delano Roosevelt para recuperar após a Grande Depressão de 1929. Enquanto o Plano Marshall injetou na economia o equivalente a US$ 100 bilhões de dólares dos dias atuais, o programa brasileiro ainda caminha no plano das ideias, com metas genéricas do tipo “reativar canteiros de obras públicas” sem detalhar quais regiões ou tipo de obra poderão ser priorizadas.

“Serão obras de saneamento, que beneficiam a população, ou obras rodoviárias, para ajudar transportadoras?”, questiona Alberto Caiero, professor de macroeconomia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O argumento de Braga Netto para não dar muitos detalhes foi o fato de se tratar, segundo ele, de um projeto mais amplo de País. “Não é um programa só de governo, é de Estado. A nossa previsão de trabalho deste programa está em um universo temporal de dez anos, até 2030. Estamos pensando a longo prazo”, afirmou. Além de Braga Netto, participaram da coletiva os ministros da Saúde, Nelson Teich; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; do Turismo, Marcelo Álvaro e da Secretaria de Governo, Luiz Ramos. Todos apresentaram as medidas mais recentes de seus ministérios no enfrentamento ao coronavírus. O governador do Distrito Federa, Ibaneis Rocha, também esteve presente.

A maior surpresa foi o anúncio não contar com nenhum representante do Ministério da Economia, o que denota a falta de coordenação do Executivo.

Entre os ministérios mais demandados no programa está o da Infraestrutura, onde a perspectiva é que o pacote consuma cerca de R$ 30 bilhões para retomar 70 obras que estão paralisadas ou sendo tocadas abaixo da sua capacidade total. Entre elas estão rodovias, ferrovias e terminais portuários. “Sabemos que o forte investimento em obras públicas é um traço de governos militares, como aconteceu nos anos 1970 e 1980”, afirma a historiadora Selina Dias, pós-doutorada em história da economia brasileira e docente convidada da Universidade de São Paulo (USP). Essa percepção tem fundamento. Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, não só Braga Netto está apadrinhando o programa como seus pares no Exército têm ampla simpatia por um projeto que eleve de forma rápida o emprego e garanta a percepção de “volta à normalidade”.

Um obstáculo pode ser o ministro da Economia, Paulo Guedes, que possui uma visão menos populista sobre medidas para fomentar empregos com dependência de aparatos públicos. Talvez por isso não tenha sido convidado para a coletiva que anunciou o Pró-Brasil. Mesmo assim, pessoas próximas a ele dizem que acabou concordando com o plano. Sua maior preocupação será com a conta para os cofres públicos. Apesar de as medidas serem importantes para a recuperação do emprego, não se pode perder de vista a escalada dos gastos. A estimativa do ministério da Economia é que a crise da Covid-19 já consumiu mais de R$ 800 bilhões, sendo R$ 400 bilhões de impacto fiscal direto, fator que prejudicará, e muito, a saúde financeira do governo. Nesse ritmo, o governo poderá chegar ao fim de 2021 com uma dívida pública que ultrapassa o PIB.

A criação de empregos em grande escala, contudo, pode aliviar essa conta, uma vez que o aumento da renda por meio da massa salarial faz girar a roda da economia como um todo e eleva a arrecadação. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, estima que as obras possam gerar entre 500 mil e 1 milhão de novos postos de trabalho nos próximos três anos, e a ideia é começar por canteiros que já estejam com um grau avançado tanto na obtenção de licenças quanto na liberação do Tribunal de Contas da União (TCU). A escolha dessas obras ficará a cargo de dois ministérios: Desenvolvimento Regional e Minas e Energia. Eles mapearão, dentro dos estados, obras que possam ser reativadas de modo célere, seja de infraestrutura ou de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida.

A RESPOSTA PAULISTA Estado mais afetado pela Covid-19, São Paulo começa a enxergar uma luz no fim do túnel para a economia. Pelo menos é o que acredita o governador João Doria (PSDB). De acordo com ele, os paulistas poderão começar a retomar (ainda que lentamente) uma rotina mais flexível a partir de 11 de maio. “Isso só será possível porque conseguimos achatar a curva de infecção e manter a ocupação dos leitos de tratamento sob controle”, disse. Sobre a reabertura gradual da economia em algumas cidades do Estado, o governador afirmou que levará em conta situações locais, regionais e setores que possam retomar gradativmente economia com as devidas medidas de proteção.

O chefe do executivo paulista afirmou ainda que houve uma reclusão de 57% dos habitantes do estado durante o feriado de Tiradentes, em 21 de abril, o que evidenciou o comprometimento da população com as diretrizes de saúde. O tucano, que também está no segundo ano de mandato e olhando para 2022, tem insistido na tecla de que baseia suas escolhas em evidências científicas e na experiência de países que começaram a enfrentar surtos do novo coronavírus antes do Brasil. Desde o início da pandemia, Doria tem sido o maior opositor das falas e comportamentos de Bolsonaro, tendo afirmado inclusive seu arrependimento no apoio dado ao então candidato à Presidência. Sobre o fim do isolamento, o governador foi ponderado: “Não estamos dizendo que vamos deixar de ter quarentena depois de 10 de maio. Teremos o Plano São Paulo, que vai estabelecer áreas, setores, que poderão ser distendidos, e outros não”. Segundo o governador, a implementação acontecerá de forma “faseada, regionalizada e setorial”, o que só é permitido por haver dados e preparo do sistema de saúde. Doria e Bolsonaro estão de olho no futuro, agora em lados opostos.

Por Paula Cristina, na Isto é Dinheiro






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