O leilão de venda de quatro hidrelétricas
realizado ontem pelo governo federal em São Paulo foi um sucesso mesmo com a
névoa de insegurança criada pela Cemig, que tentou impedir a realização do
certame até o último instante. Entre um lote e outro, as vozes dos poucos
manifestantes contrários à privatização do lado de fora da B3 muitas vezes se
sobressaíam em relação aos anúncios de abertura dos envelopes, mas isso não
reduziu o interesse dos investidores pelos ativos ofertados. O governo
conseguiu arrecadar R$ 12 bilhões em outorgas, ágio de R$ 1 bilhão em relação
aos mínimo esperado.
O maior destaque foi a atuação da chinesa
SPIC Overseas, que arrematou a concessão de São Simão, a maior das usinas
ofertadas, e se comprometeu a pagar R$ 7,18 bilhões em outorga, ágio de 6,51%
ante o montante mínimo estabelecido pelo governo, de R$ 6,7 bilhões.
Até então, a companhia tinha uma atuação
discreta no Brasil, por meio da Pacific Hydro, que foi adquirida pela chinesa
no começo do ano, e que opera dois parques eólicos no Nordeste, que somam 58
megawatts (MW) de potência. A SPIC Overseas, porém, vinha tentando se
consolidar no Brasil há um certo tempo.
A companhia chinesa estava negociando com
Odebrecht e Cemig a aquisição da participação das duas na megausina de Santo
Antonio, no rio Madeira (RO), mas as tratativas foram suspensas há pouco mais
de um mês por não haver um acordo sobre as condições da transação.
Depois de arrematar a concessão de São
Simão ontem, no único lance pela hidrelétrica, a SPIC, que aparentava ter
fôlego para levar todos os ativos licitados, retirou as propostas pelas demais
usinas. Isso se explica pelo perfil das grandes empresas chinesas, que se
concentram na gestão de grandes ativos, e não de médio porte como é o caso de
Jaguara, Miranda e Volta Grande.
As três hidrelétricas ficaram com
estrangeiras já veteranas no Brasil. A franco-belga Engie levou as usinas de
Jaguara e Miranda, ao desembolsar, respectivamente, R$ 2,171 bilhões e R$ 1,36
bilhões por cada uma, ágio de 13,59% e 22,43. A italiana Enel também fez lances
pelas duas usinas, mas foi derrotada. No caso de Volta Grande, a Enel foi a
única a fazer oferta, de uma outorga de R$ 1,292 bilhão, prêmio de 9,85%.
"O leilão foi 100% bem-sucedido. Houve
ofertas
pelos quatro lotes, e não era um leilão
qualquer, o valor mínimo [da outorga] era de R$ 11 bilhões", disse Claudio
Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. Segundo ele, a expectativa não
era de um "ágio estratosférico", justamente pelo valor mínimo já ser
muito alto.
A avaliação de que a disputa foi um sucesso
é compartilhada por Thais Prandini, diretora da consultoria Thymos Energia.
"Claro, se o governo fizer aprimoramentos vai conseguir mais investidores
[em outros leilões]. Mas foi considerado um sucesso, todas as usinas foram
vendidas com ágio interessante", disse.
Até a noite de terça-feira, ainda havia
incerteza se o leilão iria de fato ocorrer. O ministro Dias Toffoli, presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), negou no fim daquele dia o pedido da Cemig
para suspender a disputa. A estatal recorreu contra a decisão na manhã de
ontem, mas o mérito ainda não foi apreciado.
O secretário especial da Secretaria do
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Adalberto Vasconcelos, lembrou
ainda que há um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou que
o leilão era o caminho "adequado" para as hidrelétricas.
Os riscos jurídicos associados às
tentativas da Cemig de manter as concessões, impedir ou cancelar o leilão eram
vistos como obstáculos ao sucesso do certame. Para advogados com atuação na
área, a estatal mineira vai seguir tentando anular o resultado, mas ainda assim
o risco é considerado pequeno. Isso porque já há um entendimento do STF de que
não há guarida no argumento da companhia de que a renovação do prazo das
concessões de São Simão, Miranda e Jaguara deveria ser automática, pois se
trata de uma possibilidade e não algo mandatório.
O segundo ponto que leva os advogados a
considerarem baixas as chances de sucesso de uma investida jurídica da Cemig contra
o leilão é o fato de o certame ter sido bemsucedido. "Foi legítimo, não
teve vícios, foi realizado de forma transparente e pública. O terceiro de
boa-fé não pode ser afetado por um eventual pleito da Cemig", diz um
especialista que pediu para não ser identificado. No limite, se for o caso, a
estatal mineira poderia ser indenizada por perdas e danos se tivesse algum
direito.
A avaliação de que a percepção de risco dos
investidores era baixa também foi feita no Ministério de Minas e Energia. O
secretárioexecutivo da pasta, Paulo Pedrosa, afirmou em entrevista à imprensa
após o certame que "a resposta está dada pela presença dos investidores,
que fizeram propostas concretas de valor significativo."
Os executivos que estavam representando as
companhias vencedoras também ressaltaram não ver riscos. A presidente no Brasil
da Pacific Hydro, controlada da SPIC, disse que a participação no certame
mostrou a disposição da empresa de investir no país, assim como sua confiança
nas instituições brasileiras, apesar da desconfiança quanto aos rumos das
conversas entre a Cemig e o governo em torno de um acordo para tirar usinas da
disputa.
Também presente ontem, Guanhua Li,
diretorexecutivo do departamento de estratégia da chinesa, disse estar
"feliz e confiante no Brasil como parceiro econômico no setor
elétrico."
Em nota, o presidente da Enel no Brasil,
Carlo Zorzoli, comemorou a vitória e disse que o leilão demonstrou que a
italiana continua com uma estratégia de crescimento de longo prazo no país.
As duas empresas não quiseram comentar
sobre as estratégias de financiamento para o leilão. Já a Engie declarou que
vai utilizar o mercado financeiro. "Já temos bancos oferecendo
[propostas]. Vamos buscar financiamento de custo baixo e prazo longo. Estamos
discutindo detalhes com quatro ou cinco bancos", disse, ao Valor, Maurício
Bähr, presidente do grupo Engie no Brasil. A companhia é controladora da Engie
Brasil Energia.
Por
Camila Maia, Fernanda Pires, Luciano Máximo e Rodrigo Polito, no Valor
Econômico/BR
Estatal
mineira deve focar na venda de outros ativos Marcos de Moura e Souza, Camila
Maia e Fernanda Pires | De Belo Horizonte e São Paulo
Ao não conseguir participar do leilão das
quatro hidrelétricas, a Cemig perdeu um terço da sua capacidade instalada. Mas
também evitou aumentar ainda mais seu já elevado endividamento, o que sempre
preocupou os investidores. Desde que a estatal mineira divulgou seu plano de
venda de ativos, não chegou a anunciar nenhuma operação relevante, apenas
intenções. Se a companhia conseguisse financiamento para pagar a outorga
bilionária das usinas, a mensagem ao mercado seria contraditória e danosa à
imagem da companhia.
O lado negativo da devolução definitiva das
usinas - que estão sendo operadas pela Cemig desde o início do ano por uma
receita para manutenção dos ativos - será um faturamento menor em comparação
com a registrada até o fim de 2016. Até então, a estatal vinha explorando as
hidrelétricas sem contratos, liquidando a energia no mercado livre.
Segundo Adézio Lima, diretor financeiro da
Cemig, a tarefa da empresa será conseguir manter lucros equivalentes aos de
antes da perda das usinas. Investimentos em geração eólica ou compartilhada não
darão à empresa - ao menos no curto e médio prazo -a mesma capacidade de
geração. "Não há mais espaço no Brasil para novos parques de geração
hídrica."
Mesmo sem essas hidrelétricas, a companhia
continua relevante no setor elétrico. Deixará de ser a segunda maior elétrica
em termos de potência instalada, mas ainda tem um parque gerador considerável,
atuação forte em transmissão de energia, sem falar na concessão de distribuição
em quase todo o Estado de Minas Gerais. Além disso, a Cemig tem atuação em
outras áreas, como a Gasmig, a Cemig Telecom, e uma área crescente de
distribuição, sem falar nas participações na Light e na Renova Energia.
O desafio agora é fazer o dever de casa, e
cumprir finalmente o plano de venda de ativos.
Segundo Lima, entre abril e maio de 2018 a
Cemig já deve ter em seu caixa valores referentes à venda da Light e da Renova.
"No caso da Light, há seis investidores fazendo análise da empresa e no
caso da Renova, a Brookfield [gestora de ativos] está fazendo o due diligence
para em seguida discutir uma proposta", disse.
Outra operação importante e que parecia
avançada perdeu embalo. Era a venda da fatia que a Cemig detinha na usina de
Santo Antônio, em Rondônia. Os chineses da SPIC e a Cemig, disse Lima, já estavam
na fase de fechamento de detalhes do contrato quando as negociações mudaram e
foram suspensas há mais de um mês.
Em relação às hidrelétricas licitadas
ontem,
Lima disse que a Cemig calcula que tem a
receber R$ 5 bilhões em indenizações por investimentos não amortizados. "O
governo nos propôs R$ 1,25 bilhão." Lima contou ainda nunca ter acreditado
que o governo federal tinha interesse em negociar um acordo. "Eu era muito
cético. Eles enrolaram a gente o tempo todo. Queriam negociar, negociar e nunca
aceitavam [de fato as condições de conversa]", disse. A Cemig, informou
ele, vai continuar brigando na Justiça pelo que acredita ser seu direito de
renovar por mais 20 anos as concessões de Jaguara, Miranda e São Simão.
Governo
festeja, mas bancada de Minas ameaça reformas Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro,
Marcos de Moura e Souza, Edna Simão e Fábio Pupo | De Brasília e Belo Horizonte
O governo reagiu com empolgação ao
resultado do leilão das usinas hidrelétricas da Cemig, dizendo que demonstra a
retomada da confiança no país, enquanto parlamentares da base aliada e da
oposição, que cobravam a manutenção da estatal como operadora das instalações,
se uniram nas críticas à "falta de consideração e respeito com Minas
Gerais" e afirmaram que, embora tenha negociado, o governo federal nunca
esteve aberto ao acordo.
Vice-presidente da Câmara e coordenador da
bancada de Minas Gerais no Congresso, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG)
divulgou nota contra a equipe econômica e disse que, com esse pensamento, a
reforma da Previdência não será aprovada. "Estamos diante de um governo
que só pensa nos bancos. Temos um ministro que só pensa em banco e como eles
vão continuar a ganhar dinheiro. Isso é claramente visível pela adoção da
política de elevadas taxas de juros que enriquece alguns e relega o povo à
pobreza e ao desemprego. Ao não investir em infraestrutura o governo escolhe
não empregar os brasileiros", afirmou. Segundo Ramalho, a bancada mineira
e a Cemig tentarão impedir que o resultado do leilão de confirme com ações na
Justiça.
Para o deputado Leonardo Quintão (PMDBMG),
a decisão do governo pode ter consequência sem votações relevantes do
Congresso. "Todos estão muito insatisfeitos", disse. O grupo já se
dedica a impedir outra venda, a do controle da Eletrobras e de Furnas para a
iniciativa privada, com o lançamento de uma frente parlamentar com toda a
bancada de Minas.
O governador de Minas Gerais, Fernando
Pimentel (PT), criticou o governo do presidente Michel Temer (PMDB), dizendo
que tentou negociar com a União, "mas não encontrou espaço". "O
tempo dirá se a decisão do governo federal foi a mais correta para o país. Para
Minas Gerias com certeza não foi", disse, em vídeo no Facebook. O petista
ainda politizou ao lembrar que o assunto poderia ter sido resolvido por seu
antecessor, o exgovernador e hoje senador Antônio Anastasia (PSDB), que
rejeitou o acordo com a expresidente Dilma Rousseff para reduzir o valor da
tarifa de energia em 2012 em troca da prorrogação automática das concessões por
20 anos.
Os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e
Dyogo Oliveira (Planejamento) comemoraram, com mensagens no Twitter, o
resultado do leilão. De Londres, Meirelles disse que o sucesso na venda das
usinas de Volta Grande, São Simão, Jaguara e Miranda "confirma a trajetória
de recuperação da economia do país". "A retomada da economia começa a
dar frutos também ao criar ambiente para a atração dos investimentos
estrangeiros', afirmou.
Já Dyogo disse que o resultado e ágio do
leilão foram "satisfatórios e dentro das expectativas".
"Resultado do leilão reforça que governo tem adotado projeções seguras a
respeito das receitas", afirmou, acrescentando que "a participação de
diferentes grupos internacionais demonstra confiança na economia do país".
Nenhum dos dois comentou as críticas da bancada mineira.
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