Pouco mais de um mês após a abertura, pelo Ministério das Cidades, de
linha de financiamento para elaboração de planos de mobilidade urbana, apenas
87 municípios, dentre os mais de 1,6 mil que pertencem à faixa contemplada,
tiveram o cadastro aprovado. O financiamento do Programa de Infraestrutura de
Transporte e da Mobilidade Urbana (Pró-Transporte) foi lançado em 12 de julho, para
municípios de até 250 mil habitantes.
A pasta não soube informar, no entanto, quantos municípios dentre os
aprovados foram contemplados para financiar especificamente o plano de
mobilidade, para investir de forma planejada para melhorar a locomoção nas
cidades. Pelo programa, além dos planos, é possível financiar também sistemas
de transporte público coletivo, qualificação viária, transporte não motorizado,
estudos e projetos.
A Agência Brasil publica a partir de hoje uma série de
matérias especiais Mobilidade urbana, um desafio para as cidades brasileiras. A baixa eficiência no uso do espaço urbano em transporte,
ou seja, a escolha que as pessoas fazem para se deslocar, é um dos principais
aspectos que impactam a mobilidade. Segundo o Instituto de Políticas de
Transporte e Desenvolvimento (ITDP), enquanto uma pessoa, ao caminhar, ocupa 0,8m²,
ela pode chegar a ocupar 60m², se optar por fazer deslocamento similar em um
automóvel particular.
A decisão sobre qual transporte usar
leva em consideração os fatores segurança, disponibilidade de informação, custo
e comodidade, além da disponibilidade e infraestrutura adequada de transporte,
segundo o coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes da
UnB, Pastor Willy Gonzales.
Para ele, todos os elementos que
compõem o sistema de mobilidade devem funcionar em conjunto. “Um sistema de
mobilidade urbana refere-se à infraestrutura, à parte normativa, aos vários
elementos que possibilitam às pessoas deslocar no espaço urbano, dentro deles o
transporte público e o transporte privado”, afirmou.
Adiamento do prazo
O plano de mobilidade foi instituído
em 2012, por meio da lei que criou a Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Após tramitar por 17 anos, a lei nº 12.587/2012 estipulava o prazo de três anos
para que os mais de 1,7 mil municípios com população superior a 20 mil
habitantes entregassem seus planos. Em 2015, apenas 500 prefeituras conseguiram
cumprir o primeiro prazo estabelecido, que foi posteriormente alterado pela lei
13.406/2016. Com a mudança, além do limite de entrega ter sido estendido para
abril de 2018, os planos de mobilidade terão de ser compatibilizados com os
planos diretores municipais.
Segundo a gerente de projetos do
Ministério das Cidades, Martha Martorelli, a mudança impactou diretamente no
andamento dos planos de mobilidade: muitos municípios suspenderam a elaboração
do plano e atuam sem uma programação. “Um grande gargalo seriam essas obras e
empreendimentos e intervenções sem planejamento, porque na mobilidade urbana
isso se esgota rapidamente. Então, fazer o plano de mobilidade urbana é
fundamental. Porque a partir daí, qualquer investimento vai ser mais efetivo
para a sociedade”, disse.
De acordo com o presidente da
Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, os municípios não
conseguirão cumprir o novo prazo para a entrega dos planos. A expectativa é que
haja um avanço de cerca de 5% no que já foi entregue. “Os municípios não têm
estrutura de engenheiros de obras para poder elaborar os documentos. Não temos
estrutura técnica, nem financeira, para fazer”, afirmou.
Origem dos recursos
Para Paulo Ziulkoski, a viabilidade
dos planos aumentaria caso os municípios se organizassem em consórcios para a
realização de um plano regional. Ainda assim, ele considera que as cidades
teriam dificuldade em executar o planejamento por falta de orçamento, uma das
principais barreiras identificadas para elaboração.“O Brasil vive uma crise e
logicamente que ela atingiu os municípios”, afirmou.
Desde a criação da política de
mobilidade, os municípios pleiteiam recursos para viabilizar a elaboração dos
planos. Uma minoria deles foi financiada por meio de emendas parlamentares.
Segundo o presidente da CNM, os municípios não têm como pegar empréstimos, já
que muitos estão endividados atualmente.
Como solução, Ziulkoski propõe o
repasse direto do Orçamento Geral da União a fundo perdido. “Não adianta querer
apertar o prefeito ou município que não tem como fazer. Primeiro, quem tem que
dizer como fazer é a União, que fez a lei. Se ela tem vontade de terminar com o
analfabetismo no Brasil, tem que dizer como é que vai terminar e como é que ela
vai ajudar. Não é criar a lei e dizer: 'nós vamos ajudar técnica e
financeiramente'”, argumenta.
Recentemente, o ministro das Cidades,
Bruno Araújo, anunciou o lançamento do programa Avançar Cidades Mobilidade, que
prevê R$ 3,7 bilhões para financiamentos de ações no setor. A gerente de
projetos Martha Martorelli explica que os municípios com mais de 100 mil
habitantes que ainda não têm o plano de mobilidade urbana e que apresentarem
proposta de empreendimento terão que solicitar empréstimo para a elaboração do
plano, no qual o projeto deverá ser inserido. “Assim a gente garante que esses
recursos que eles vão utilizar sejam mais efetivos e surtam mais efeito”.
Cumprimento de metas
O Brasil e outros 192 países se
comprometeram a tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos,
seguros, resilientes e sustentáveis. Este é um dos 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas para 2030. Para alcançar
esses objetivos, foram descritas 169 metas – muitas envolvendo a mobilidade
urbana. Mas, assim como em outros lugares no mundo, os municípios brasileiros
ainda têm grandes desafios para atingir essas metas.
O professor Gonzales considera que,
embora o Brasil já tenha diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Mobilidade
Urbana, falta implementá-las, para que as cidades se aproximem das metas. “As
ações que permitem implementar as diretrizes é o que está falhando. Existe uma
espécie de vácuo, como se a ponte entre um lugar e outro tivesse caído, ou é
fictícia, e não permite que se implemente a lei. Embora existam algumas ações
interessantes, mas também muito pontuais”, diz.
Por Fabíola Sinimbú, da Agência Brasil
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