O Brasil, com um
fluxo de comércio internacional de apenas 25% do PIB, é uma das economias mais
fechadas a transações de bens e serviços com o resto do mundo.
A exposição
limitada à competição global é fonte importante da baixa produtividade de nossa
economia. Abandonamos os benefícios do comércio como canal de transmissão de
inovações e a seleção darwiniana típica das economias abertas. Nestas as
companhias mais produtivas aproveitam o acesso ao mercado externo para se
expandir enquanto as menos eficientes tendem a desaparecer, viabilizando a
realocação de recursos geradora de aumento da produtividade agregada e do
crescimento econômico.
Ao lado dos efeitos
negativos sobre a produtividade, as restrições impostas pelo governo à livre
competição acabam produzindo oportunidades para corrupção. Entre as diversas
barreiras ao comércio, destacam-se as cláusulas de conteúdo local presentes,
por exemplo, nas operações do Finame do BNDES e no petróleo e gás.
A exigência de
conteúdo local mínimo na exploração e desenvolvimento de projetos de petróleo e
gás, existente desde 1999, sofreu drásticas mudanças a partir de 2005. Desde a
7ª Rodada (2005) de Licitação de blocos de petróleo as barreiras foram
significativamente levantadas e multiplicadas, com a extensão de conteúdo local
mínimo para itens e subitens específicos dos projetos. As companhias de
petróleo passaram a ter que atender a cerca de 70 compromissos com a agência
reguladora, ANP.
Pior ainda, de
acordo com relatório do TCU de 2015, tais exigências foram baseadas em
sugestões dos próprios fornecedores, justamente os principais interessados em
eliminar a competição, sistemática que levanta dúvidas sobre a lisura das
autoridades da época.
Como esperado, a
regulação foi bastante prejudicial para a economia brasileira, dadas as várias
consequências negativas.
A rigidez
regulatória aumentou o poder de monopólio de fornecedores, elevou riscos para
investidores e restringiu ainda mais sua liberdade de escolher o que seria
melhor do ponto de vista econômico para a execução de seus projetos, lhes
causando alta de custos e perdas de eficiência.
A complexidade
resultou em maiores custos de transação, atrasos e até cancelamento de
projetos, elevadas multas para as petroleiras e grande número de pedidos de
waivers para a ANP, conferindo-lhe enorme grau de discricionariedade. Como
parte do processo de compliance com o cipoal de cláusulas de conteúdo nacional
tornou-se obrigatória a introdução de certificadoras, intermediárias entre as
petroleiras e a ANP, em mais um caso de má alocação de recursos.
A regulação
diminuiu a produtividade na indústria de petróleo e produziu fornecedores
locais ineficientes A regulação diminuiu a produtividade na indústria de
petróleo brasileira e produziu fornecedores locais ineficientes e fortemente
dependentes de barreiras à competição. Outra implicação negativa foi a perda de
receitas para o governo, dada a redução dos valores dos diversos tributos e da
arrecadação com os leilões por sua menor atratividade.
Sob a bandeira do
nacionalismo, a intervenção do Estado causou severos prejuízos para a economia
brasileira e transferiu renda para um pequeno grupo de capitalistas inimigos do
capitalismo, os grandes beneficiários das restrições ao funcionamento dos
mercados.
É emblemático o
preço ofertado pela indústria naval para a construção de uma plataforma para o
campo de Libra, 40% superior ao do mercado internacional. A indústria naval
brasileira, que se mostrou incapaz de competir em mercado livre de barreiras
desde a falência do estaleiro de Mauá em 1860, recebeu subsídios de crédito de
R$ 17,5 bilhões em 2007-2016, pagos pela sociedade.
As regras para as
novas rodadas de Licitação de 2017 racionalizaram os requerimentos de conteúdo
local, diminuindo os percentuais mínimos para as fases de exploração e
desenvolvimento e removendo as exigências para itens e subitens.
Ao mesmo tempo,
retirou o conteúdo local do critério de julgamento das propostas na Licitação
dos blocos. A existência desse último quesito incentivava a superestimação dos
compromissos assumidos pelas empresas para ganhar os leilões, o que também
concorreu para multas, pedidos de waivers e atrasos de projetos.
A ANP coloca agora
em discussão proposta que visa permitir a revisão de compromissos assumidos nos
contratos referentes às rodadas de Licitação anteriores, criando a opção de
substituí-los pela regulação aprovada em 2017.
Trata-se de um
sopro de ar puro no ambiente legal e regulatório substancialmente poluído a que
está submetida nossa indústria de petróleo, onde se destaca o viés estatizante
que sufoca o potencial de criação de valor de um recurso natural. A proposta da
ANP deve ser apoiada, pois melhora a percepção de riscos dos investidores e
libera investimentos que estavam represados pela rigidez e irrealismo
regulatório. Desagrada as corporações empresariais, mas é boa para economia
brasileira.
A regulação ainda
padece da assimetria típica das políticas industriais brasileiras: a garantia
de uma fatia de mercado para a indústria local não é acompanhada de
contrapartidas de padrões mínimos de desempenho. Nesse sentido, seria oportuno
o estabelecimento de tolerância máxima de, por exemplo, 10% para preços acima
dos vigentes no mercado global.
Apesar dessa
omissão, a iniciativa é um avanço, que terá de ser seguida por mudanças legais
que declarem a maioridade dos fornecedores locais da indústria do petróleo, com
o "phase out" da política de conteúdo local, e o fim do esdrúxulo regime
regulatório misto, que compreende a convivência dos regimes de concessão,
partilha e cessão onerosa.
A boa herança
geológica constitui-se em importante ativo. Entretanto, como sugerem os casos
dos Estados Unidos, Austrália e Chile de um lado, e da Venezuela, Nigéria e
República Democrática do Congo do outro, a qualidade do arcabouço legal e
regulatório é fundamental para transformá-la em efetiva fonte de crescimento
econômico no longo prazo. Que o Brasil se alinhe aos exemplos vencedores e
abandone os perdedores.
Por Roberto Castello Branco, no Valor Econômico
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