Depois de meses de
costura política, o governo editou o conjunto de regras que tem o potencial de
mitigar a guerra fiscal entre os Estados. Ao mesmo tempo que valida e dá
sobrevida aos incentivos concedidos de forma irregular por entes federados, a
Lei Complementar 160 - publicada nesta dia 8 - autoriza o perdão do passivo da
guerra fiscal, ou seja, cobranças contra empresas que usufruíram de benefícios
inconstitucionais.
Longe de colocar um
ponto final na disputa entre os Estados por atração de empresas e arrecadação,
a norma - aprovada com folga na Câmara e no Senado - tenta zerar o passado e
minimizar os impactos da declaração de inconstitucionalidade de incentivos
concedidos de forma unilateral pelos Estados, sem aprovação no Conselho Nacional
de Política Fazendária (Confaz).
Pela Lei
Complementar 24, de 1975, a concessão de incentivos fiscais é condicionada à
aprovação por todos os integrantes do Confaz, ou seja, pelos 26 Estados e o DF.
A lei foi recepcionada pelo Constituição de 1988 e o Supremo Tribunal Federal
vinha derrubando todos os benefícios concedidos de forma irregular.
A disputa
federativa levou a Corte a pressionar o Legislativo por uma solução. Os
ministros poderiam tirar da gaveta a qualquer momento o Projeto de Súmula
Vinculante 69, segundo o qual 'qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota
ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro
benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio
celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional'.
A ministra Cármen
Lúcia, presidente do Supremo, porém, fez apelos para que os Estados buscassem
acordo sobre o assunto.
'A guerra dos
benefícios continua, mas agora existem regras para guerrear', resume o advogado
José Luiz Ramos, especialista em direito tributário do Martinelli Advogados,
sobre a lei editada nesta terça-feira.
Quórum reduzido
Os termos da
convalidação dos incentivos e do perdão do passivo, porém, só serão conhecidos
com o convênio que deverá ser firmado em até seis meses no âmbito do Confaz.
O ponto central da
norma é a flexibilização do quórum para a edição do convênio. Serão necessários
os votos favoráveis de, no mínimo, dois terços dos Estados e de 1/3 das
unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do país.
O quórum reduzido é
considerado, por especialistas, como essencial para zerar o passado e aprovar
as regras de transição. 'A autorização não viria se mantida a regra da
unanimidade', afirma o advogado Ronaldo Redenschi, sócio do Vinhas e Redenschi
Advogados.
O especialista
lembra que o Confaz se adiantou em 2014 ao editar o Convênio 70, que traçou as
linhas gerais para anistia e remissão de débitos do ICMS gerados no âmbito da
guerra fiscal. 'A essência do convênio e da LC 160 é a mesma, então existe uma
legítima expectativa de que os termos anteriores venham a ser alcançados
novamente', diz.
Especialistas
pontuam, contudo, que o quórum reduzido vale apenas para a aprovação do
convênio de convalidação dos incentivos irregulares e perdão do passivo. Novos
benefícios fiscais continuarão sendo submetidos à regra da unanimidade.
'Ao mesmo tempo que
os Estados concordam que precisam flexibilizar o quórum para aprovar o convênio
no Confaz e resolver o passado, não adotaram a mesma medida para o futuro. Eles
poderiam ter alterado a regra pela LC 160, mas a mudança não veio', afirma Aldo
de Paula Junior, sócio do Azevedo Sette Advogados.
Transparência e
sanção
O que garante,
então, que os governos estaduais deixarão de conceder benefícios fiscais de
forma unilateral no futuro?
A Lei Complementar
160 fixou sanções aos Estados que continuarem com a prática. Pela norma, o ente
federado ficará impedido de receber transferências voluntárias; obter garantia
de outro ente; e contratar operações de crédito. Isso durante o tempo que os
incentivos inconstitucionais perdurarem.
Para a tributarista
Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, as sanções - extraídas da
Lei de Responsabilidade Fiscal - são um dos grandes avanços da lei. 'Mas deve
haver fiscalização para serem efetivas. O Ministério da Fazendo e o Tribunal de
Contas da União devem controlar', pondera.
A Lei Complementar
160 ainda estabelece exigências mínimas de transparência para que os incentivos
continuem sendo concedidos.
Os Estados deverão
publicar todas as normas relativas às isenções, aos incentivos e benefícios
fiscais ou financeiro-fiscais registro e depositar no Confaz a documentação que
comprova os atos concessivos dos incentivos. Esses documentos serão publicados
no Portal Nacional da Transparência Tributária, que será instituído pelo
Confaz.
Apenas atendendo
essas exigências o Estado poderá regularizar e prorrogar os incentivos, dentro
dos prazos abaixo:
O ente tem
liberdade de revogar o incentivo ou reduzi-lo antes do fim desses prazos. Outra
novidade é que um Estado poderá aderir aos benefícios concedidos ou prorrogados
por outra unidade federada da mesma região, enquanto estiverem vigentes.
Vetos
Apesar de a lei ser
fruto de amplo consenso entre os atores políticos, o presidente Michel Temer
vetou dois artigos que, segundo o governo, importariam negativamente na
arredacadação do governo federal.
O Executivo brecou
a tentativa do Congresso de reconhecer os incentivos e benefícios fiscais ou
financeiro-fiscais como subvenções para investimento. Com essa caracterização,
os benefícios ficariam de fora da base de cálculo do Imposto de Renda e da
CSLL. As subvenções para custeio, por sua vez, são tributadas.
O legislativo havia
ido além ao prever que a regra seria aplicada aos processos administrativos e
judiciais ainda não definitivamente julgados. Ou seja, seriam derrubadas as
exigências contra empresas que não tributaram o benefício.
Na justificativa
para o veto, o governo afirma que não foi calculado o impacto orçamentário e financeiro
decorrente da renúncia fiscal, o que violaria o artigo 113 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Para Tathiane
Piscitelli, porém, a previsão não acarretaria em renúncia fiscal. 'O governo só
estaria reconhecendo a natureza do incentivo', diz.
Com os vetos,
advogados afirmam que perdurará no Judiciário e no Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf) a discussão sobre a natureza dos incentivos.
Por Bárbara Pombo, no Jota/SP
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