Mensalão
abafou a crise da Petrobras, diz livro
Em
novo livro o jornalista Ivo Patarra escancara a história da Operação Lava Jato
e o escândalo do saque à Petrobras
"Muito
antes da sociedade brasileira tomar amplo conhecimento e se assombrar com os
crimes na Petrobras, já havia sinais robustos de que a maior empresa nacional,
dona de cerca de 90% dos investimentos das estatais brasileiras, estava a
serviço de um projeto político-eleitoral. Nesse sentido, tinha sido como que
privatizada."
A
avaliação acima foi escrita por Ivo Patarra, jornalista e autor do livro
"Petroladrões" que sai pela Vide editorial. A obra é um extenso
livroreportagem com mais de 500 páginas nas quais Ivo descreve os diversos
crimes praticados por organizações ligadas ao Estado durante os governos Lula e
Dilma Rousseff.
O
autor abre o livro mostrando indícios de crise na Petrobras abafados pelo
escândalo do mensalão durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
"Petroladrões"
traz os detalhes da Operação Lava Jato, as prisões, as delações premiadas e a
contribuição de setores da imprensa nacional para elucidar os meandros do caso.
No livro, o jornalista escancara o desespero de políticos, empresários e
agentes públicos denunciados do petróleo e destaca também o trabalho do juiz
federal Sérgio Moro e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Ivo
Patarra trabalha com jornalismo político há 30 anos. Foi repórter em vários
jornais de São Paulo e é autor do livro "O Chefe", sobre o mensalão.
Leia abaixo um trecho do livro.
1
CAÇA AO TESOURO
Durante
os dois mandatos de Lula, cupins engordaram na Arca da Petrobras. Mas o
mensalão abafou a crise
Várias
suspeitas de corrupção envolvendo a Petrobras ocorreram durante os dois
governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 - 2006 e 2007 - 2010),
mas ficaram obscurecidas pelo impacto do escândalo do mensalão, tido, à época,
como o maior esquema de suborno político de todos os tempos no Brasil.
Na
Era Lula, o acontecimento mais famoso relacionado à Petrobras foi o do jipe
Land Rover, em 2005. Silvio Pereira, então secretário-geral do PT (Partido dos
Trabalhadores, a legenda cujo expoente máximo era o próprio presidente Lula),
sustentou em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito dos Correios, no
Congresso Nacional, jamais ter ouvido falar em mensalão.
Silvinho,
como era conhecido, acabaria fazendo um acordo com a Justiça para não ser
preso. A cúpula do PT, porém, incluindo o poderoso ministro da Casa Civil, José
Dirceu (SP), condenado como o principal operador do mensalão, terminou atrás
das grades, no maior julgamento da história do Supremo Tribunal Federal.
Voltemos
ao depoimento de Silvinho à CPI, naquele 19 de julho de 2005. Questionado,
informou não se lembrar se viajou no avião de César Roberto Santos Oliveira,
vice-presidente da GDK, uma empresa contratada pela Petrobras. Em suas
palavras:
- Eu
mantinha contatos institucionais com César Oliveira, mas repito que não intermediei
interesses da empresa.
Silvinho
recusou-se a admitir que ganhou um jipe Land Rover da GDK.
- Não
falo sobre meu patrimônio, por orientação dos advogados.
O
carro existia, e estava em nome de Silvinho. Um funcionário da GDK o adquirira.
A empresa doara R$ 100 mil para a campanha de Lula em 2002 e, no ano seguinte,
o primeiro do governo petista, faturou R$ 145 milhões em contratos com a
Petrobras. Em 2004 abocanhou R$ 512 milhões, sendo que o maior contrato, no
valor de US$ 88 milhões, previa a reforma da plataforma de extração de petróleo
P-34. Em 2005, a GDK acertaria mais cinco contratos com a Petrobras, outros R$
272 milhões.
Em
relação à reforma da P-34, situada no campo de Jubarte (ES), o responsável pelo
contrato, na Petrobras, era Renato Duque, diretor de Serviços da estatal.
Ocupava o posto por indicação do então ministro José Dirceu. Na época, Duque
não passava de um ilustre desconhecido para a opinião pública, mas viria a ser,
como veremos, um dos protagonistas do petrolão. Já o presidente da Petrobras, o
petista José Sérgio Gabrielli, nomeado por Lula, foi acusado pelo Tribunal de
Contas da União de dificultar os trabalhos de investigação. A GDK teria sido
favorecida e superfaturado o contrato da P-34 em US$ 23 milhões.
Vale
citar entrevista de Silvinho ao jornal Folha de S.Paulo, em 2 de outubro de
2005, após o secretário-geral assumir ter sido um dos operadores do mensalão.
Ele envolveu dirigentes de seu partido em todo o País, mas tentou proteger o
tesoureiro da legenda, Delúbio Soares, que também seria preso por determinação
do STF. Declaração de Silvinho:
- Os
27 Estados bateram à porta do Delúbio. Por que os Estados não assumem isso, pô?
Todo mundo pegava no pé do Delúbio para arrumar recursos, todo mundo, todo
mundo. Agora ele está lá, sozinho. As pessoas não perguntavam: "Bom, de
onde vem esse dinheiro?"
Em
2006 Silvinho voltou a conceder entrevista, desta vez ao jornal O Globo, em 7
de maio. Abordou a origem do dinheiro do mensalão. Foi revelador:
-
Empresas. Muitas. Não vou falar nomes. As empresas entre si fraudam as coisas.
Às vezes o governo não persegue, e é só isso. Elas se associam em consórcios,
combinam como vencer.
Silvinho
foi formalmente desligado do PT em julho de 2005, mas o partido continuou a
pagar o advogado responsável por sua defesa na Justiça, da mesma forma como
custeou o defensor de Delúbio Soares que, após ser formalmente expulso da
legenda, iria regressar ao PT algum tempo depois.
Entre
2007 e 2009, a Petrobras voltaria a contratar GDK, cuja sede ficava em
Salvador. 19 vezes. Total dos contratos: R$ 584 milhões.
Em
2010, último ano da Era Lula, a Polícia Federal acusou a GDK, Camargo Corrêa e
outras construtoras de cometerem fraude, o que provocou um rombo de R$ 1,4
bilhão na Petrobras. Conforme a investigação, o cartel manobrou editais, impôs
sobrepreços, burlou competições nos certames licitatórios e decidiu entre
"concorrentes" quanto custaria e com quem ficariam as seguintes
obras: Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba (SP), Unidade de Coque da
Refinaria Presidente Getúlio Vargas (PR), Refinaria do Nordeste (PE), Refinaria
do Vale do Paraíba (SP) e Unidade Termelétrica de Cubatão (SP).
Como
se observa, muito antes da sociedade brasileira tomar amplo conhecimento e se
assombrar com os crimes na Petrobras, já havia sinais robustos de que a maior
empresa nacional, dona de cerca de 90% dos investimentos das estatais
brasileiras, estava a serviço de um projeto político-eleitoral. Nesse sentido,
tinha sido como que privatizada.
Transações matreiras
Outro
indício da lambança na Petrobras, ainda na gestão Lula, foi a compra da Usina
de Biodiesel de Marialva, situada no Paraná. O TCU determinaria a abertura de
auditoria para apurar a aquisição, apelidada de "mini-Pasadena" pelo
relator do processo, Ministro José Jorge, numa alusão ao megaescândalo da
compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, cinco anos depois.
Em
2009, a Petrobras comprara 50% da planta de Marialva por R$ 55 milhões, embora
um grupo privado a tivesse adquirido por R$ 37 milhões dois meses antes.
Importante deixar claro que, como no caso da Refinaria de Pasadena, à época de
Marialva a ministra Dilma Rousseff (PT-RS), sucessora de José Dirceu na Casa
Civil, também acumulava o cargo de presidente do Conselho de Administração da Petrobras.
Situação
parecida ocorrera em 2008 com outra aquisição da Petrobras, a da Refinaria de
Nansei, em Okinawa, no Japão. Nansei dava prejuízo aos japoneses e teria de ser
adaptada para refinar o petróleo brasileiro, mais pesado. Além disso, precisava
dobrar a produção para 100 mil barris por dia. Só assim seria lucrativa.
Constou que informações importantes não chegaram ao Conselho de Administração
da Petrobras, entre elas as restrições ambientais que impediriam a ampliação da
refinaria. Ou seja, uma operação desastrosa.
Como
supostamente procedera no caso de Pasadena, em 2006, o diretor da área
Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, homem de confiança do PMDB (Partido
do Movimento Democrático Brasileiro), não teria informado, em 2007, os detalhes
que cercavam o negócio em Okinawa. Nota: além de José Sérgio Gabrielli na
Presidência da Petrobras e de Dilma Rousseff na Presidência do Conselho de
Administração da empresa, ocupava a diretoria da estatal Maria das Graças
Foster, responsável pela área de Gás e Energia e futura presidente da
Petrobras.
A
transação: a Petrobras comprou 87,5% da Refinaria de Nansei, incluindo seus
estoques, por US$ 331 milhões, mas não pôde fazer os investimentos que a
tornariam lucrativa. Nos anos seguintes, aplicaria mais de US$ 110 milhões no
mico, contando a aquisição dos 12,5% restantes, para tentar vender tudo, sem
sucesso, em 2013. No linguajar técnico, a planta de Okinawa tornou-se um ativo
não estratégico.
Em
outro caso, o Ministério Público pediu para o Tribunal de Contas da União
investigar um acerto feito entre a Petrobras e a Bolívia em 2009. Como se sabe,
Lula e o presidente boliviano, Evo Morales, eram aliados. José Sérgio Gabrielli
(PT-BA) autorizou um pagamento extra de R$ 434 milhões pelo gás boliviano importado
pelo Brasil. Suspeitava-se de que a "indenização", como foi
justificada, seria lesiva à Petrobras.
O
Gasoduto Urucu-Manaus é outro feito da gestão Lula. O TCU investigou, em 2007 e
2008, dezenas de contratos do projeto de 400 quilômetros para abastecer a
capital do Amazonas com gás da região de Urucu. Identificou 26 irregularidades
nas obras sob responsabilidade do diretor de Serviços, Renato Duque.
O
aluguel de uma simples ambulância para as obras do gasoduto, relatou o repórter
Dimmi Amora, da Folha de S.Paulo, saiu por inacreditáveis R$ 800 mil. O
gasoduto, orçado inicialmente em R$ 1,2 bilhão pela Petrobras, foi inaugurado
por Lula, no ano eleitoral de 2010, após três anos de atrasos, por R$ 4,5
bilhões. Um escândalo.
Entre
as irregularidades apontadas, pagamentos por serviços não realizados, materiais
quitados e não entregues. Auditores indicaram o uso de empresas fantasmas e
indícios de falsificação de documentos pela Secretaria de Desenvolvimento
Sustentável do Amazonas, parceira na obra, para justificar dispensas de
licitação. Detalhe: o governador amazonense da época, Eduardo Braga (PMDB),
seria ministro de Minas e Energia no segundo mandato de Dilma Rousseff como
presidente da República.
No
início de 2010, Lula vetou parte da lei orçamentária e autorizou gastos de R$
13,1 bilhões em quatro obras da Petrobras com irregularidades graves
identificadas pelo TCU. Além de sobrepreço, os técnicos descobriram medições
inadequadas, falta de detalhamento em orçamentos, projetos básicos deficientes,
restrições à competitividade, adiantamento de pagamentos e obstrução à
fiscalização dos auditores.
As
obras que deveriam ser paralisadas, conforme o TCU, eram as seguintes:
Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro
(Comperj); Refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná; e Terminal de
Granéis Líquidos do Porto de Barra do Riacho, no Espírito Santo.
No
caso da Refinaria Abreu e Lima, o TCU apontou indícios de superfaturamento de
R$ 96 milhões e sobrepreço de R$ 121 milhões em serviços de terraplenagem. No
final da administração Lula, os técnicos concluíam que Abreu e Lima, prevista
para custar US$ 2,3 bilhões, sairia por US$ 15,6 bilhões.
Não
parou aí. Com o tempo, o preço da refinaria explodiu. No final de 2014, ao término
do primeiro governo Dilma Rousseff, ultrapassava os US$ 20 bilhões.
O
relatório do TCU de 2010 citou 34 vezes a expressão "obstrução à
fiscalização" ao se referir a Abreu e Lima. Do documento: "No caso
presente, a obstrução à fiscalização do TCU configura-se pelo não
encaminhamento de informações essenciais para a formação de opinião a respeito
da regularidade das estimativas de custos, assim como dos orçamentos
contratados".
Em
março de 2010, Lula levou sua candidata Dilma Rousseff para vistoriar as obras
da Refinaria Presidente Getúlio Vargas, localizada em Araucária (PR).
Aproveitou para atacar o TCU:
- Se
tem que fazer investigação, que façam, se tem que apurar, que apurem, mas não
vamos fazer com que um trabalhador, um brasileiro que está levando o pão para
sua casa, fique desempregado porque alguém está desconfiando de alguma coisa.
Tradução:
se houve desvios e corrupção, é um mal menor.
As
coisas continuariam do jeito que estavam. O relatório do TCU, o tempo
revelaria, era apenas a ponta do iceberg. Nos três primeiros anos do governo
Dilma Rousseff, a Petrobras assinaria R$ 90 bilhões em contratos sem licitação.
Bons serviçais
Esta
introdução exige citar o engenheiro Paulo Roberto Costa, o Paulinho, como
carinhosamente era chamado por Lula. Funcionário de carreira da Petrobras,
ocupou o poderoso cargo de diretor de Abastecimento no início da administração
do PT por influência de outro partido da base aliada engendrada por Lula, o PP
(Partido Progressista). Paulinho foi longe porque teve a sensibilidade de
prestar bons serviços ao PT e ao PMDB, que compartilhavam o butim. Preso no
rastro das investigações da Operação Lava Jato em 2014, ele se tornaria um
delator importante a desvendar os caminhos do petrolão.
Um
exemplo de como funcionou a dupla LulaDilma ocorreu em 2008, quando ela ainda
era ministra da Casa Civil. Dois contratos foram assinados entre a Petrobras e
a Capacità Eventos, no valor de R$ 538 mil. Ibanês César Cássel, um dos donos
da empresa contemplada, tinha laços pregressos com a então ministra, que o
nomeara pela primeira vez para posição pública quando ainda ocupava o cargo de
secretária de Energia, Minas e Comunicações do Rio Grande do Sul, antes do
governo Lula.
O
ponto é que desde 2005 Cássel era diretor da Empresa de Pesquisa Energética,
ligada ao Ministério de Minas e Energia, nomeado a convite de Dilma Rousseff.
Mesmo assim a Capacità foi contratada para fazer a festa de inauguração da
plataforma P-53, na cidade de Rio Grande (RS).
Eleita
presidente da República, Dilma Rousseff concordou com o pedido de Lula para
manter José Sérgio Gabrielli na Presidência da Petrobras. O plano era levá-lo
em momento oportuno a ocupar cargo importante no Governo da Bahia, e então
lançá-lo para ser o candidato à sucessão do governador baiano Jaques Wagner
(PT). A articulação não vingaria em decorrência do petrolão. De qualquer forma,
a estratégia de Lula manteve no banco de reservas Maria das Graças Foster, a
preferida da presidente Dilma Rousseff para tomar conta da Petrobras.
Semelhante
à amiga Dilma, Graça Foster, diretora de Gás e Energia da Petrobras, confundia
público e privado. Empresa do marido dela, o senhor Colin Vaughan Foster,
assinara 42 contratos com a Petrobras, sendo 20 sem licitação. E faturou nos
últimos três anos do governo Lula R$ 614 mil, supostamente fornecendo
componentes eletrônicos para áreas de exploração e produção da estatal.
Aqui,
parênteses para informar que o Ministério Público de São Paulo, no apagar das
luzes do governo Lula, no final de 2010, denunciou três funcionários do
gabinete do presidente da Petrobras, sete delegados de polícia e uma agente
policial por violação do sigilo de fichas criminais de mais de 400 mil pessoas,
no período de 2000 a 2009. Um espanto.
A
finalidade, acredite o leitor, era impedir que gatunos fossem contratados ou
prestassem serviços para a Petrobras, como também demitir os malfeitores que já
estavam dentro da empresa. No País da piada pronta, o óbvio: foram à cata de
milhares de pequenos batedores de carteira e deixaram à vontade uns poucos
petroladrões. Só para concluir, a política da estatal era recompensar os
serviços prestados pelos policiais com viagens de avião, cestas de Natal e
brindes diversos, como materiais de escritório.
Em 28
de outubro de 2010, a três dias da eleição que levaria Dilma Rousseff à
Presidência da República, Lula cumpriu seu 67º compromisso público
propagandeando a Petrobras no período referente aos quatro anos de seu segundo
mandato. Pegou um helicóptero e foi ao campo de Tupi, na Bacia de Santos, a 300
quilômetros da costa, para, oficialmente, dar início à exploração comercial do
pré-sal. Lula pôs a mão no petróleo e o cheirou. Do discurso do presidente: -
Quando a gente quiser ter orgulho de alguma coisa neste País, a gente lembra da
Petrobras, de seus engenheiros, de seus geólogos, do pessoal que é a razão
maior do orgulho. Mais do que o carnaval, do que o futebol. A Petrobras é a
certeza e a convicção de que este País será uma grande nação.
Nas
páginas deste livro, o dia a dia do escândalo do petrolão. As novas
descobertas. Os desdobramentos. Como evoluíram as investigações que
estarreceram o País. O saque à Petrobras.
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Folha Online
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