O Fundo Monetário
Internacional (FMI) destacou, no fim de setembro, a Lava Jato como um exemplo
no combate à corrupção. O documento que cita a operação brasileira é uma das
iniciativas do Fundo para discutir o assunto - haverá também um seminário sobre
o tema. "O FMI, em geral, não cobre esses temas, mas (a corrupção) se
tornou algo tão sério, a ponto de impedir o desenvolvimento, que ganhou
importância entre a direção do Fundo", diz o brasileiro Carlos Eduardo
Gonçalves, que participou da elaboração do documento.
Professor licenciado da
USP e pesquisador do FMI, o economista é um dos nomes por trás do estudo que
aponta que, na América Latina, a renda per capita poderia crescer cerca de US$
3 mil caso a corrupção retrocedesse. No Brasil, diz, o patamar está nessa
média.
O estudo destaca que
estancamento econômico e corrupção são bidirecionais - a falta de crescimento
alimenta a corrupção e vice-versa. Mas, no caso da América Latina, haveria
indicativos de que a corrupção seria mais responsável por reduzir o
crescimento, do que o nível de desenvolvimento gerar corrupção. Quais são esses
indicativos?
O que faço é pegar o
dado de corrupção e olhar para o nível de renda per capita de um país. É de se
esperar que, no Haiti, a corrupção seja mais alta que na Suécia. Então o que
interessa é ver se o país é corrupto além da medida quando se olha para o nível
de renda per capita. Por exemplo, no México, a renda é relativamente alta, mais
alta que no Brasil, e o país é mais corrupto que o Brasil. Então parece que o
México tem uma corrupção não explicada simplesmente pelo fato de não ser
desenvolvido.
Sob essa perspectiva,
como o Brasil está?
O Brasil está muito no
holofote por causa da Lava Jato, mas está no meio dos países da América Latina.
Somos mais ou menos tão corruptos quanto se esperaria. Na América Latina, quem
tem um desempenho sublime é Chile e Uruguai. Sempre falando de percepção de
corrupção. É o indicador que temos disponível, porque corrupção não é
observável.
Então é possível dizer
que, na América Latina, a corrupção tem reduzido o crescimento econômico?
Sim. Quando você pensa
em um crescimento no longo prazo, nos últimos 20 anos, a corrupção na América
Latina foi um entrave para o crescimento. Isso é muito importante debater
porque a tese inicial de corrupção e crescimento, dos anos 70, dizia o
seguinte: se você é um empresário, vai desembaraçar uma máquina importada e, se
paga propina, rapidamente desembaraça a máquina e começa a produzir. Então você
poderia dizer que a corrupção funcionaria como um óleo na engrenagem. Essa tese
está errada porque a corrupção não chegou para reduzir uma burocracia
excessiva. O ambiente de negócios complicado é criado em função de que se
conhece a probabilidade de cobrar propina. A burocracia excessiva pode ser uma
dificuldade criada, que decorre do fato de se saber que uma estrutura
complicada gera uma renda a mais (propina). Tanto que lugares em que se tem
mais burocracia são também mais corruptos. E a América Latina, particularmente
o Brasil, tem um ambiente de negócios péssimo.
O estudo indica que a
renda per capita na América Latina poderia aumentar US$ 3 mil com a redução da
corrupção. Quanto seria no Brasil?
Esse é um número médio.
Não tem como saber (o valor exato) para cada país. Mas, se o Brasil conseguisse
melhorar substancialmente seu nível de corrupção, passando por exemplo ao que
hoje é o Uruguai, isso significaria, com todas as cautelas associadas a um
exercício econométrico, um aumento de renda per capita nessa casa - US$ 3 mil
por habitante no longo prazo. São uns 30% de aumento em relação ao patamar
atual.
É importante destacar
que usamos um índice de percepção de corrupção. Você está no Brasil vendo todo
dia alguma notícia de corrupção. Naturalmente, você vai falar que a corrupção
no Brasil está muito alta. Possivelmente ela é até mais baixa agora, esse é um
defeito do dado.
O FMI fala que melhorias
institucionais e redução de corrupção andam juntos. Quais melhorias fariam mais
sentido para o Brasil?
Primeiro transparência,
e o Brasil já deu passos nessa direção. Por exemplo, os leilões de concessão
são eletrônicos. Depois, clareza no orçamento: tenho que poder entrar no site
do Tesouro Nacional e achar tudo. Diminuir o poder discricionário das pessoas
também é importante. Tudo tem que ser via portal eletrônico. Não pode chegar um
cara e dizer: "Eu vou decidir se você vai ter uma licença de
importação". Tornar cada vez menos pessoal essas interações. Outro ponto
relevante é a renegociação de contrato logo após um leilão, isso acontece muito
na América Latina. Uma empresa chega no leilão com um preço baixo e depois faz
um parecer técnico dizendo que precisa cobrar mais. Preço acordado em leilão
não pode ser renegociado no curto prazo. A empresa tem de ter feito uma análise
de custo-benefício do projeto. No médio prazo, até pode, porque há percalços no
caminho: descobre-se que o negócio é mais custoso ou está demorando porque o
governo não libera uma licença. Nesse caso, pode-se fazer uma renegociação, mas
via um painel independente. Deve-se chamar um grupo de especialistas
independentes para analisar a demanda do proponente sobre o aumento, por
exemplo, de tarifas naquela concessão.
No Brasil, há o caso dos
aeroportos. Os estudos anteriores à concessão deles, projetavam uma demanda que
não se verificou. Esse não é um risco que a empresa deveria ter colocado em
seus modelos? A renegociação no médio prazo também não deveria ser dificultada?
É verdade (que a probabilidade
de a demanda não ser atingida deveria ser considerada pela empresa). Mas em
casos em que o governo falou que liberaria a licença ambiental para construir
uma pista em seis meses e demorou dois anos? Tem alguns casos em que faz
sentido poder conversar sobre isso, mas com um painel independente. O setor
privado deve chamar especialistas que não tenham interesse no negócio.
Acontece muito de o
setor privado contratar alguém para fazer um estudo que comprove suas
necessidades...
É verdade. A gente nunca
vai zerar a capacidade de influência, mas, se pudermos cortar a possibilidade
de renegociação de contrato no trimestre após a concessão, já é um passo. Uma
questão importante é que é difícil ter corrupção quando não há possibilidade de
ganhos extra-mercado para um negócio. Por exemplo, no caso de um país que tem
cotas de importação, alguém pode querer vender a cota e colocar dinheiro no
bolso. Quanto mais a gente aumenta a competição da economia, abolindo a licença
de importação, por exemplo, mais difícil será o agente público conversar com o
privado e pedir um dinheiro a mais.
Do JCNET (com Estadão Conteúdo)
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