Responsável pelo
acordo de leniência da UTC, o primeiro fechado pela Operação Lava Jato e que
deve permitir o retorno de 574 milhões de reais aos cofres públicos, o advogado
Sebastião Tojal, de 58 anos, diz que o Poder Judiciário, o Tribunal de Contas,
o Ministério Público, a Controladoria-Geral e a Advocacia-Geral da União
embarcaram numa cavalgada para ver quem pune com mais rigor as empreiteiras
denunciadas. Tojal, que agora cuida das tratativas da Andrade Gutierrez, afirma
que o comportamento desses órgãos de controle é inconstitucional e pode
implodir futuras negociações. Como consequência, diz, ameaçam a Lei
Anticorrupção e podem empurrar conglomerados inteiros à bancarrota. 'O ponto de
partida deve sempre ser a Carta Magna de 1988, que define de forma claríssima:
leniência é papel do Ministério Público Federal. Ou vivemos sob o reinado da
lei ou nada vai funcionar', diz.
O acordo de
leniência entre a UTC e a Controladoria-Geral da União pode ser revisto. O que
aconteceu? Existe uma luta corporativa dentro da administração pública. São
grupos que, na ânsia de fazer justiça, pleiteiam o protagonismo da luta contra
a corrupção. É uma espécie de reencarnação do ludismo, no século XIX, quando se
defendia a destruição das máquinas como saída para as péssimas condições de
trabalho. Agora se pensa no aniquilamento de empresas como forma de debelar os
desmandos. É uma corrida sem vencedores, que acarreta enorme insegurança
econômica, jurídica e social, comprometendo grandes corporações.
Quem são os atores
dessa briga? De um lado você tem o Ministério Público Federal, que inaugurou o
processo através da Lei Anticorrupção, aprovada em 2013. De outro, a
Advocacia-Geral da União, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral
da União. E, mais recentemente, o Poder Judiciário. Em agosto, o Tribunal
Regional Federal da 4ª Região-TRF4 (Porto Alegre) decidiu que só a CGU pode
falar em nome da União na celebração de acordo de leniência. É uma decisão
espantosa. Não tem o menor cabimento jurídico. Nunca se levantou dúvida da
competência do MPF para atuar em ações de improbidade administrativa. É
responsabilidade do órgão não só fiscalizar, como também buscar ressarcimento
ao Erário. O MPF firmou acordos com base no sistema normativo, amparado pela
própria Constituição.
Como o cabo de
guerra pode impactar a Lava Jato? Vou ser franco: toda e qualquer tentativa de
boicotar o que já foi feito conspira contra o êxito da Lava Jato. A
instabilidade produzida por governo e Justiça traz como resultado o desestímulo
a novos acordos de leniência. As empresas têm sido surpreendidas por cobranças
inesperadas. É como se nada tivesse sido produzido até aqui. O que já ocorre é
que outras empreiteiras retardaram o processo de negociação até que o cenário
fique mais claro. Não é razoável cobrar compromissos sem ter segurança. Não se
sabe, sequer, quando a UTC poderá voltar a participar de concorrências
públicas. A leniência poderá entrar para a história do direito público como um
instituto natimorto.
E quem deve
centralizar a leniência no Brasil? Sem dúvida, o Ministério Público. O que
falta é previsão normativa. Existe todo um sistema de leis que atribui a órgãos
distintos essas funções. A Lei de Concorrência, por exemplo, diz que deverá ser
o CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ligado ao Ministério da
Justiça]. Já a Lei Anticorrupção define a CGU e a AGU. Mas a Constituição
coloca o Ministério Público como entidade competente. Dessa forma, é primordial
fixar, à luz constitucional, o papel dos procuradores.
"Existe uma luta
corporativa dentro da administração pública. São grupos que, na ânsia de fazer
justiça, pleiteiam o protagonismo da luta contra a corrupção"
Que exemplos
internacionais podem inspirar o Brasil a melhorar seu sistema? Nos Estados
Unidos, a compreensão do instituto da leniência e da delação premiada é total.
Lá, o Departamento de Justiça centraliza a negociação e aplicação da
penalidade. Com isso, não é preciso dirigir-se a diferentes órgãos. É um
caminho inteligente, que acelera o processo e poupa recursos. Posso citar o
caso da Embraer, que pagou 206 milhões de dólares para encerrar as acusações de
pagamento de propina. Tão logo se concluiu sua leniência, a empresa pôde voltar
ao mercado em condições plenas.
O processo de
leniência da UTC foi iniciado em 2015 e só finalizado em julho deste ano. A
legislação precisa ser aperfeiçoada para que esse tipo de processo se encerre
mais rápido? Temos o péssimo hábito de achar que mudar a lei resolve. O que é
preciso é nos comportarmos dentro da lógica do modelo criado, que prevê atuação
primordial do Ministério Público. Ele é de enorme acerto. Uma Prestação de
contas da força-tarefa da Lava Jato a Raquel Dodge [procuradora-geral da
República, chefe do MPF] mostrou que, em três anos, voltaram para os cofres cerca
de 4 bilhões de reais. É fantástico, e consequência do processo de abreviação
das investigações. Não podemos dar as costas para a Constituição. Até porque o
tempo do Legislativo é longo com relação às demandas da sociedade. O ponto de
partida é sempre a Carta Magna de 1988, que define de forma claríssima o papel
do Ministério Público Federal. Ou vivemos sob o reinado da lei ou nada vai
funcionar.
No mesmo mês, a
PETROBRAS não renovou com a UTC contratos para a manutenção de dezessete
plataformas na Bacia de Campos. Como o senhor vê a decisão da companhia? É
inconcebível que órgãos estatais criem embaraço ao sistema de leniência.
Revela, ao mesmo tempo, enorme descompromisso e ignorância. Como é possível,
uma vez firmado o acordo com o MPF, que a principal contratante do mercado
imponha obstáculos à retomada? Não faz sentido. A PETROBRAS precisa entender
que a melhor forma de ser ressarcida é permitir que empresas que celebraram
acordos possam competir em condições normais de mercado. Para que, dessa forma,
tenham os recursos necessários à quitação das multas. Ninguém pede a
recontratação. Apenas que disputem em condição de igualdade.
A UTC se beneficiou
por ter sido a primeira a fechar acordo de leniência? A lei traz a progressão
de tratamento à medida que se tem um, dois, três acordos versando sobre os
mesmos fatos. A primeira empresa terá benefícios de redução de multa que não
serão usufruídos pelas seguintes. No plano da concorrência, tem direito ao
acordo quem primeiro chega.
O ministro Bruno
Dantas, do Tribunal de Contas da União, disse que os 8,6 bilhões de reais
recuperados pelos procuradores são apenas um 'aperitivo' e que terão de
'desembolsar muito mais'. Que impacto uma declaração como essa tem no meio
empresarial? Falta sobriedade, antes de tudo. Causa estranheza quando um
ministro do TCU vem a público dizer palavras que não pertencem a um diálogo
elevado. É o tipo de declaração que tem como único objetivo criar perplexidade.
O TCU agora propõe como regra que houve sobrepreço de 17% em todo tipo de
contrato. Trata-se de decisão que pode inviabilizar o ressarcimento dos cofres
e a obtenção de informações valiosas. Por outro lado, nos últimos três anos,
perderam-se ao menos 600.000 empregos na construção civil. É uma crise de
proporções colossais, e esse tipo de arroubo não vai ajudar em nada. Não existe
um Estado do TCU, outro da AGU e mais um do MPF. É a Constituição Federal que
rege todos nós. E ela foi seguida durante todo o processo.
O senhor defende a
ideia de que a leniência é o melhor instrumento para o combate à corrupção. Por
quê? O Estado tinha, até recentemente, uma atitude impositiva, em que o
conflito se resolvia de forma litigiosa. O Estado tudo podia, porque incorpora
o interesse público. A leniência, porém, é a expressão de uma nova mentalidade.
É muito mais eficaz resolver conflitos através de práticas consensuais do que
impositivas. Trata-se de uma longa evolução, que inclui, por exemplo, os termos
de ajuste de conduta feitos nas agências reguladoras. E não se trata de uma
solução isolada, feita por algum iluminado do Poder Legislativo. A leniência é
a materialização de um novo de paradigma.
"Toda e
qualquer tentativa de boicotar o que já foi feito conspira contra o êxito da
Lava Jato. A instabilidade produzida por governo e Justiça traz como resultado
o desestímulo a novos acordos de leniência. As empresas têm sido surpreendidas
por cobranças inesperadas"
Quais são os
parâmetros para se considerar uma leniência bem-sucedida? É preciso que o
acordo cumpra três funções. A primeira, municiar o Estado com dados e provas
que acelerem as investigações. De outra maneira, essas informações nunca seriam
descobertas, ou demorariam tempo demais. Dito isso, a colaboração permite uma
economia de recursos sem precedentes. Em segundo, ressarcir o Erário. O ponto
de equilíbrio está na capacidade de pagamento das empresas e na necessidade do
Estado de receber os recursos. Por fim, esses acordos trazem uma série de
compromissos de compliance. Ou seja, funcionam como marco para a criação de um
novo ambiente empresarial, de boas práticas entre o estado e o setor privado.
Diante do cenário
de terra arrasada na economia, por que a população deve considerar justo um
acordo de leniência? Tenho a impressão de que vivemos um justicialismo nos mais
diferentes campos. O acordo de leniência não visa, de maneira nenhuma, a
preservar a impunidade. Essa falácia precisa ser desfeita. O que se pretende é
a satisfação de objetivos variados, que vão
da necessidade de
ressarcimento do Erário à preservação da empresa como fonte geradora de
recursos, riquezas, empregos.
Como se chega ao
montante necessário para reparar o passado? Todos os valores definidos seguem
rígido padrão técnico. Exigiu-se das empreiteiras o reconhecimento de
sobrepreço, e todas concordaram. Nenhuma se furtou à discussão. O problema é
que se criou um falso debate em que os acordos são encarados como proteção aos
corruptos. Não é verdade. Uma empresa não pode ser estimulada a prestar
informações se, em contrapartida, só houver punição. É necessário estímulo para
que prestem informações que acelerem as investigações. E que, em contrapartida,
obtenham alguma premiação por sua postura. Além disso, posso dizer que os
valores levantados superam, e muito, o que seria possível em ações de
improbidade administrativa.
Não existe risco
de, após a Lava Jato, as empresas voltarem às velhas práticas? A companhia que
celebra leniência vai impor aos concorrentes o mesmo padrão ético. Essas
corporações se tornam vigilantes do mercado, porque estão vinculadas a um
contrato fiscalizatório. Mesmo após a celebração, elas continuam a prestar
contas ao Ministério Público. Em outras palavras, ao funcionar adequadamente,
os diferentes agentes do Estado e da iniciativa privada se aliam na construção
de uma nova ordem.
Veja Online
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