Na avaliação do
TCU, procedimento não tem amparo legal e, nesse meio-tempo, crimes até poderão
prescrever
O Ministério da
Transparência suspendeu por dois anos a investigação de desvios praticados pela
Engevix na PETROBRAS, sob a justificativa de que a empreiteira propôs um acordo
de leniência —espécie de delação premiada para pessoas jurídicas.
Documentos do TCU
(Tribunal de Contas da União), obtidos pela Folha, mostram que, enquanto as
apurações ficaram paradas, a construtora, alvo da Lava Jato, não confessou
ilícitos, não colaborou com a descoberta de novos crimes e as negociações
fracassaram.
A suspensão de
investigações tem sido um padrão na Transparência. Onze empresas suspeitas de
Corrupção, a maioria alvo da Lava Jato, tiveram processos administrativos de
responsabilização (PARs) congelados para negociar colaborações, segundo dados
da própria pasta. Porém, até agora, só uma, a UTC Engenharia, chegou a um termo
com o governo.
A Transparência não
divulga os nomes, alegando sigilo. A Folha apurou que entre elas estão
investigadas na Operação Lava Jato, como Engevix, Galvão Engenharia e a
holandesa SBM.
O TCU, que
investiga os procedimentos do órgão, entende que a pausa não tem amparo legal e
favorece indevidamente as empresas. Segundo a corte, a conduta contribui para
que as Irregularidades prescrevam sem que haja a apuração adequada e ainda
engorda o caixa das envolvidas, pois, enquanto não são punidas pelo governo,
elas continuam aptas a fechar contratos públicos.
Um relatório
sigiloso da corte propõe que a controla-doria apresente, em 60 dias, um
mapeamento completo das tratativas em curso. O caso seria julgado na
quarta-feira (25), em sessão reservada do tribunal, mas houve pedido de vista.
A investigação
sobre a Engevix foi suspensa em 6 de abril de 2015 e só foi retomada em 10 de
abril deste ano, após a Transparência e a AGU (Advocacia-Geral da União)
colocarem fim às negociações para um acordo de leniência.
Nesse período, os
prazos de prescrição correram. Em 2015 e 2016, a empresa recebeu do governo ao
menos R$ 61 milhões, fruto de contratos que já vigoravam. Em março deste ano,
foi declarada inidônea num processo que tramitou no TCU e proibida de
participar de novas Licitações. Ainda não houve punição do governo.
O tribunal fez
auditoria na negociação da Transparência com a Engevix. “A suspensão dos
processos de responsabilização vai de encontro à finalidade da lei 12.846/2013
[Lei Anticorrupção], que visa atender primordialmente ao princípio da
moralidade. Vai de encontro também à finalidade do próprio acordo de leniência
como ferramenta de investigação, que visa a identificar e responsabilizar de
forma célebre os responsáveis por atos ilícitos”, diz trecho de relatório sobre
o caso.
A prática do
Ministério da Transparência vem no momento em que uma nova lei amplia os órgãos
aptos a negociar leniência, mas torna o procedimento mais inseguro para as
empresas.
Galvão Engenharia e SBM estão entres os casos em
suspenso
A investigação
sobre outras empreiteiras também hibernou no Ministério da Transparência. É o
caso da Galvão Engenharia, alvo da Lava Jato. Em março de 2015, a empresa
propôs um acordo de leniência ao governo e teve seu processo de
responsabilização suspenso. Em dezembro do ano seguinte, as negociações ainda
estavam em fase inicial. Nem uma minuta de acordo havia sido feita.
Em março deste ano,
a empresa interrompeu as tratativas com a Transparência para negociar com o
Ministério Público Federal. O TCU alega que também houve suspensão indevida
nesse caso.
Outro caso que
permanece em impasse é o da SBM Offshore. Primeira a acertar leniência com o
governo, há mais de um ano, a empresa holandesa ainda não teve seu acordo
aprovado definitivamente, pois a 5a Câmara da Procuradoria-Geral da República
(PGR) apontou Irregularidades nas cláusulas em setembro do ano passado. Na
segunda-feira (9), o ministro Vital do Rêgo, do TCU, suspendeu o processo por
45 dias até que a empresa e o Ministério da Transparência corrijam os
problemas.
A SBM é uma
multinacional que aluga plataformas para a PETROBRAS, com quem mantém contratos
que somam cerca de US$ 22 bilhões. Em 2014, após uma apuração interna, a empresa
admitiu que seus lobistas pagaram US$ 139 milhões em propinas no Brasil ao
Ministério Público da Holanda, que investiga o esquema de Corrupção também
praticado pela empresa em Angola e Guiné Equatorial. O caso também foi apurado
na Lava Jato.
Um dos principais
entraves para o acordo é quanto ao dano causado. Os cálculos foram feitos com
base nas propinas pagas e nos lucros de contratos obtidos ilicitamente, mas o
prejuízo a restituir ao erário pode ser maior, por conta de Superfaturamento
nos valores dos serviços. Por isso, exige-se que a empresa apresente documentos
para um cálculo mais preciso das perdas. Hoje, se cobra da SBM no Brasil cerca
de R$ 1 bilhão.
Outro ponto
controverso diz respeito à forma de pagamento. A empresa quer quitar parte do débito
prestando serviços à PETROBRAS. Os valores de ressarcimento seriam descontados
das faturas a receber da estatal.
Esses pontos, agora
questionados pelo TCU, são basicamente os mesmos que levaram a 5a Câmara a
reprovar o acordo, (FF e JW)
OUTRO LADO
Negociar leniência
é investigar, afirma pasta
O Ministério da
Transparência informou que atua “de forma regular e em total respeito às leis e
normas vigentes, visando unicamente ao interesse público”. Em nota, a pasta
sustentou que “nunca houve interrupção de investigações, visto que o acordo de
leniência é também um meio de obtenção de provas”. “Não há processos parados”,
reiterou.
Questionada pela
reportagem da Folha, a Transparência não detalhou qual foi o período de
suspensão de cada um dos processos administrativos de responsabilização (PARs).
“Encontram-se
suspensos os PARs daquelas empresas que estão em negociação de acordo de
leniência. Ressaltamos que não existe um período máximo ou mínimo de suspensão
e que a CGU [Transparência] realiza o controle para evitar a prescrição dos
ilícitos. Desde o início do ano, o prazo inicial de suspensão é de 180 dias.”
A pasta alegou que,
em razão do sigilo imposto pela Lei Anticorrupção, não se manifesta sobre nomes
de empresas, possíveis termos, existência de acordos, bem como detalhes de
negociações em andamento.
EMPRESAS
A Engevix informou,
por escrito, que o governo, que cancelou a negociação de seu acordo, “faria
melhor se admitisse que está firmemente empenhado em inviabilizar as empresas
extorquidas pela PETROBRAS — hoje, estranhamente, no papel de vítima”.
“Acreditar que se
pode recuperar a popularidade exterminando empresas é uma aposta perversa.
Desmontar o parque empresarial brasileiro de infraestrutura como se fechar
empresas fizesse parte de alguma política de combate à Corrupção é um erro
fatal”, criticou a empresa por meio de nota.
A Engevix sustentou
ter atendido às exigências da Transparência para o acordo. “A empresa entregou
farto material para as autoridades, motivo pelo qual o órgão chegou ao estágio
de calcular a multa. A má vontade da AGU [Advocacia-Geral da União] e da CGU
[Transparência] se constata pelo fato de a comissão de análise ter sido trocada
nada menos que três vezes.”
A Engevix
acrescentou ter adotado “sério e consistente” programa de compliance [sistema
interno de controle para coibir, identificar e também punir eventuais atos de
Corrupção que venham a ser praticados por funcionários].
“O aparente motivo
para as dificuldades no acerto parece ser financeiro, o que revela uma postura
que acaba beneficiando empresas com maior poder financeiro, enquanto sacrifica
as que não têm fôlego para arcar com multas desproporcionais e sem lógica. O
órgão cria um purgatório discricionário em que os que cometeram mais crimes se
safam pagando”, acrescentou a Engevix.
Consultadas
novamente sobre as críticas da empreiteira, AGU e CGU não quiseram se
manifestar.
Galvão Engenharia e
SBM não comentaram (FF e JW)
Por FÁBIO FABRINI JULIO WIZIACK, na Folha de S. paulo
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