terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Reorganizações societárias e contratos públicos


Face à grave crise financeira que paira sobre o país, verifica-se um acentuado aumento de operações societárias empresariais - como a fusão, cisão e incorporação. Por meio delas, os empresários buscam reestruturar suas atividades. Visam, por exemplo, a expansão ou mesmo a racionalização de suas atividades frente a um ambiente comercial de competição.
As cisões, fusões e incorporações são fenômenos inerentes à atividade empresarial, principalmente entre grandes corporações. As empresas que possuem contratos com a administração pública também não fogem desse escopo, conquanto tais reestruturações societárias são instrumentos dos quais elas frequentemente lançam mão. Tendo isto em vista, há a problematização: com o surgimento de uma nova empresa como resultado de uma reestruturação societária, o que ocorreria com os contratos que a antiga empresa havia firmado com a poder público? Seria permitida a cessão desses contratos?
À primeira vista, pode-se deixar seduzir pela rasa resposta de que, havendo a reestruturação societária da empresa contratada e, por isso, a alteração da pessoa originalmente contratada, tais contratos deveriam se rescindidos e sucedidos de nova Licitação, caso o edital e o contrato não sejam expressos a autorizar tal operação.
O TCU reforça que não há obrigatoriedade de rescisão de contratos com empresas que sofreram processo de fusão, cisão ou incorporação
O fundamento para essa decisão seria que os contratos públicos possuem natureza "intuitu personae", ou seja, sua validade se vincula à pessoa da contratada. Assim, não seria possível a cessão desse contrato para a empresa originada de uma cisão (cindenda), ou mesmo que a incorporadora adquira os contratos administrativos da incorporada. Todavia, conforme doravante se expõe, tal entendimento merece mitigação, por não ser o mais adequado.
Em regra, a celebração de contratos públicos são precedidos do devido processo licitatório onde uma empresa sagrou-se vencedora. Neste processo a administração busca obter a proposta mais vantajosa para atender a uma necessidade pública. O norte que rege tal contratação é o interesse público, este que deve ser entendido como a manutenção do preço aliado à qualificação técnica. Desta feita, a administração deve contratar a melhor proposta dentre os licitantes, e não a melhor empresa, um nome.
Nesse sentido, deve-se primar pela objetividade e pela garantia de execução de uma proposta, em detrimento da pessoalidade. Como bem asseverado pela melhor doutrina, o contrato administrativo não é personalíssimo, de modo que a cessão contratual não configura uma contratação direta, sem Licitação. Menos ainda quando se está diante de um caso de reorganização empresarial. A proposta mais vantajosa já foi escolhida através do processo licitatório, proposta tal que não se alterou e deverá ser cumprida nos mesmos termos.
Vale dizer, ainda, que a cessão desses contratos para uma nova empresa, por força de reestruturação societária, representa tão somente uma mudança subjetiva no polo contratual. A cessão não é feita a empresa alheia.
Sobre o tema, os tribunais já manifestaram entendimento. Em algumas ocasiões, o Tribunal de Contas da União fixou o entendimento no sentido da possibilidade de manter vigentes contratos nos quais a contratada tenha passado por um processo de cisão, incorporação ou fusão.
Trata-se de medida que, de acordo com o contexto, se presta ao atendimento do interesso público. Todavia, por óbvio que, por outro lado, a nova integrante da avença deverá manter suas condições de habilitação, sendo empresa que atenda às exigências anteriormente dispostas em edital e esteja apta a cumprir com a proposta que foi selecionada pela administração.
Nesta mesma toada, o Egrégio TCU também reforça que não há obrigatoriedade de rescisão de contratos que tenham sido firmados com empresas que tenham sofrido um processo de fusão, cisão ou incorporação. Portanto, o tribunal tem se manifestado em prol da continuidade de tais contratos, e, consequentemente, da prestação dos serviços de relevância pública.
Cabe ao administrador público primar pelo atendimento do interesse público. Desta feita, a rescisão desses contratos públicos em razão de reorganizações societárias pode se figurar como uma medida precipitada e contra o referido interesse, caso mantida a capacidade técnica pela empresa adquirente dos direitos e deveres contratuais.

Por Márcio Valente Tanure, no Valor Econômico

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O livro contém o texto original de Nicolai Gogol, a peça teatral “O inspetor Geral”. E mais um ensaio e 20 artigos discorrendo sobre a realidade brasileira à luz da magnífica obra literária do grande escritor russo. Dessa forma, a Constituição brasileira, os princípios da administração, as referências conceituais da accountability pública, da fiscalização e do controle - conteúdos que embasam a política e o exercício da cidadania – atuam como substrato para o defrontar entre o Brasil atual e a Rússia dos idos de 1.800. 

Desbravar a alma humana através de Gogol é enveredar por uma aventura extraordinária, navegar por universos paralelos, descobrir mundos mantidos em planos ocultos, acobertados por interesses nem sempre aceitáveis.

A cada diálogo, a cada cena e ato, a graça e o humor vão embalando uma tragédia social bastante familiar a povos de diferentes culturas, atravessando a história com plena indiferença ao tempo. 

O teatro exerce este fascínio de alinhavar os diferentes universos: o cáustico, o bárbaro, o inculto que assaltam a realidade, que obliteram o dia a dia; e o lúdico, o onírico, o utópico-fantástico que habitam o imaginário popular. 

“O inspetor geral” é um clássico da literatura universal. Neste contexto, qualquer esforço ou tentativa de explicá-lo seria tarefa das mais frívolas e inócuas. E a razão é simples, frugal: nos dizeres de Rodoux Faugh “os clássicos se sustentam ao longo dos tempos porque revestem-se da misteriosa qualidade de explicar o comportamento humano e, ao deslindar a conduta, as idiossincrasias e o caráter da espécie, culminam por desvendar a própria alma da sociedade”. 

Esta é a razão deste livro não aspirar à crítica literária, à análise estilística e, sim, possibilitar que o leitor estabeleça relações de causa e efeito sobre os fatos e realidade que assolavam o Império Russo de 1.800 com os que amarguram e asfixiam o Brasil dos limiares do século XXI. 

Do início ao final da peça teatral, as similaridades com o Brasil atual inquietam, perturbam, assustam... Caracteriza a literatura clássica o distanciamento da efemeridade, o olhar de soslaio para com o passadiço pois que se incrusta nos marcos da perenidade. Daí a dramaturgia de Nicolai Gogol manter-se plena de beleza, harmonia, plástica, humor e atualidade.

Nesta expedição histórica, a literatura de um dos maiores escritores russos enfoca uma questão que devasta a humanidade desde os seus primórdios, finca âncoras no presente e avança, insaciavelmente, sobre o futuro. O dramaturgo, com maestria, mergulha nas profundezas do caráter humano tratando a corrupção, não como uma característica estanque, intrínseca exclusivamente à esfera individual, mas como uma chaga exposta que se alastrou para deteriorar todas as construções sociais, corroer as instituições e derrocar as organizações humanas. 

É o mesmo contexto que compartilham Luís Vaz de Camões e Miguel de Cervantes, William Shakespeare e Leon Tolstoi, Thomas Mann e Machado de Assis.

Mergulhar neste mundo auspicioso e dele extrair abordagens impregnadas de accountability pública é o desafio estabelecido. É para esta jornada que o leitor é convidado de honra. 

O livro integra a Coleção Quasar K+: 

Livro 1: Quasar K+ Planejamento Estratégico; 
Livro 2: Shakespeare: Medida por medida. Ensaios sobre corrupção, administração pública e administração da justiça; 
Livro 3: Nikolai Gogol: O inspetor geral. Accountability pública; Fiscalização e controle; 
Livro 4: Liebe und Hass: nicht vergessen Aylan Kurdi. A visão de futuro, a missão, as políticas e as estratégias; os objetivos e as metas.
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