terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Com a maior cara de pau, os governantes manipulam os dados acintosamente



Com dados suspeitos, Previdência de Estados pode ter rombo maior
Diferença entre o déficit declarado pelos regimes estaduais e o apurado pelo Tesouro chegou a R$ 18 bilhões em 2015
Os dados da Previdência dos Estados não são confiáveis e o déficit desses regimes estaduais pode ser ainda maior, na avaliação do TCU (Tribunal de Contas da União). Após auditorias em 22 Estados e no Distrito Federal, o TCU verificou que a maioria deles não disponibilizou aos tribunais de contas estaduais nem mesmo informações completas sobre a quantidade de servidores ativos, inativos e pensionistas.
Cada Estado administra o seu RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), ao qual os servidores estaduais estão vinculados. Se as receitas não são suficientes para cobrir as despesas, cabe ao Estado cobrir esse déficit. O TCU constatou que 16 Estados não informaram o total de pensionistas. Desses, sete também não declararam a quantidade de aposentados. 0 total de servidores ativos, com a quantidade vinculada a cada órgão, não foi informado por cinco Estados.
“Existe um grande problema de confiabilidade das informações, o que compromete a transparência”, afirmou o secretário de Controle Externo da Previdência, do Trabalho e da Assistência Social do TCU, Fabio Granja. O tribunal aponta que, sem dados básicos, como o total de segurados, não é possível ter “a exata dimensão do problema” no momento em que se discute mudanças nas regras da Previdência. “Pode estar existindo sub-dimensionamento do déficit. Ou seja, o problema é ainda mais grave do que está sendo apresentado”, disse Granja.
O problema no controle e na padronização das informações relativas à Previdência fica claro quando são comparados os valores de déficit declarados pelos Estados em 2015 —que somam cerca de R$ 59 bilhões— com o rombo estimado no Plano Anual de Financiamento, apurado pelo Tesouro Nacional: de R$ 77 bilhões.
APERFEIÇOAMENTO
A Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda concorda que as bases de dados dos Estados têm de melhorar, mas argumenta que as avaliações atuarias dos regimes próprios vêm sendo aperfeiçoadas. O órgão tem a atribuição de supervisionar esses regimes e estabelecer normais gerais.
“Essas bases têm problemas, mas isso não quer dizer que seja algo totalmente inconsistente. Os atuários têm formas de trabalhar com premissas que buscam compensar esses eventuais problemas na base de dados”, disse Narlon Nogueira, diretor da Secretaria de Previdência.
As divergências sobre o tamanho do déficit aparecem inclusive nos dados informados por um mesmo Estado. O Rio de Janeiro declarou ao Tesouro um rombo de R$ 542 milhões em 2015. Já à Secretaria de Previdência, o governo informou um déficit de R$ 3,8 bilhões. Na apuração do Tesouro, o valor é ainda maior: R$ 10,8 bilhões. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Fazenda do Rio informou que a diferença entre os valores declarados e aquele apurado pelo Tesouro é “conceituai”.
Minas Gerais declarou um déficit de R$ 4,5 bilhões à Secretaria de Previdência e um valor de R$ 10 bilhões ao Tesouro. Na apuração do Ministério da Fazenda, o rombo é maior: R$ 13,9 bilhões. A Secretaria de Fazenda do Estado afirmou apenas que “são usados critérios diferentes para cada finalidade de prestação de contas”. A Secretaria de Previdência informou que iniciou uma auditoria para cruzar os dados e questionar os Estados sobre as diferenças.

Por Laís Alegretti, na Folha de S. Paulo