Graças às denúncias
da oposição no Senado, especialmente aos pronunciamentos da senadora Vanessa
Grazziotin (PCdoB/AM) e do senador Roberto Requião (PMDB/PR), no final do ano
passo, e sua repercussão na mídia e nas redes sociais, até motoristas de táxi em
São Paulo passaram a comentar que o governo queria dar, de graça, R$ 100
bilhões para as teles.
De onde saíram
esses R$ 100 bilhões que corresponderiam aos bens necessários à prestação do
serviço de telefonia fixa, reversíveis à União pelo contrato de concessão, que
ficariam para as operadoras se o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) for
transformado de concessão em autorização, como propõe o PL 79/2016? E por que
cálculos do governo falam em algo em torno de R$ 20 bilhões? Afinal, quanto
valem os bens reversíveis?
Em setembro de
2012, quando tornou pública, pela primeira vez, em sua página na internet a
relação dos bens reversíveis das concessionárias, a Anatel avaliou em R$ 108,3
bilhões o valor de aquisição de todos os bens móveis e imóveis à época da
privatização do Sistema Telebras. Esses bens tinham valor contábil (depois de
depreciação e amortização), naquela data, de R$ 17,3 bilhões. Em nota técnica
publicada em seu site em 11 de maio de 2016, a Secretaria de Política Econômica
do Ministério da Fazenda, ao defender o fim da reversibilidade dos bens e sua
troca por investimentos, estimava o valor em R$ 17, 7 bilhões (base 2014). E o
Relatório de Bens Reversíveis de 2015, disponível no site da Anatel, soma um
total de R$ 19, 8 bilhões (veja tabela). Os valores do RDB variam ano a ano,
pois há bens que são substituídos por outros da mesma tecnologia, caso dos
cabos de pares metálicos, ou de novas tecnologias.
Relatório de Bens Reversíveis – 2015
Concessionárias Em
milhões de reais
Oi R$ 7.954,1
Telefônica R$
7.855,8
Claro
(NET+Embratel) R$ 3.793,2
Algar Telecom R$
217,5
Sercomtel R$ 19,8
Fonte: Site da
Anatel
Tanto os documentos
da Anatel quanto os de TCU mencionam os R$ 100 bilhões (na verdade, R$ 108,3
bi) como o valor à época daprivatização. Ou seja, os R$ 100 bilhões contidos no
discurso oposicionista não são resultado de nenhum outro cálculo com outra
metodologia. São os valores da época da privatização, sem depreciação e
amortização dos ativos ao longo desses 18 anos.
Em audiência na Câmara
dos Deputados em outubro de 2016, para discutir o PL que lá tramitava com o
número 3453/2015, a advogada Flavia Lefèvre, representando a Proteste, entidade
de defesa dos consumidores, disse que os bens valeriam mais de R$ 100 bilhões,
referindo-se aos valores divulgados pela Anatel. 'Em 2012, a distribuição dos
bens reversíveis pelo valor de aquisição, conforme a Anatel, era de R$ 108,3
bilhões. Em 2013, a Anatel estimou o valor das redes de transporte e de acesso
em R$ 71 bilhões. Entretanto, agora fala em R$17 bilhões a título de trocar os
bens reversíveis por investimentos em redes privadas, desvinculadas de
obrigações de universalização, continuidade e modicidade tarifária', lamentou
ela na ocasião.
Disputa de conceitos
Por trás da guerra
dos números, o que existe, na verdade, é uma disputa em torno do novo modelo de
telecomunicações. A Coalização Direitos na Rede, integrada por um grande número
de entidades da sociedade civil e uma das divulgadoras dos R$ 100 bilhões, é
contra o PL/79 por ele transformar a concessão do STFC em autorização, alegando
que isso vai reduzir os direitos dos consumidores e elevar os preços,
comprometer a universalização da banda larga, reduzir o poder regulatório do
Estado, sem a garantia de efetiva ampliação dos investimentos.
A Coalização conta
com muitos dos integrantes da Campanha Banda Larga para Todos, defensora da
universalização da banda larga e de sua transformação em serviço público.
Portanto, o que está em disputa é a banda larga. Mas há outras questões que preocupam
a oposição e segmentos da sociedade que se manifestaram contra o PL.
Ao proferir seu
voto em separado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, o deputado Helder
Salomão (PT/ES), pediu a rejeição do projeto , pelo fato de uma matéria de tal
relevância social e possíveis impactos negativos aos cofres públicos estar
sendo discutida de forma açodada.
De fato, depois que
o governo Temer, tão logo assumiu, decidiu patrocinar o projeto, com a
coordenação do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações,
Gilberto Kassab, ele tramitou em ritmo acelerado, como corrida de obstáculos.
Para um assunto de tal importância, que altera a Lei Geral de Telecomunicações,
transforma concessão em autorização, reduz o poder do Estado de controlar a
prestação do serviço,- como fixar tarifas -, mexe com patrimônio público, e
pode ter consequências para os direitos do consumidor, é inacreditável que a
Câmara tenha realizado apenas uma audiência pública.
E isso só aconteceu
em outubro de 2016, quando o substituto ao PL 3453/2015, já estava aprovado com
todas as mudanças introduzidas pela Comissão de Desenvolvimento Econômico.
Nessa audiência pública, o procurador da República José Paulo Rocha Jr alertou
sobre o risco da inconstitucionalidade do projeto, podendo vir a ser
questionado pela Procuradoria Geral da República. 'O que nos preocupa é a falta
de Licitação. Como é possível reverter uma oportunidade de negócio para um
agente privado e não oferecer para outro?' indagou o procurador.
Pela LGT, ao
término da concessão os bens seriam licitados para os mesmos ou outros
concessionários. Por esse novo projeto, afirmou, 'parece mais uma venda a
prazo, e não há qualquer garantia de que os investimentos serão realizados.'
O alerta caiu em
ouvidos moucos. Por 36 a 11 o projeto foi aprovado na CCJ no dia 9 de novembro
e o no dia 30 daquele mês, encaminhado ao Senado. Se na Câmara o PL 3453/2015
foi aprovado com pouca repercussão dos movimentos da oposição, que chegou a
perder o prazo para requerer sua votação em plenário, no Senado o cenário foi
outro. A Coalização forneceu munição para os senadores, que entraram com três
requerimentos para que o PL, rebatizado 79/2016, fosse debatido em plenário e
não aprovado de forma terminativa em comissão especial. O tema foi parar no STF
e, no final do recesso, em 2 de fevereiro, a mesa do Senado vai decidir o
encaminhamento. Mas outros atores se movimentaram, como o Ministério Público.
O atropelo da base
governista, que quis aprová-lo no tapetão, em apenas uma semana, deu à opinião
pública mais um motivo para criticar duramente o 'projeto das teles' pelo
'presente de R$ 100 bilhões'. O verdadeiro presente de grego.
Como será a conta
Se o PL 79/2016 for
aprovado, e tudo indica que sim, dada à correlação de forças no Senado, ainda
haverá um longo caminho pela frente até que seja definido o valor que as teles
terão que investir em infraestrutura de rede como contrapartida à transformação
da concessão do STFC em autorização. E para onde esses investimentos deverão
ser dirigidos .
Os investimentos não virão antes de 2018.
Em sua primeira
reunião do ano, o presidente da Anatel, Juarez Quadros, anunciou que quer
contratar duas consultorias externas para avaliar o valor da concessão e uma
auditoria, mesmo modelo adotado à época da privatização. 'Estamos tratando de
patrimônio público', insiste.
Frente às críticas
do ministro relator do TCU, Bruno Dantas, Quadros foi direto: 'Concordo com ele'.
O presidente da Anatel referia-se, não às críticas do TCU sobre as fragilidades
do regulador, ao longo dos anos, para controlar os bens reversíveis e garantir
sua autenticidade no momento atual, mas à metodologia proposta para avaliar o
valor da concessão. A Anatel, seguindo a mesma metodologia adotada em todas as
revisões de Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), propôs que a
avaliação pelo fluxo de caixa descontado fosse feita a partir da migração da
concessão para autorização até o final da concessão (2025).
De acordo com o
relatório do ministro Bruno Ramos, o período a ser avaliado deveria começar
após a privatização e ir até 2025, para não penalizar eventualmente a União.
'Se o argumento para revisar o modelo é a insustentabilidade das concessões,
era de se esperar que a concessão fosse avaliada como um todo, desde o seu
princípio, com todas as receitas, despesas e obrigações associadas.'
O TCU ressalta que,
em alguns casos, em contratos com longa duração, os ganhos auferidos
inicialmente podem compensar prejuízos ocorridos posteriormente, especialmente
frente à diferença temporal no fluxo de caixa.
Os argumentos do
ministro do TCU convenceram Quadros. Como o PL 79/2016 estabelece apenas o que
são bens reversíveis – a parte deles necessária à prestação do STFC -, e não
diz a partir de quando deve se começar o cálculo, Anatel e TCU parecem se
colocar em acordo. Da mesma forma, Quadros garante que o alerta do TCU em seu
relatório sobre os prejuízos para a União caso a Anatel deixe de cobrar o valor
da outorga (hoje paga a cada dois anos) sobre a concessão não tem razão de ser.
Quadros disse que todas as outorgas, sejam de autorizações do STFC sejam de
posições satelitais ou frequências serão onerosas.
Como tudo indica,
Anatel e TCU caminham para uma composição para aprovar o fim das concessões do
STFC. A pergunta que fica é como será estabelecida a política de banda larga e
qual o poder de enforcement que o regulador terá sobre ela, mesmo que esteja
garantido que os investimentos serão prioritariamente dirigidos para as regiões
desassistidas.
O post A disputa
(política) em torno do valor dos bens reversíveis: R$ 20 bi ou R$ 100 bi?
apareceu primeiro em TeleSíntese.
Lia Ribeiro Dias, TeleSíntese.
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