sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Disputas nos tribunais superiores têm impacto de R$ 500 bi para a União


O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm em seus acervos nove processos que podem ter um impacto total de mais de R$ 500 bilhões para a União, ao longo dos anos. Sete deles estão destacados no anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, aprovada em dezembro pelo Congresso Nacional.
No anexo de Riscos Fiscais são apresentadas as ações com impacto financeiro mínimo de R$ 1 bilhão com avaliação de perda "possível". As perdas "prováveis" devem ser provisionadas pela Secretaria do Tesouro Nacional, seguindo o Ofício nº 171, de 2014, do Tribunal de Contas da União. O relatório pondera que nem sempre é possível estimar com clareza o valor real envolvido nas demandas judiciais.
Os temas mais representativos seguem os indicados na LDO de 2016. A ação de maior valor é a que discute, no Supremo, a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Poderá gerar impacto nos cofres públicos de R$ 250 bilhões, considerando-se o intervalo entre 2003 e 2014. O julgamento, em repercussão geral, ainda não foi iniciado.
No STJ tramita uma outra disputa bilionária: o conceito de insumo para a obtenção de crédito de PIS e Cofins. O julgamento foi iniciado pela 1ª Seção. Por enquanto, há quatro votos contra a interpretação restritiva adotada pela Receita Federal e um a favor. A seção é composta por dez ministros. O impacto pode chegar a R$ 50 bilhões.
A coordenadora da atuação da ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional (PGFN) no STF, Alexandra Carneiro, espera que três temas sejam incluídos na pauta do primeiro semestre. Somente um deles está indicado na LDO - ICMS na base do PIS e da Cofins.
Outra ação que a PGFN espera ser julgada discute a possibilidade de incidência de PIS e Cofins sobre as receitas de instituições financeiras. A discussão, não listada na LDO, é antiga e o impacto é calculado em R$ 26,9 bilhões, considerando apenas o ano de 2016, e em R$ 135,69 bilhões para os últimos cinco anos. O julgamento ainda não foi iniciado no Supremo.
Há também a expectativa de que seja retomado o julgamento sobre o direito a créditos de IPI na aquisição de insumos isentos provenientes da Zona Franca de Manaus. A análise foi suspensa no ano passado por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki após três votos a favor do creditamento. Zavascki já liberou o processo - não incluído na LDO - para retomada do julgamento. O impacto é de R$ 11,4 bilhões apenas para o ano de 2016, podendo chegar a R$ 46,2 bilhões tendo em vista os últimos cinco anos.
Para especialistas, seria possível antecipar um resultado para os julgamentos. O comportamento dos ministros em temas de interesse da União pode ser traçado com base no presidente que os indicou, segundo pesquisa conjunta do coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, Paulo Furquim de Azevedo, com Felipe Lopes, da Escola de Economia da FGV. Foram analisados cerca de mil julgados até 2013, especialmente recursos especiais de matéria tributária.
O estudo mostrou que ministros indicados por presidentes mais liberais, como Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, teriam a tendência a votar contra o Estado, em oposição aos indicados no governo Lula. De acordo com Azevedo, a posição do ministro não indica alinhamento partidário, mas ideológico. Ministros indicados durante o governo Lula não mudavam a inclinação pró-Estado ao julgar casos do Estado de São Paulo, comandado pelo PSDB, por exemplo.
"É um alinhamento de visão de mundo, não é de dívida ou gratidão a quem o indicou ao cargo", diz. Azevedo chama esse comportamento de "efeito preferência": a visão de mundo do ministro faz com que ele tenha uma preferência e escolha com base no que acha mais correto. "Os ministros indicados pelos governos Lula e dos militares tendem a ter um comportamento mais pró-Estado. Os do FHC e Collor, mais antiestado", afirma Azevedo. Outra conclusão foi que o STF tende a ser mais favorável à União do que o STJ. "O STF tem, de fato, uma relação mais politizada [que o STJ], tanto que há casos de ex-ministros que se tornaram ministros de Estado."
Na composição atual, oito ministros foram indicados durante os governos do PT. Entre os três restantes, o ministro Gilmar Mendes foi indicação de Fernando Henrique Cardoso, Marco Aurélio Mello do presidente Fernando Collor e Celso de Mello de José Sarney. "O STF está com uma composição de indicações que tendem a ser pró-União. Além disso, independentemente da indicação, o STF já tem um perfil mais protetor da União do que o STJ", afirma Azevedo.
Outro ponto observado nos julgamentos que envolvem a União é a possibilidade de modulação da decisão. Por meio do mecanismo, os ministros podem determinar a partir de quando vale a decisão, geralmente para impedir impacto retroativo. Nem sempre o pedido de modulação é aceito.
De acordo com pesquisa da professora Tathiane Piscitelli, da FGV, a linha que vem sendo adotada pelo STF para modulação é de que só é possível quando se declara a inconstitucionalidade. Esse critério, acrescenta, é aplicado de forma sistemática. Na hipótese de prejuízo da Fazenda a orientação que prevalece é que os contribuintes que já ajuizaram ação para pedir a restituição de tributo deveriam ter o direito preservado. Quem não ajuizou, não seria restituído. "Você preserva quem entrou com a ação. Mas no médio prazo judicializa tudo", afirma.
Tathiane defende uma discussão mais profunda sobre a necessidade de provas dos valores apresentados no anexo de Riscos Fiscais, uma vez que os números podem influenciar os julgamentos. "O STF tem uma posição técnica em matéria tributária. Mas percebo que nos casos de impacto, a repercussão nas contas públicas é considerada de maneira subliminar", afirma. 

Por Beatriz Olivon, Valor Econômico


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