segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Quando o passado avança sobre o presente


“O orçamento nacional deve ser equilibrado.
As dívidas públicas devem ser reduzidas.
A Arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada.
Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos, se a nação não quiser ir à falência.
As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública”.


Um bom desafio para o leitor seria procurar descobrir a autoria dos ensinamentos acima alinhavados, e – não fosse desafio demais – tentar também esquadrinhar o período da história em que foi gerado.

É que o diminuto texto resume um compêndio de política e economia, e em tão comedidas palavras encerra o grosso da dimensão que norteia as relações entre o Estado nacional e seus cidadãos.

A primeira linha dos dizeres explicita a necessidade de dar equilíbrio ao orçamento da nação. Sabemos hoje que a peça orçamentária é obra de ficção. E da mais folhetinesca das novelas. Muito mais parecida com uma teledramaturgia mexicana que com um épico de Shakespeare.

O orçamento público hoje convertido em lei é uma obra-prima em se tratando de aspectos formais. Para sua elaboração há uma complexa teia de regras e normas que demandou a formação de especialistas para lidar com este novo universo criado pela burocracia. Mas, infelizmente, muito pouco tem a ver com as verdadeiras expectativas da população.

Mesmo o que se apresenta como um avanço e aprimoramento da democracia, o denominado orçamento participativo, bastante difundido por algumas prefeituras do PT e PSDB, discute algo em torno de apenas 20% dos recursos globais, haja vista que os outros 80% são despesas contingenciadas, transferências constitucionais, serviços da dívida etc. e etc., componentes aos quais as assembléias populares não têm acesso.

Por isso, o termo orçamento equilibrado ao qual se refere nosso autor, tem a ver não só com o fato de a despesa estar compatível com a receita, mas também em equilíbrio com as reais demandas sociais.

Na linha seguinte, nosso autor – ainda desconhecido – registra a necessidade de reduzirmos as dívidas públicas. É por demais evidente que todo sistema ou subsistema estatal que não monitore adequadamente a expansão de sua dívida, enfrentará, celeremente, cenários catastróficos que poderão levar à sua completa insolvência.

A economia brasileira figura entre as mais pujantes do mundo. Apresenta uma vitalidade que causa espanto e inveja em muitos. Mas esta robustez econômica convive lado a lado com indicadores sociais deploráveis, alguns dos piores do mundo civilizado. A concentração de renda é de causar vergonha ao mais insensível dos mortais. Este quadro faz com que tenhamos milhões de brasileiros sem acesso sequer a um prato de comida. Vinte e cinco por cento da população são constituídos de subnutridos. Este é definitivamente um cenário inaceitável.

Nestas circunstâncias é evidente que o estado deverá estar sempre investindo mais. Primeiramente para consolidar políticas objetivando a reinserção social dos excluídos. E depois para propiciar as condições econômicas que assegurem consistência ao tecido social.

Portanto, a qualidade dos investimentos públicos tende a ser cada vez mais monitorada pela população.

Avançando na leitura do texto, nosso autor passa a criticar a onipotência dos gestores públicos, que se distanciam da comunidade a quem deveriam servir com agilidade e presteza. O gerente e servidor público que deveriam tratar o cidadão com carinho, eficácia e respeito, passam a tratá-lo com desprezo e desdém, tornando a máquina estatal um colossal mamute, quase inerte, completamente indiferente aos anseios e necessidades da maioria da população.

Mais adiante, nosso autor adentra a questão da dívida externa, alertando para os perigos de o país ser levado à falência caso as transferências aos governantes e agentes financeiros estrangeiros não sejam reavaliadas e reduzidas.

Finalmente nosso autor misterioso avança na questão da cidadania. O clientelismo político tem sido uma tatuagem indelével na história brasileira. Os coronéis (antigos e contemporâneos) políticos têm mantido, ao longo da história, parte da população na ignorância, à margem dos benefícios do progresso, distante dos avanços obtidos pela modernidade. O objetivo é perpetuar no poder. Para manter o status quo, essas castas partidárias recorrem a práticas clientelistas e fisiologistas, e abusam das políticas compensatórias, quando o correto seria investir em políticas que levassem à auto-sustentabilidade do processo, gerando empregos e possibilitando a universalização do acesso à saúde, educação, cultura... O antigo ensinamento herdado de nossos tataravôs “mais vale ensinar a pescar que dar o peixe“ é deixado de lado, para vigorar medidas e programas que mantêm as pessoas na mais completa dependência do estado, tanto no aspecto físico como psicológico.

Como vemos, a atualidade do pequeno texto que estamos a analisar é inequívoca, retratando com precisão cirúrgica a situação em que se encontra o país. Situado no rol dos “politicamente corretos”, o texto poderia ter saído da lavra de um iluminado qualquer do PT, de um outro do PSDB, ou quem sabe, de um Celso Furtado, eterno irradiador de idéias. Mas pasmem, caros leitores, o texto foi escrito pelo romano Marcus Túlius Cícero, no ano 55 a.C.

É quando o passado não se esvai, assombrando permanentemente o presente. Exige de todos nós uma profunda reflexão sobre as transformações que ocorrem na sociedade. Inquieta saber que a alma de Marcus Túlius ainda não repousa em paz, pois que fala ainda, dois mil anos depois, ao coração do Brasil.

É Roma que, nos anos 50 antes de Cristo, já experimentava a realidade do Brasil moderno, ou é o Brasil moderno, que no século XXI, experimenta uma realidade similar à romana de antes do Cristo?

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e a tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo.