sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O grande instrumento do líder: a observação


O ator é uma das referências do teatro. Para que um espetáculo chegue a bom termo, pelo menos sob o ponto de vista técnico, há que se ter, no mínimo, dois sujeitos: de um lado o ator, e do outro, o espectador.

Para transmitir sua mensagem, o ator se municia de diversos instrumentos e técnicas, como a linguagem gestual e a presença de palco; a impostação da voz e o aperfeiçoamento da dicção; a re-elaboração do texto, do contexto e de suas diferentes nuances; a interpretação cênica e um conjunto de outras ferramentas que torna sua ação dramática mais eficaz.

É este conjunto de técnicas que faz do teatro - enquanto instrumento de transmissão de conteúdos - a manifestação artística mais ampla, abrangente e adequada de todos os tempos.

Foi por esta razão que originalmente no Egito, e depois na Grécia e no restante do mundo, os sacerdotes e as elites religiosas utilizaram o teatro para reverenciar suas principais divindades.

Foi este conjunto de técnicas que levou Padre Anchieta a utilizar o teatro como instrumento de catequese, de conversão dos índios à causa cristã.

O teatro consegue - de forma presencial - aglutinar as demais atividades artísticas como a dança, a música, a arquitetura e a oratória, tornando-se, além de ponto de convergência, o mais ameno, agradável e eficaz veículo de comunicação e transmissão de conteúdos.

Não foi outro o motivo que levou o clero, na idade média, a levar o teatro para o interior das igrejas, promovendo autos que realçavam o conflito entre bem e o mal, massificando os valores da moral cristã.

Por suas exclusivas características e poder de mobilização, o teatro também tem servido aos propósitos dos sistemas autoritários, estejam eles à direita ou à esquerda do espectro político. Na Itália e na Alemanha nazi-fascista; nos países comunistas da então cortina de ferro; em Cuba, China e na Coréia comunista, é utilizado como caixa de ressonância da ideologia vigente.

Assim como um bisturi pode ser usado para o bem e para o mal, também o teatro é um instrumento que tem sido utilizado conforme a conveniência.

O teatro e a arte de uma forma geral atuam sobre os cidadãos, que tencionam a sociedade e a realidade, transformando-as para o progresso que expande e liberta, mas também para a inércia que limita e comprime.

No contexto de uma educação libertária que atue sobre os indivíduos habilitando-os para compreender, interpretar e modificar a realidade, e no contexto do exercício de um tipo de liderança que mobilize a equipe – do setor público ou privado - para a superação dos desafios, o teatro tem lugar de destaque.

Por isto deve ser utilizado em profusão tanto no ensino regular como no informal, tanto nas linhas de produção quanto nas reuniões de planejamento estratégico. Das creches e pré-escola, passando pelos ensinos fundamental, médio e superior, o teatro pode se constituir num grande canal de condução dos conteúdos pedagógicos. Da base da pirâmide produtiva, onde se operacionalizam as tarefas ao vértice superior, onde se instala a alta direção, o teatro pode se constituir num grande canal de condução dos conteúdos de qualidade e empreendedorismo.

Nas relações que se estabelecem nos centros de ensino, unidades de produção e instituições públicas perpassam mensagens e valores que muitas vezes se desviam do destino, ou chegam de forma distorcida, truncada e alterada. O domínio das técnicas dramáticas por todos que vivenciam o espaço educacional pode contribuir para a desobstrução dos canais, para a limpeza do lixo que congestiona nossas vias de integração.

Nos locais em que o teatro é utilizado como ferramenta para internalizar valores e princípios, os compromissos se intensificam, as responsabilidades se aprofundam resultando em conquistas mais expressivas, com as metas sendo sucessivamente superadas.

Um dos grandes segredos do teatro é a observação. O diretor do espetáculo e os atores exercitam-na a exaustão, pois disso depende a performance dramática de cada um. A caracterização de qualquer personagem será tanto mais profunda quanto mais detalhados forem os estudos originados das observações, efetuadas com rigorosa acuidade. É comum, por exemplo, atores que interpretarão personagens mais marcantes, como doentes mentais ou presidiários, internarem-se em sanatórios e centros de detenção para, observando em profundidade a realidade em foco, levar ao palco uma representação mais qualificada. Quando se verifica um teatro medíocre feito por atores medíocres, no fundo o que ocorre é a absoluta carência da habilidade da observação. Sem uma primorosa capacidade de observação, o teatro perde substância e qualidade.

Também na ciência é assim. Grandes descobertas se devem não às intenções dos cientistas, mas às suas capacidades de observar fatores que ocorrem ao largo do planejamento e da lógica traçada para o projeto de pesquisa.

Alexander Fleming, o pai da penicilina, deve esta esplendorosa descoberta à observação. No ano de 1928, enquanto concentrava todo o seu esforço e atenção numa pesquisa sobre a gripe, observou que sobre uma lâmina de culturas de estafilococos originou-se, acidentalmente, um mofo com um círculo em torno. Dando continuidade às experiências, comprovou que uma cultura líquida do mofo - que denominou penicilina - impedia o crescimento das bactérias mesmo quando diluída centenas de vezes. Por conta do experimento, fruto do acaso, mas também de aguda observação, Fleming ganhou o Prêmio Nobel de Medicina e a penicilina desde então tem ajudado a salvar milhões e milhões de vidas humanas.

O fato de o exercício teatral exigir de seus integrantes exaustivas investigações alicerçadas na observação metódica, é mais uma forte razão para que esta manifestação artística seja apropriada pelos educadores, pelos gestores, pelos dirigentes, pelos líderes, pelos empreendedores.

Um professor que não tenha desenvolvido um tino apurado para a observação, será quando muito um catequizador, jamais um educador. Formará alunos incapazes de enxergar a si, em conseqüência, incapazes de enxergar o mundo.

Um gestor que não domine com profundidade as técnicas de observação jamais estará em condições de sistematizar alternativas e oportunidades, jamais estará apto a identificar as ameaças, jamais conseguirá o respeito de sua equipe.

O mesmo ocorrerá com o empreendedor que estará atuando num ambiente hostil na condição de perneta, cego e mudo.

Por esta deficiência, tanto o educador quanto o gestor que desconhecem os princípios da observação, jamais se apropriarão da organização que faz a diferença, aquela exclusiva, singular, a única capaz de promover a intervenção substantiva.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo.acs@ueg.br