segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A revolução digital não cabe no século XVI - II




Nos primórdios do novo século, onde a característica mais saliente é a velocidade com que ocorrem as transformações, importa destacar o quanto as organizações atuam como estruturas refratárias às inovações.

As instituições de forma geral estabelecem seus arranjos organizacionais e suas estratégias de planejamento envoltas numa atmosfera denominada cultura organizacional.

Compõem essa cultura um conjunto de valores, princípios, modo de ser, elaborar e re-elaborar seus produtos e resultados.

Quando de direito privado, essas instituições - sujeitas ao ambiente inóspito e selvagem da concorrência - sentem-se estimuladas a modificar suas estruturas e assim se comportam para sobreviver num mercado que de tão competitivo chega a ser autofágico.

Já quando públicas, as instituições apegam-se no que conseguem para impedir o surgimento de novos valores e princípios. Adquirem uma habilidade especial para refugar tudo o que se origina do ambiente externo, tudo o que pareça novidade e que possa alterar o status quo vigente.

Mas sejam públicas, sejam privadas, é da essência da organização humana impor certo tipo de resistência aos processos de modernização.



Uma resistência monitorada, mantida sob controle, acaba se constituindo num insumo importante, numa boa medida para que não se caia em tentações efêmeras e voláteis, em aventuras passageiras, de momento, aquelas estimuladas pelo cartório das consultorias e editoras que engendram de tudo para manter seus produtos e serviços na crista da onda.

A grande questão é que nenhum dos grupos, nem as instituições públicas e sequer as privadas, conseguiu atinar para a velocidade das transformações de conteúdo, sequer para a direção que estão assumindo.

E neste contexto, após a revolução industrial, nada tem soado tão revolucionário como a revolução digital.

A transformação das tecnologias de comunicação imprimiu ao capitalismo um novo formato, baseado na comercialização da produção simbólica.

Com o novo capitalismo imaterial, a informação e o conhecimento passam a ser os grandes objetos de desejo dos mercadores do século XXI. É esta nova realidade que motivou os EUA a acionar a Organização Mundial do Comércio, demandando a regulamentação da educação, tipificada nas intenções norte-americanas como um serviço.

É que no veio da revolução digital, corporações multinacionais se organizaram ancoradas no estrado das telecomunicações.

A internet é o principal resultado deste novo mundo, o principal portal desse novo universo. Mas já ganha corpo um segundo, mas nem por isso, menos importante. Na parte desenvolvida do planeta, há muito as operadoras de telefonia não se limitam tão somente à transmissão de impulsos materializados em conversações e transmissão de dados alfa-numéricos. Elas já transmitem conteúdo com jogos de futebol, games e vídeo, avançando num espaço até então restrito às TV’s.

Para evitar que essas inovações sejam apropriadas exclusivamente pelos mega-oligopólios, o mundo se levanta, exigindo, por exemplo, software livre e programas consistentes e integrados de inclusão digital.

Por conta deste levante que transcende os governos nacionais, a multidão de usuários dessas novas tecnologias assume uma nova postura, uma postura ativa, revigorada, cidadã. Nos dias que correm, qualquer criança do ensino fundamental plugada na Internet é uma potencial produtora de conteúdos. Habilitada, passa rapidamente de produtora potencial para produtora efetiva. Com blogs e fotologs que ela mesma produz, conecta-se com o mundo, interage com todo o planeta, e não mais apenas com as amiguinhas de sala de aula.

Adicionar legenda
Com as rádios populares, as TV’s comunitárias no sistema cabo-sat, a internet, o computador e os aparelhos de telefone celular, descortina-se uma possibilidade nunca dantes havida, onde a produção de conteúdos encontra meios para se popularizar.

Mas as instituições, sobretudo as públicas, ainda não compreenderam a importância dessas transformações.

Como um elefante sedado, continuam distantes, num outro mundo, num outro tempo, como se relutando em adentrar, de corpo e alma, no século XXI.

Salvo raríssimas exceções, mal contadas nos dedos de uma das mãos, não investem no novo conhecimento, nem na base tecnológica, na infra-estrutura física das redes, muito menos na produção de conteúdos. Limitam-se a uma ação pasteurizada, de aquisição de equipamentos de “ultima geração” para fazer volume e mostrar, por meio dos marqueteiros, que o estado se “modernizou”.

Infelizmente, quando avaliamos o aparelho de estado no Brasil, percebemos que o século XVI ainda assombra nosso cotidiano, nossa rotina e nossas práticas administrativas. Para esse Brasil da idade média, de pouco tem adiantado a mobilização do mundo pela afirmação da cultura digital, pela democratização da informação. Para este Brasil míope e atrasado, de nada tem servido o movimento pelo software livre, pelo acesso gratuito às redes. Para esse Brasil dos idos da grande peste, pouco vale o esforço de mobilização para assegurar a inclusão digital.

O tempo do Brasil é o século XXI.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. vilatetra@gmail.com