sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A angustia da escolha e Charles Darwin



Há uma fase na vida das pessoas em que tudo é dúvida e o futuro pode ser reduzido a um inquietante ponto de interrogação. As dúvidas pululam freneticamente, sobretudo, quando se trata de optar pela carreira a escolher ou pelo destino a seguir.

É uma etapa em que nada está claro, nada está definido. Nesta situação de insegurança e instabilidade emocional, solicitar que cada um de nós responda à angustiante pergunta (O que deseja da vida?, ou que direção seguir?) pode parecer crueldade das mais maquiavélicas, mas é como dor de parto, aquela dor tipicamente necessária, aquela tensão que antecede alguns raros momentos de genuína graça.

“Que rumo você quer dar à sua vida?” é a questão chave, a pergunta que se recusa a calar, o questionamento que repercute e reverbera na mente de quase todos, indiferente às etapas da vida: na juventude e adolescência, na fase adulta e também na senil...

Tomar uma decisão que – para o bem ou para o mal – será capaz de conformar a vida futura é tarefa das mais complexas, por isto o primeiro passo, a primeira resposta, seguramente não se encontra fora e distante, no mundo exterior, mas bem rente, dentro, pertinho, como cantam os poetas “no lado esquerdo do peito/dentro do coração”. Nesta etapa do processo é necessário mergulhar, lançar o olhar para a alma, debruçar sobre o próprio interior, auscultando os valores mais profundos e, nos valores, tratar de selecionar o que existe de mais verdadeiro, sagrado e revelador.

É deste universo particular - um bravio oceano de princípios e valores difusos - que deveremos resgatar o que efetivamente nos pertence, o que verdadeiramente guarda consonância com nossa identidade, com a vida pregressa, nossos sonhos, desejos e aspirações.

Neste ambiente estão fincadas as âncoras do futuro desejado, o espaço que nos tornarão mais produtivos e felizes.

Uma série de testes e questionários ajuda esquadrinhar este mundo um tanto inóspito, ainda misterioso e turbulento, mas que logo – com paciência e persistência - se mostrará inteiro, claro e límpido.

Ao término deste processo se espera o conhecimento sobre insumos vitais: o perfil, as habilidades mais destacadas, o temperamento, a personalidade, as aptidões, as preferências e, sobretudo, as alternativas mais adequadas e que melhor se encaixam nas características encontradas. O potencial estará quase todo à mostra. Insisto, não todo. Porque na vida existe um conjunto de variáveis que sempre escapam ao nosso controle e domínio.

A vida de um iluminado naturalista britânico ilustra com perfeição a situação a que me refiro.

Quando adolescente, Charles Darwin, o homem que fez tremer o planeta ao lançar sua obra “A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural”, estava predestinado a seguir a carreira médica.

Pelo menos assim desejava seu pai, o proeminente físico Dr. Robert Darwin, que o conduziu à Escola de Medicina de Edimburgo mal completara 16 anos. Desde os pajés, xamãs e curandeiros primitivos, os que exercitam as lides medicinais sempre encontraram respeito de suas tribos e comunidades.

Mas a medicina mostrava-se aos olhos do adolescente um fardo insuportavelmente pesado, capaz de arriar seus sinceros desejos de corresponder às expectativas dos progenitores. Para enfrentar e seguir a carreira médica há que se ter um estômago a toda prova, como o da avestruz, atributo que, definitivamente, passava ao largo do jovem Charles.

Não restou alternativa senão negociar com a família. Em troca da carreira médica, ofereceria a eclesiástica. Na época, as famílias e a sociedade estimulavam em seus filhos o interesse pelas coisas de Deus, pelas missões religiosas, de modo que, ao matricular-se no Christ’s College, de Cambridge, para tornar-se pastor, lançou uma pá de cal sobre o assunto, satisfazendo simultaneamente a gregos e troianos.

Pá de cal? Qual, meu caro! Enquanto há vida, há movimento. E como bem poderia ter dito Drummond “No meio do caminho havia uma pedra / Uma outra alternativa pairava no meio do caminho”. E no caso de Charles Darwin a sorte grande o espreitava na esquina.

Dadas as habilidades como professor das disciplinas relacionadas à história natural e a fama conquistada de dedicado colecionador de besouros, foi indicado por John Henslow, seu professor de botânica, para uma instrutiva e inusitada missão.

O navio HMS Beagle partiria em longa viagem numa missão cartográfica para mapear as águas do sul do continente americano. Mas seu capitão, como que antevendo a explosão de luz iluminando no futuro, resolveu levar quem pudesse se dedicar ao estudo científico das espécies encontradas.

E lá foi Darwin, em dezembro de 1831, iniciar um cruzeiro ao redor do mundo, uma viagem que demandou cinco longos anos, e que embasou a obra que marcaria a história da humanidade.

Portanto, Darwin passou por médico, pastor missionário, professor, colecionador de besouros, classificador de espécies encontradas, para se encontrar como grande cientista que revolucionou o mundo com sua doutrina evolucionista.

A leitura da obra de Darwin ensina que os seres vivos sobreviventes às grandes catástrofes planetárias não foram os mais fortes e sim os mais flexíveis.

Ao se deparar com o instante fatídico da decisão a tomar, sobre o vestibular a fazer, a profissão a escolher, a direção a seguir, devemos refletir sobre o fato de que, muitas vezes, a força reside muito mais na capacidade de flexionar, de se adaptar, de interagir com o cenário e suas circunstâncias.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.