segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Desperdício: o ocaso da sustentabilidade II.

As condições de vida no planeta têm levado ao explosivo crescimento da população, condição agravada pela acentuada ampliação da expectativa de vida. Até os anos 1600, vivia-se, em média, 33 anos. Nos anos 1970 essa média se fixou em 47 para, em 2010 saltar para 80 anos.

Naturalmente, tal dinamismo demográfico tem implicado em inumeráveis tensões tornando o impacto sobre o planeta cada vez mais agressivo e avassalador.

Para se contrapor às consequências desse processo, a humanidade vem procurando incorporar novos conceitos e paradigmas de desenvolvimento consentâneos com as atuais necessidades. O conceito de “eco eficiência”, por exemplo, coteja além de preços competitivos, bens e serviços qualificados. Mas não só. Encerra também o consumo de recursos naturais de forma sustentável, a qualidade de vida e a redução do impacto ambiental. E se cristaliza em boa hora. O consumo tem se manifestado de forma tão irresponsável que as estimativas mais comedidas apontam a necessidade de 5,5 planetas Terra caso o mundo passasse a consumir no padrão dos EEUU.

No Brasil, o desperdício tem sido um mal ingente, uma chaga que grassa entre nós. E nas dimensões que vem ocorrendo, reflete o nível e a qualidade de nosso desenvolvimento: sofrível, perdulário, indigente.

Para onde se volta o olhar, qualquer que seja a direção, o horizonte se apresenta sempre fosco, nublado, tomado por densa fuligem que impede a claridade e a brisa do ar. A paisagem é emoldurada por um deserto inóspito e o que se vê na tela é desperdício, puro desperdício, nada que escape à noção de desperdício.

Na indústria, no comércio, na prestação de serviços, não há setor da economia que consiga se manter ao largo dos gigantescos e avassaladores tentáculos do desperdício.

E não se trata de coisa pequena ou figura de retórica. Os índices são alarmantes, vergonhosos, indecorosos para dizer o mínimo.

Na construção civil, por exemplo, a conta chega a um patamar incestuoso: 30% de desperdício. Seria como se, de cada dez edifícios construídos, três fossem escolhidos para serem implodidos, destinados aos containers de lixo, computados como custo desperdício. Em alguns setores específicos da engenharia civil, os índices deixam de ser alarmantes para cair na vala do “acredite se quiser”. É o caso de alguns materiais como argamassa, cujas perdas podem chegar à casa dos 90%. Isso mesmo, 90%! E não há aqui o mínimo de exagero. Esses dados foram obtidos com rigor científico. Resultam de pesquisa realizada pela UFMG em conjunto com 15 outras universidades brasileiras, levantamento amplo, largo, realizado em 12 unidades da federação.

Na agricultura, o IBGE retirou o véu que escondia a medonha realidade do calvário. O Brasil jogou na lata do lixo 81,5 milhões de toneladas de grãos de arroz, feijão, milho, soja e trigo nas fases de pré e pós-colheita das safras agrícolas entre 1996 a 2003.

Com um problema tão candente como a fome e a subnutrição, o país consegue a proeza de jogar fora mais alimentos do que consome. Quando se trata de hortaliças, por exemplo, a soma anual de desperdício chega a 37 quilos por habitante, enquanto o consumo por cidadão é de dois quilos a menos, 35 quilos de alimentos por ano. Só na Central de Abastecimento do Rio de Janeiro o desperdício diário é de 40 toneladas de alimentos. Não custa enfatizar, desperdício que ocorre em um único dia e que se repete invariavelmente.

Outro setor estratégico também apresenta diagnóstico de absoluta gravidade. O desperdício chega a ser um escândalo para qualquer um dotado de uma mente medianamente sã. Nada menos que 45% da água tratada para abastecimento das 27 capitais brasileiras é desperdiçada antes mesmo de chegar ao consumidor. Traduzindo para o bom português, quase metade da água potável produzida no país não chega, sequer, às torneiras do consumidor. São 6,14 milhões de litros do líquido precioso perdidos dia sim e o outro também, volume suficiente para abastecer 38 milhões de brasileiros diariamente.

Tanto desperdício decorre, naturalmente, de um sem número de problemas, a maioria deles, de uma forma ou outra, relacionados a questões de logística e infraestrutura física, mas, fundamentalmente relacionados à educação e a cultura. Sim, porque certo grau de desperdício é administrável e ocorre mesmo nos países desenvolvidos. Mas no volume e na dimensão que o problema aqui se verifica só mesmo nos países situados nas franjas do desenvolvimento econômico.

Muito do desperdício resulta de um caldo cultural direcionado para o consumismo, o esbanjamento, a completa ignorância sobre o que seja reduzir, reutilizar, reciclar. E nesta seara, só a educação tem condições de atuar, alterando o status quo, substituindo hábitos e costumes, promovendo a nova cultura da sustentabilidade.

Urge atinar que ‘sustentabilidade’ é uma boa ideia. E as boas ideias, no dizer de Rodoux Faugh “tem o poder de, na mente humana, desencadear uma explosão construtiva, tamanha, que coloca o homem, a micro partícula do universo, na mesma dimensão e grandeza que o cosmos”.