domingo, 27 de dezembro de 2020

Duplo passageiro - uma presença permanente

 


O que se sabe sobre os casos de reinfecção por coronavírus e por que eles não têm o potencial de anular a imunidade trazida pela vacina

 

Há quatro meses, pesquisadores de Hong Kong anunciaram a confirmação do primeiro caso no mundo de reinfecção pelo novo coronavírus, em um homem de 33 anos que se contaminou novamente por uma linhagem diferente do vírus num intervalo de quatro meses e meio. A descoberta, que foi amplamente divulgada e publicada no periódico científico Clinical Infectious Diseases, aumentou o desafio dos cientistas para tentar compreender melhor o comportamento do vírus sars-CoV-2 e como enfrentar a Covid-19 ante suas mutações. No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou neste mês dois casos de reinfecção — o primeiro, de uma profissional de saúde do Rio Grande do Norte que testou positivo para o coronavírus 116 dias depois de receber o primeiro diagnóstico; e o segundo, de uma mulher de Fernandópolis, no interior paulista, que testou positivo 145 dias depois da primeira infecção. No mundo, já há 30 relatos de reinfecção por sars-CoV-2 comprovados, segundo o rastreador mantido pela agência de notícias holandesa BNO News.

Ao longo do ano que passou, a comunidade científica e as populações mundiais ansiavam pelos testes de eficácia das vacinas apostando que em 2021 os grandes desafios se dariam em torno da distribuição dos imunizantes. Novas preocupações, contudo, se colocaram rapidamente: não só passou a existir a possibilidade de reinfecção, como também surgiram novas variantes do coronavírus, como a detectada há poucos dias no Reino Unido, e que tem uma capacidade de disseminação até 70% maior do que os tipos mais conhecidos do sars-CoV-2, sobretudo em decorrência da maior circulação de pessoas. Esses dois fatos prenunciam que, a despeito de as vacinas estarem se tornando realidade para grande parte das populações afetadas, o coronavírus ainda não poderá ser considerado um inimigo inteiramente abatido no ano que começará.

Além de Hong Kong e do Brasil, países como Estados Unidos, Holanda, Peru, México, Bélgica e Equador confirmaram a reinfecção, o que fez surgir questionamentos sobre quais são os riscos de uma nova contaminação e qual o impacto disso no combate à pandemia nos anos que virão. Embora as pesquisas sobre os possíveis casos ainda estejam em andamento, o que se sabe até agora é que uma reinfecção pode acontecer, apesar de rara. “Os casos estão comprovados e eles acontecem em todas as infecções virais. Não é uma particularidade do coronavírus. E podemos dizer que, aparentemente, são raros. Provavelmente ocorre um a cada 300 mil”, afirmou o imunologista Luiz Vicente Rizzo, diretor de Pesquisa da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

A ciência ainda não consegue explicar o que causa a reinfecção — se é a diminuição da imunidade adquirida após a primeira infecção, a mutação do vírus ou as duas coisas associadas. De acordo com Adriano Abbud, diretor do Centro de Respostas Rápidas do Instituto Adolfo Lutz, alguns estudos referentes à Covid-19 sugerem que a produção de anticorpos começa após dez dias da contaminação e, por isso, ainda há dúvidas se pessoas assintomáticas ou com sintomas leves chegam a desenvolver esse tipo de estratégia. “Ainda existem algumas perguntas sem respostas, como a razão de algumas pessoas não desenvolverem anticorpos após a primeira infecção, o que parece ser o caso nas reinfecções pelo sars-CoV-2”, afirmou o pesquisador.

Até o momento, o Ministério da Saúde recebeu 58 notificações de casos suspeitos de reinfecção por Covid-19, em nove estados brasileiros. As amostras coletadas são analisadas em um dos três laboratórios de referência nacional para casos de coronavírus no país: no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, no Rio de Janeiro; no Instituto Evandro Chagas (IEC), em Belém; e no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. Segundo a pesquisadora Paola Cristina Resende, do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz, para ser confirmada a reinfecção por Covid-19 é necessário que o caso suspeito apresente dois resultados positivos de RT-PCR (o exame do cotonete no nariz) em tempo real para o vírus, com intervalo igual ou superior a 90 dias entre os dois episódios de infecção, independentemente da condição clínica observada.

Para que a confirmação ocorra, as respectivas amostras clínicas precisam ser encaminhadas para o laboratório de referência para confirmação dos resultados preexistentes. “Não basta o paciente ter um PCR positivo para ser considerado um caso de reinfecção. Além de dois resultados positivos nos exames RT-PCR dentro do intervalo de tempo mínimo de 90 dias, é preciso fazer análises complementares, entre elas o sequenciamento do genoma completo do vírus, quando possível, ou até mesmo o isolamento viral com cultura de células. Mas isso é muito difícil de ser feito, pois nem sempre conseguimos amostras de boa qualidade referentes à primeira infecção”, explicou a pesquisadora, sugerindo que esses complicadores podem resultar em alguma subnotificação nos casos de pessoas que desenvolvem pela segunda vez a doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu esse intervalo porque alguns pacientes infectados podem continuar excretando partículas virais por até quase 60 dias. Assim, uma nova confirmação de infecção num período mais curto significaria que o paciente ainda pode ter rescaldos da primeira, e não uma nova infecção. “No caso de não haver diferença nas sequências obtidas das duas amostras do paciente, não é possível confirmar a reinfecção, pois poderia ser uma reinfecção pela mesma variante do sars-CoV-2 ou, por exemplo, uma redetecção do mesmo agente encontrado em período anterior”, explicou Abbud, do Instituto Adolfo Lutz.

Além da dificuldade de conseguir amostras com qualidade, o descarte de exames pelos laboratórios responsáveis pela primeira coleta também dificulta o trabalho. Sem as amostras da primeira infecção, os cientistas não conseguem sequenciar os genomas dos vírus que podem ter infectado os pacientes para confirmar que se trata de duas infecções distintas, o que é considerado essencial para publicação em periódicos científicos internacionais. “A demanda para diferentes tipos de exames é muito grande e as amostras precisam ficar armazenadas em baixas temperaturas. Há casos de hospitais e laboratórios que não possuem capacidade de armazenamento por longos períodos e as amostras acabam sendo descartadas dentro de 30 a 60 dias depois da coleta. Isso acaba dificultando o trabalho”, disse Resende, do IOC. Diante dessa dificuldade, afirmou, é possível que existam outros casos de reinfecção no país, mas que não conseguirão ser comprovados por meio de análise laboratorial.

No caso da paciente do Rio Grande do Norte, por exemplo, as amostras da primeira infecção foram coletadas na Paraíba e enviadas para a Fiocruz, onde os testes do RT-PCR em tempo real foram repetidos e, além disso, foi possível fazer o sequenciamento genômico viral da amostra, comprovando que se tratava de uma nova infecção por uma mutação diferente no genoma do vírus. “Nesse caso específico, confirmamos que a paciente se contaminou por linhagens diferentes do vírus. Mas não significa que para ser uma reinfecção precisa ser de linhagem diferente. Basta ter mutações pontuais, mesmo que pequenas, que caracterizem diferenças entre uma cepa e outra”, explicou a pesquisadora.

Um fator que tem confundido muitos pacientes é a crença de que houve uma segunda infecção sem um diagnóstico feito pelo exame de RT-PCR na primeira vez. O imunologista Rizzo, do Einstein, contou que nas duas últimas semanas foi chamado para investigar cinco casos de suspeitas de reinfecção, todos negativos. “Na primeira suposta infecção, após sintomas leves, esses pacientes fizeram testes de anticorpos. Na segunda infecção, com sintomas mais fortes, fizeram o RT-PCR, que deu positivo, e todos acreditaram que foram reinfectados. Grosso modo, muito provavelmente, a primeira atividade de anticorpos foi uma reação cruzada por problemas semelhantes ao coronavírus, mas não se tratava de uma infecção por Covid-19”, afirmou Rizzo.


Apesar das dúvidas relacionadas aos casos de reinfecção, ainda não há indícios de que mutações possam interferir na imunização. “As mutações dos vírus existem para defendê-los de nosso sistema imune, e os vírus fazem isso o tempo todo. Mas o que sabemos até o momento é que essa não é uma estratégia comum do coronavírus. As mutações têm ocorrido por outros motivos, e não para se livrar do sistema imune. Assim, isso não significa que as vacinas não vão funcionar”, disse Rizzo. Abbud, do Adolfo Lutz, reiterou que ainda não há evidência científica de que as diferentes linhagens de vírus demandariam novas respostas imunes. “É bem provável que neste momento as linhagens circulantes sejam todas suscetíveis às vacinas”, avaliou.

Em razão da baixa recorrência de reinfecção e do advento das vacinas, pesquisadores hesitam em fazer alarde sobre a possibilidade de pessoas voltarem a adquirir a doença num ritmo mais rápido que o da imunização. Acreditam que a importância de estudar e identificar os casos de reinfecção está, do ponto de vista científico e epidemiológico, em entender a dinâmica do vírus na população, como ele se comporta quando comparado com outros vírus respiratórios, por quanto tempo dura a imunidade nos pacientes infectados e se esses pacientes produzem anticorpos neutralizantes. Não se trata, pelo menos ainda, de uma nova tormenta.

Por Fernanda Bassette, na Revista Época  


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