terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Desenvolvimento - obstáculos na pista



Os sinais para o país decolar surgem no horizonte, mas, para que isso aconteça, o governo e o Congresso precisam se livrar de entraves pelo caminho

Certos momentos podem definir o futuro de uma nação. Nas próximas semanas, uma leva de dados oficiais colocará em números a dimensão da recuperação econômica do Brasil, uma vez passada a fase mais dramática da pandemia de Covid-19, concentrada no segundo trimestre de 2020. Os sinais de que o pior ficou para trás despontam em diversos indicadores de setores como construção, vendas no varejo e produção industrial, além da confiança empresarial, mais robusta. As incertezas globais também foram atenuadas. A eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos, depois de uma tensa corrida eleitoral, retirou um ponto de pressão de mercados de todo o mundo. E os testes acima de 90% de eficácia em diversas vacinas trazem mais esperanças de um mundo imunizado contra o coronavírus e mais próximo do “velho” normal. Por aqui, o Brasil tem se beneficiado da melhora de preços de diversas commodities — da recuperação no preços do petróleo, passando por produtos agrícolas que estão próximo da máxima histórica, como a soja, e o minério de ferro, que se valorizou por volta de 30% no ano. Em razão disso, a bolsa de valores retomou o seu maior patamar desde fevereiro, com o investidor estrangeiro de volta ao país. Até o último dia 20, o saldo de entradas internacionais no mercado de capitais brasileiro já superava 26 bilhões de reais, o que já fez de novembro o melhor mês da história. Tais variáveis combinadas apontam para um ciclo promissor pela frente.

A grande questão que agora se impõe, portanto, não é mais ressuscitar uma economia abalroada pela crise sanitária, mas sim garantir que o reaquecimento da atividade seja consistente em 2021, aproveitando uma janela de oportunidade que o mundo deve proporcionar nos próximos meses. Com um fluxo de capitais menos intimidado pela pandemia, o Brasil terá novamente a chance e engrenar um crescimento duradouro e iniciar um momento positivo para o bem-estar da população. O momento é perfeito. As eleições municipais terminam neste fim de semana e a atividade parlamentar será retomada. Está na hora de um esforço conjunto entre o governo e o Congresso para a realização de reformas estruturantes que melhorem o ambiente de negócios, tragam prosperidade e mitiguem as desigualdades sociais. Não são medidas fáceis, exigem amplo entendimento e ação, mas tornam-se factíveis à medida que haja uma convergência entre os poderes. O risco é o país deixar de aproveitar esse cenário, optando por medidas motivadas por interesses eleitoreiros, que podem nos levar à beira de um colapso. “Nos últimos quarenta anos, alternamos momentos muito bons e muito ruins, mas o resultado final foi modesto, quase medíocre”, diz o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga. “O que deveria ser uma locomotiva de crescimento ficou parado em diversas barreiras. E o país ainda está repleto de entraves”.

Com a ajuda de uma dezena dos mais respeitados economistas do Brasil, que comandaram ministérios e o Banco Central, além de dois ex-presidentes da República, VEJA identificou nove grandes obstáculos que estrangulam a economia e não podem ser mais ignorados. Também buscou expor as maneiras de atacá-los, como mostra o quadro na página 50 desta reportagem. Os problemas são divididos em três grandes blocos. O primeiro trata da solvência do Estado, categoria em que se enquadram a elevação dos gastos públicos, o Estado inchado e o desequilíbrio nos repasses da União. O segundo grupo está ligado à necessidade de estimular o crescimento e inclui o combate ao caos tributário, o gigantismo da máquina estatal e a competitividade limitada da economia. Por fim, se soma a esses blocos de problemas herdados por décadas um terceiro grupo de dificuldades autoimpostas pelo governo atual. Ele é formado pelo obscurantismo ambiental, pelo unilateralismo e pelo negacionismo, que adicionam um componente ideológico e inflamável.

De todas as questões, a mais urgente é o respeito ao teto de gastos, com a aprovação de um Orçamento responsável, em que o governo se comprometa a realizar despesas que já estejam previstas. Se houver a necessidade de aumentar gastos em uma outra área, algum corte precisará acontecer para subsidiar tal verba. Trata-se de uma demonstração importante do governo a investidores estrangeiros e nacionais que hoje estão desconfiados da capacidade brasileira de honrar suas dívidas. O Brasil já entrou na pandemia com uma relação de dívida diante do PIB em torno de 20 pontos porcentuais acima de outros países emergentes. Com a necessidade de enfrentar os efeitos econômicos da crise, devemos fechar 2020 com um déficit de 871 bilhões de reais — sendo 586 bilhões de reais decorrentes de estímulos como o auxílio emergencial e ajudas a empresas. Ou seja: no fim do ano, a dívida ficará em torno de 100% do PIB. Como reflexo desse movimento, o dólar chegou quase a seis reais, houve uma exigência de juros mais altos para títulos do governo de longo prazo e quedas na bolsa. Só mais recentemente, depois que o presidente Jair Bolsonaro se comprometeu com a regra, o mercado passou a responder positivamente.


O problema agora é entregar essa expectativa. O ministro da economia, Paulo Guedes, tem feito a sua parte. Há duas semanas, ele exibiu ao presidente uma apresentação de quinze slides, em que deixa clara a relação entre as instabilidades na economia e a questão fiscal. O problema é quando Guedes sai do gabinete presidencial. Nesse momento, entram os conselheiros mais preocupados com questões políticas e que estão de olho apenas nas eleições de 2022. Para essa turma, gastos como o auxílio emergencial são a garantia da vitória no pleito. Argumentam para os ouvidos preocupados do presidente que, desde que o auxílio emergencial baixou de 600 reais para 300 reais, sua popularidade caiu e que isso pode atrapalhar o sonho de reeleição. O problema: não entendem que o desrespeito a essa regra pode afundar o governo muito antes disso. “É uma medida que dá credibilidade fiscal. Se furamos o teto, o impacto negativo afasta investimentos”, defende Michel Temer, presidente da República na época da aprovação da medida. “O teto é importante porque nos permite atrair investimentos estrangeiros para criar empregos, fomentar o desenvolvimento e atingir a necessária pacificação nacional”, explica Temer.

Os investidores, por enquanto, têm demonstrado paciência pelas circunstâncias, mas, a partir da próxima semana, começarão a cobrar sinalizações mais claras de que o governo vai mesmo se comprometer com o teto e com uma agenda liberal. “O mercado não vai se contentar apenas com palavras. Tornou-se evidente que o país precisa de mais reformas além da feita na Previdência”, avalia Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC. Entre essas, duas delas diminuiriam bastante os custos públicos e ajudariam na tarefa de organizar a gestão federal: a administrativa e o pacto federativo. A primeira permitiria enxugar o funcionalismo, trazendo mais racionalidade nas carreiras do governo e uma economia de pelo menos 450 bilhões de reais em dez anos. Hoje, o gasto com pessoal do Brasil é maior que o da média dos países mais ricos do mundo. Enquanto desembolsamos 13,4% do PIB com esse custo, as nações da OCDE pagam 9,9%. Detalhe: com honrosas exceções, nossos serviços estão bem abaixo da média dessas nações. Na verdade, a generosidade do governo com certas carreiras é um acinte ao restante da população. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria estima que exista um prêmio salarial de 67% para o trabalhador público em relação ao da iniciativa privada no Brasil. Na OCDE, esse prêmio é de 14%. Já o pacto federativo reequilibraria os repasses da União para estados e municípios, e permitiria a liberação de pelo menos 220 bilhões de reais hoje parados em fundos do governo.

Além dos recursos diretamente poupados pelo Estado, essas soluções ajudariam a destravar o crescimento do país de uma forma que há décadas não testemunhamos. Uma economia cresce quando existe o incremento de dois fatores: o investimento e a produtividade. Essa interdependência está clara nas séries históricas dos últimos 100 anos (confira o gráfico). A partir da década de 80, o PIB brasileiro passou a crescer menos, ao mesmo tempo que as taxas de investimentos caíram. A relação também é clara com a produtividade. De 1981 a 2019, a renda per capita subiu em média 0,9% ao ano, enquanto a produtividade por hora trabalhada subiu parco 0,6%. Em uma visão simplista, a produtividade costuma ser entendida como o esforço do trabalhador em seu processo de produção, mas é muito mais do que isso. Implica um país ou empresa conseguir produzir mais, mantendo a mesma capacidade de mão de obra, equipamentos e dinheiro. Isso é possível por meio de aplicação de tecnologia, de modelos de negócios inovadores e de trabalhadores mais preparados, por exemplo. Sem investimentos, isso não acontece. Entre as décadas de 50 e 70, a produtividade brasileira crescia acima de 4% ao ano. Um fator estimulava a alta: a migração da população do campo para a cidade. “As pessoas saíam de um ambiente desorganizado para outro mais estruturado. É o que aconteceu com vários países recentemente, como a China”, comenta o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

Agora, para recuperar o dinamismo, será preciso muito mais. As empresas hoje ficam sufocadas por uma carga tributária que impede maiores investimentos e até a contratação de mão de obra. O desafio de aumentar a produtividade ficaria menos complicado se o Estado parasse de querer conduzir o crescimento. Até aqui, esse caminho tem se revelado um desastre. De um lado, estão isenções fiscais e investimentos públicos para os preferidos do governo de ocasião, prato cheio para a corrupção — o PT foi mestre nisso com os seus campeões nacionais. Do outro, a iniciativa privada fica de mãos atadas, sendo seguidamente desestimulada a arriscar capital, uma vez que um pedaço importante desses valores vai direto para o caixa do governo na forma de múltiplos impostos. Nesse cenário, a reforma tributária ideal seria justamente uma que aliviasse as taxas do pequeno ao grande empreendedor. Hoje, os projetos no Congresso estão mais na linha de uma simplificação do que propriamente nessa redução. E, mesmo assim, ainda não há uma convergência. “O Brasil é como uma média móvel, sai de uma tendência e vai devagar para outra, normalmente de outro campo político”, compara Ilan Goldfajn, ex-presidente do BC e presidente do conselho do Credit Suisse. “De certa forma, é uma vantagem. Quando as reformas são aprovadas, já existe um consenso e elas estão bem maduras. Mas é um processo que pode demorar décadas e existem coisas que precisam avançar rápido”, alerta.

Pois o tempo é um artigo escasso no momento. O governo e o Congresso terão três semanas e meia até o fim do ano para dar os primeiros passos — não em relação a todos os obstáculos, mas pelo menos em alguns deles. Um dos problemas é que a base do Centrão não quer dar protagonismo a Rodrigo Maia no fim de seu mandato como presidente da Câmara (o que, na verdade, seria a melhor maneira de fazer essa agenda avançar). Depois de abril, os partidos que são influenciados por Maia (DEM, PSDB, MDB e outros) também começarão a olhar para 2022 com mais atenção e deverão criar mais embaraços para a agenda do governo, já pensando em não facilitar o caminho para a reeleição do presidente. Outro problema é a falta de empenho de Bolsonaro. Com receio de ferir interesses, numa postura excessivamente cautelosa, ele parece preferir que a agenda de reformas mais dura seja abraçada pelos parlamentares. “Esse movimento depende muito de liderança. Se o presidente não está envolvido diretamente, as reformas não andam”, afirma o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Como consequência, e para sinalizar a direção neste período, a equipe econômica se prepara para agilizar as aprovações mais simples como a Lei de Diretrizes Orçamentárias — que evitaria o congelamento dos gastos públicos já para o começo do 2021 —, a lei de falências, os marcos do gás, da cabotagem, da energia e de concessões, além de finalizar na Câmara a aprovação da autonomia do BC. A reforma tributária vai ficar para depois da definição da presidência da Câmara. Guedes mantém a expectativa de que o substituto de Maia seja menos refratário à recriação de um imposto nos moldes da CPMF, o centro de sua proposta. “A complexa estrutura de impostos indiretos obriga as empresas a ter muitos contadores e ainda estimula a guerra fiscal entre estados”, avalia o economista Samuel Pessôa. “Então, a decisão de investimentos acaba associada à isenção de imposto dada pelo governador, e não à escolha da região de mais eficiência logística e de mão de obra.”

Adaptar-se às circunstâncias, aliás, tem sido um grande mérito de Paulo Guedes. Há quase dois anos no comando do Ministério da Economia, ele já entendeu que as regras no sistema público são completamente diferentes das da iniciativa privada. A velocidade de decisão não é a mesma e torna-se necessária muita negociação para que os projetos saiam do papel. Seu plano de privatizações, um dos pontos fundamentais para diminuir o tamanho do Estado, ainda não avançou. Como se sabe, Guedes havia prometido uma série de desinvestimentos logo no primeiro ano, o que não ocorreu. Mas ele segue tentando, criando canais de comunicação importantes no Congresso — o deputado federal Arthur Lira, líder informal da base governista, é um dos seus principais interlocutores. Há poucos dias, o governo anunciou a extinção de duas estatais deficitárias e o processo de análise em outras 46. As prioridades para venda são os Correios, a Eletrobras, o Porto de Santos e a PPSA. Outro item necessário da agenda, a abertura da economia, também vem sendo estudado para ajudar a destravar o crescimento. Mas muitas medidas nessa direção só devem ser adotadas quando as empresas brasileiras estiverem livres da bizantina estrutura de impostos e outras burocracias. Quando acontecerem, os impactos poderão ser transformadores. “Nem todos os países que se abriram cresceram, mas todos os países que cresceram se abriram”, diz o economista Edmar Bacha.

 “Se o presidente não se envolve diretamente, as reformas não andam.” Fernando Henrique Cardoso

Nem todos na equipe ministerial e no governo, infelizmente, estão imbuídos do mesmo espírito de Guedes. Em meio ao cipoal de barreiras ao crescimento econômico brasileiro, alguns deles já ajudariam muito se não atrapalhassem. E poderiam começar a fazer isso se evitassem conflitos com importantes parceiros comerciais por motivos ideológicos. Na semana passada, o filho do presidente e deputado Eduardo Bolsonaro mais uma vez meteu-se em uma polêmica com a China, que levou a uma dura manifestação da embaixada do gigante asiático e maior parceiro comercial do país. Em paralelo, a conduta errática que o governo adota diante das questões ambientais pode enquadrar o Brasil como uma nação predatória da natureza por países como a Grã-Bretanha, a Alemanha e a França. Ao mesmo tempo, grandes fundos de investimentos informam que vão priorizar parcerias com países que prezam negócios sustentáveis. E o acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que levou décadas para ser assinado, está congelado com a justificativa de que o Brasil precisa sinalizar um maior compromisso ambiental. “Caso o Brasil não avance no controle do desmatamento da Amazônia e do Pantanal, isso vai influenciar a nossa capacidade de atrair capital e os preços terão de cair ainda mais para ser atraentes”, diz o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita.

 “Respeitar o teto é importante porque nos permite atrair investimentos e criar empregos.” Michel Temer

Os entraves para o crescimento do Brasil são conhecidos e desafiadores. De uma certa forma, eles se encaixam com precisão em um conceito criado pela pesquisadora americana Michele Wucker, especialista em análises econômicas da América Latina. Em 2016, ela se valeu da imagem dos rinocerontes cinza, paquidermes africanos bastante comuns nos safáris fotográficos, para representar um padrão falho na gestão pública da região. Sempre presentes no cenário, eles costumam ser negligenciados até que, por motivos banais, se tornam agressivos e partem para o ataque. “São como problemas imensos, que as pessoas acham que sempre vão estar por ali, inofensivos, mas que, quando saem de controle, se transformam em ameaças devastadoras”, diz ela. A questão central, na teoria de Wucker, é se antecipar e resolver o problema antes que seja tarde demais. O plano de voo para a economia decolar, deixar esses rinocerontes para trás e atingir velocidade de cruzeiro já existe. Cabe ao governo e ao Congresso se empenhar para colocá-lo em prática. E logo.

Por Carlos Valim, Victor Irajá, na Revista Veja  

 

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