quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Biomas de pé = empresas saudáveis

 


Novos negócios baseados na natureza bem conservada dão esperanças no combate às mudanças climáticas

 

Em seu relatório A Força de Trabalho do Futuro, a consultoria londrina PwC projeta quatro mundos para 2030. Um deles é o mundo verde. Lá. “a responsabilidade social e a confiança dominam a pauta corporativa com preocupações sobre mudanças demográficas, o clima e a sustentabilidade, que passam a ser os principais condutores dos negócios”. Nesse mundo, a consciência social é essencial. “Trabalhadores e consumidores demonstram lealdade a organizações que agem corretamente em relação a seus funcionário e ao mundo”, lê-se no documento da PwC. Pesquisa realizada pela consultoria com 10.029 pessoas na China, Alemanha, índia, Reino Unido e Estados Unidos indica que para 23% delas “trabalhar com algo que faça a diferença" é o que mais importa na carreira. E, de todas as preocupações, o meio ambiente é, sem dúvida, uma das principais. Ainda segundo a PwC, daqui a dez anos, a estimativa é a de que uma companhia só poderá ser listada em bolsas de valores se apresentar documentos contendo dados sobre suas ações de sustentabilidade.

Não faz muito tempo, quando se falava em investir em ações em defesa do meio ambiente, poucos executivos, sobretudo os diretores financeiros, aceitariam a proposta de bom grado. “Bobagem!”, desdenhariam. Hoje esses projetos são mais do que bem-vindos, são comemoradíssimos. Recentemente a Klabin estreou no índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI, na sigla em inglês), nas carteiras “world index” e “emerging markets index”. É a primeira indústria brasileira a conquistar esse posto. Com 4,7 milhões de toneladas de carbono equivalente, a companhia pretende ir além — explorar o mercado de carbono e serviços ambientais. “Como somos a única indústria brasileira a estar na carteira mundial do índice, isso nos posiciona como uma das empresas mais sustentáveis do mundo e eleva a visibilidade internacional da atuação sustentável do setor de florestas cultivadas do Brasil”, afirma Cristiano Teixeira, diretor-geral da Klabin.

Mudança climática, gases de efeito estufa, sustentabilidade, biodiversidade... Esses temas chegaram definitivamente às altas finanças globais. “É preciso entender a biodiversidade como valor e não como risco ou unicamente fonte de extração”, afirma Denise Hills, diretora de sustentabilidade da Natura. Na perspectiva de compensar carbono dentro da cadeia de fornecedores, com benefícios para a Amazônia, a empresa preserva 1,8 milhão de hectares, uma vez e meia a área do município do Rio de Janeiro, e tem meta de chegar a 3 milhões até 2030.

Amazônia, meca da bioeconomia

Na comunidade Nova Califórnia, zona rural de Porto Velho, em Rondônia, a Natura ainda integra um arranjo inovador de parceria junto a organizações locais, fornecedoras de ativos naturais — manteiga de cupuaçu, polpa de açaí, óleo de castanha-do-pará e outros insumos à fabricação de cosméticos. Além da compra da matéria-prima, o modelo prevê a remuneração dos extrativistas pelos serviços ambientais da floresta que protegem, como a retenção de carbono para o equilíbrio do clima global. São contratos de 25 anos para uma área de 19 mil hectares, e o repasse dos recursos — aplicados pelos moradores em melhorias da estrutura local e práticas produtivas sustentáveis - condicionado à entrega de uma natureza bem conservada, comprovada por imagens de satélite e auditorias. O modelo está sendo exportado para a Colômbia, em área de alta biodiversidade e etnias indígenas pressionadas pela violência do narcotráfico.

Em paralelo, a Natura se juntou a mais de 30 empresas, como Ambev, Agropalma, Dow e Whirlpool, na Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), uma ação coletiva do setor privado para fomentar novos modelos de desenvolvimento sustentável na região. Uma estratégia é o investimento em startups inovadoras, capazes de movimentar a economia e, ao mesmo tempo, conservar o bioma. Na lista dos 30 negócios até agora acelerados, beneficiando a melhor gestão de 15 milhões de hectares de floresta, está a NavegAM, com a ideia de aplicativo ao estilo de um “Uber fluvial” para resolver a logística de carga e passageiros nos rios amazônicos.

O Mercado Livre integrou-se este ano à iniciativa, levando produtos da floresta ao mundo dos grandes marketplaces, em sintonia com novos hábitos de consumo, conectados a causas ambientais. O desafio mobiliza jovens empreendedores, como o paraense Melquisedec Negrão, à frente da MadTech, biofábrica que produz madeira com base em plásticos do lixo e resíduos de uma joia amazônica: o açaí, fruto que já movimenta R$ 3 bilhões ao ano na economia, mas deixa como rastro montanhas de caroços nos locais de processamento para o consumo.

O negócio permite substituir o uso de toras nativas, quando se sabe que 75% da produção madeireira do Pará é ilegal e predatória, segundo o Imazon. Enquanto busca investimentos, a estratégia é prestar serviço de logística reversa para shopping centers e supermercados de Belém, desviando plástico dos rios. Com o material, a empresa fará tábuas e peças de móveis impressas em 3D, após ter chegado a uma fórmula economicamente viável para a mistura de resíduos sintéticos e naturais. “As dificuldades amazônicas exigem soluções fora do eixo do Sudeste, construídas junto a atores locais com base na realidade da região”, observa Negrão.

Não à toa, o Fundo Vale aposta nas startups para levar a cabo um ambicioso projeto: recobrir 100 mil hectares por meio de negócios agroflorestais até 2030, combinando a exploração econômica de árvores nativas com cultivos agrícolas ou criação animal. Com investimento de R$ 25 milhões em seis projetos piloto para testes de novos modelos na Amazônia e outros biomas, a iniciativa integra o plano da mineradora de tornar-se carbono neutro até 2050. No total, 40 negócios foram mapeados. “Não temos parâmetro no Brasil para tão grande escala envolvendo recuperação de área degradada”, diz Patrícia Daros, diretora de operações do Fundo.

“O mundo quer ver soluções baseadas na natureza e colocar dinheiro nisso”, atesta Ricardo Gravina, diretor da Climate Ventures, vitrine de negócios inovadores prospectados para saciar o apetite de investidores. São tecnologias, como a engenhoca da startup Nucleário para garantir a sobrevivência das mudas em projetos de reflorestamento, entre outras idéias que anos atrás seriam maluquices.

Além de tecnologias, a lógica de dar valor à floresta bem conservada na concorrência com atividades econômicas que desmatam requer um outro ingrediente: a prática de comércio justo entre comunidades de áreas protegidas e grandes compradores de matéria-prima, centro das atenções do selo Origens Brasil. A iniciativa faz a ponte entre 1,8 mil produtores e 26 empresas, no total de 51 milhões de hectares de floresta conservada — o dobro da área do estado de São Paulo, Neste ano, a adesão cresceu 65%: “Mais empresas acham que podem fazer algo dentro de suas cadeias de negócio”, analisa Patrícia Gomes, gerente de projetos do Imaflora.

Na multinacional de cosméticos Lush, 69% do cumaru, a baunilha amazônica, vem do projeto. A Alpargatas adquire borracha para calçados, e da floresta sai matéria -prima até para o pão nosso de cada dia. F. o caso da castanha-do-pará, que compõe, em quantidades crescentes, as linhas de produtos da Wickbold. Quase 30% do ingrediente provém dessas áreas mapeadas, com o repasse de R$ 2 milhões para as mãos das famílias extrativistas, nos últimos dois anos.

"É como um ciclo virtuoso: uma pessoa que compra no sul do país contribui para a renda dos povos da floresta, cuja presença na Amazônia inibe a ação de madeireiros e grileiros ilegais — ou seja, indiretamente, ajuda a manter a maior floresta do mundo”, explica Pedro Wickbold, diretor-geral da companhia. “Além do lucro, buscamos impacto positivo para a sociedade, pois vivemos em um dos países mais desiguais do mundo e, ao mesmo tempo, estamos em mais de 1 milhão de lares todos os dias.”

As escolhas de consumo demandam tecnologias de big data, base de negócios como o da empresa Terras, de Belém. De acesso fácil e rápido, a plataforma BusCar processa imagens de satélite e dados socioambientais das propriedades rurais, a R$ 9,90 por consulta, para mostrar se o boi ou a soja têm origem em áreas desmaiadas ou registro de trabalho análogo ao escravo. Por meio da tecnologia, o Banco da Amazônia já realizou 68 mil análises para crédito rural. “O plano é chegar aos demais biomas brasileiros e ampliar o uso para além de fazendas, frigoríficos e instituições financeiras, permitindo consultas por consumidores via QR code no rótulo de produtos”, conta o empresário Carlos Souza.

Soluções para o cerrado

“Não dá para esconder problemas na floresta, diante dos avanços da inteligência artificial e imagens de satélite”, concorda Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. Ao mesmo tempo, é crescente a demanda pelo consumo sem culpa de destruir o planeta — o que levou a Marfrig, uma das maiores indústrias frigoríficas do país, a investir R$ 10 milhões no lançamento da “carne carbono neutro”.

A base está na Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), sistema em que o gado é criado junto com plantio de grãos e árvores de eucalipto, responsáveis pela captura de carbono da atmosfera. “Implantado em apenas 15% da área, o modelo pode mitigar a pegada climática da fazenda inteira”, revela Kleberson de Souza, pesquisador da Embrapa Cerrado, onde foi desenvolvido o selo agora adotado pela indústria, com potencial de se replicar no mercado.

O bioma ocupa um quarto do território nacional, já perdeu 45% da vegetação original e abriga metade do agronegócio brasileiro. Há o desafio de mecanismos econômicos para proteger o que restou. “Isso é chave, inclusive para reduzir perdas da própria produção no campo”, adverte Paulo Bellonia, presidente da SaveCerrado. A ONG conserva raros 18 mil hectares de mata que estavam fadados a virar pastagem e tomou-se bom negócio para a empresa agropecuária dona da área, no município de Bonito de Minas, em Minas Gerais.

A floresta é loteada e “alugada” para empresas que pagam para que fique de pé, ganhando em troca um selo que comprova o carbono lá estocado, em local de importância ambiental. O filão pode ser melhor que gado e soja. De pé, o bioma permite ganhos dez vezes maiores do que o agro- negócio, a contar pelo valor dos serviços naturais — água, controle da erosão, polinização e captura de gases de efeito estufa, segundo pesquisa da Universidade de São Paulo.

Os riscos contra esse patrimônio do Cerrado preocupam na região do Matopiba, na divisa entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, recente fronteira agrícola de alta tecnologia que pressiona a vegetação nativa e as fontes hídricas, além do conflito com indígenas, quilombolas e agricultores familiares, acirrado pela grilagem e especulação de terras: são 73 milhões de hectares de grandes monoculturas que concentram a riqueza.

Na região, a Cargill, processadora de soja que faturou R$ 50 bilhões em 2019 e trabalha com 14 mil produtores no Brasil, transfere tecnologia de irrigação à agricultura familiar e promove empreendedorismo junto a jovens em situação de vulnerabilidade. A cadeia de fornecimento de grãos é mapeada. “É preciso engajar produtores rurais, diminuindo a pressão para converter áreas naturais”, explica Renata Nogueira, líder de sustentabilidade da empresa na América do Sul.

Mata atlântica engajada

Se nos grotões do Brasil o impacto ambiental preocupa, na região mais populosa e industrializada do país o sentido de urgência é ainda maior. A Mata Atlântica foi o primeiro bioma explorado pelos colonizadores portugueses, e hoje, reduzida a 12,4% da floresta original, é trincheira de uma nova geração de produtores rurais que buscam devolver pelo menos parte do que foi perdido — e enxergam nisso uma fonte de renda.

Na Serra da Mantiqueira, entre as metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro, centenas deles começam a ser remunerados pelos préstimos da floresta que recuperam, surfando na onda do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Dessa forma, uma região já marcada na história pelo apogeu do açúcar, café, gado e eucalipto, agora pode tornar-se vitrine de um novo ciclo econômico, o do carbono para a mitigação climática.

“A demanda aumentou muito”, aponta Rubens Benini, da The Nature Conservancy (TNC), para quem “só a lei ambiental não é suficiente para recompor o bioma, o que exige dar valor econômico à floresta em seus estágios de recuperação”.

Uma plataforma digital de transações funciona como o “Tinder” da floresta para matches entre a oferta e a procura por créditos de carbono na região, com meta de abranger mil produtores rurais até o fim de 2021. “O conceito deve ser ensinado desde cedo nas escolas”, afirma Rubens Carbone, funcionário público que trocou vacas por árvores e hoje é remunerado por compensar gases de efeito estufa do banco Itaú.

Em Extrema, Minas Gerais, onde se localiza a propriedade, a lei municipal de mudança climática obriga a neutralização de emissões de empresas lá sediadas, como Panasonic, Bauducco, Kopenhagen e Netshoes, com recursos aplicados na reposição da Mata Atlântica, e também para proteção dos mananciais de abastecimento público.

Dessa relação entre floresta e água depende, por exemplo, a cerveja. Em Itu, no interior paulista, um naco verde de 526 hectares em meio a uma região já despelada garante o abastecimento hídrico da maior fábrica da Heineken no Brasil, situada a oito quilômetros de distância. Na área que engloba o reservatório, cedida em comodato à SOS Mata Atlântica, funciona o Centro de Experimentos Florestais, responsável pelo programa de plantio de árvores que regenerou o ambiente, com a retomada da vazão e a volta de aves e mamíferos. Graças a isso, a empresa (à época, Brasil Kirin) escapou da crise hídrica de 2014, não parou a produção e ajudou a abastecer municípios no drama do racionamento. “Sem água não tem negócio”, ressalta Ornella Vílardo, gerente de sustentabilidade da cervejaria, ao lembrar que o insumo compõe 90% do produto. “Devemos olhar além dos muros, para as condições da bacia hidrográfica e os riscos de escassez", completa.

Ao longo da última década, por meio do projeto Bacias & Florestas, a Ambev já recuperou mais de 10 mil hectares de vegetação, o que equivale a mais de 12 mil estádios do Maracanã, e plantou cerca de 1 milhão e 800 mil árvores. O Bacias & Florestas conta com apoio e reforço das ONGs TNC e WWF-Brasil, que firmam parcerias com agricultores e produtores rurais que moram nas áreas das bacias hidrográficas para conservar a qualidade da água nesses locais. A empresa oferece uma série de informações sobre técnicas de conservação, educação ambiental e restauração ecológica.

No sul do país, a recuperação da mata está associada a outro produto de largo consumo: o papel. “Quem não andar em sintonia com as mudanças de padrão da sociedade estará fora do mercado”, adverte Julio Cesar Batista, gerente de sustentabilidade da Klabin. Em cinco anos, a empresa investiu R$ 11 milhões na melhoria de renda na agricultura familiar e adequação ambiental de pequenos produtores de eucalipto, com recuperação de áreas nativas e proteção de mais de 700 nascentes. O objetivo é garantir fornecimento dentro de critérios de sustentabilidade exigidos para exportação do papel, uma vez que 50% da matéria-prima florestal provém de terceiros.

Mais de mil produtores foram beneficiados em 70 municípios do Paraná e Santa Catarina, totalizando 15 mil hectares de mata recuperados, principalmente na beira dos rios, agora com a expectativa de receita também em créditos de carbono. “Foi um modelo construído à base do diálogo entre vários setores, com alto potencial de ser replicado”, aponta a ambientalista Miriam Prochnow, à frente da Apremavi, ONG cujo viveiro fornece as mudas nativas e orienta o plantio nas propriedades apoiadas pela indústria.

O rei do mel, na caatinga

Com 40% da área já alterada pela retirada de lenha e outros impactos, a Caatinga é vista como o patinho feio da natureza brasileira, estigmatizada pelos Índices de pobreza e pelos espinhos de mandacarus e xiquexiques. As condições de clima e solo não favorecem o gado ou o agronegócio de grãos para exportação como nas regiões vizinhas, mas mostram-se altamente propicias ao mel.

“Longe dos agrotóxicos dos grandes cultivos, as abelhas são altamente produtivas, e a atividade tem feito a diferença para a renda da região, com preservação da natureza", diz Samuel Araújo, empresário piauiense que prosperou no sertão como maior exportador do produto no Brasil, e expandiu u império com a compra de unidades no Sul e Sudeste, agora integradas ao grupo Samel, com previsão de faturar R$ 100 milhões em 2020.

O plano de Araújo, que herdou o ofício do pai, sertanejo construtor de colmeias como sustento da família, é triplicar as exportações para a América do Norte, Europa e Ásia, além da expansão no mercado brasileiro. Do manneleiro ao angico e cipó uva, as floradas da Caatinga dão diferenciais ao produto, fornecido por milhares de pequenos apicultores do interior nordestino. A fonte de renda ajuda no equilíbrio da natureza, porque as abelhas dependem do néctar como alimento e contribuem com a polinização das flores para reprodução vegetal, mantendo o bioma vivo.

Parte expressiva da produção ocorre em São Raimundo Nonato, no Piauí, no entorno do Parque Nacional Serra da Capivara, onde a vegetação convive com mais de mil sítios arqueológicos de pinturas rupestres, visitados por 30 mil turistas ao ano. "Apesar dos problemas sociais, a Caatinga vem encantando a ciência a cada descoberta como uma das áreas mais selvagens da Terra”, afirma André Pessoa, criador do viveiro Mata Branca. O local teve investimento da indústria de papel e celulose Suzano e fornece educação ambiental e mudas para restauração da paisagem, em parceria com o Ministério Público do Piauí. "O objetivo é devolver plantas que a natureza fornece ao nosso uso diário e influenciar políticas públicas para a preservação deste patrimônio, que é exclusivo do Brasil, diferente mente dos demais biomas", completa Pessoa. A natureza de pé ajuda agroindústrias em negócios com ícones regionais, a exemplo da brasileiríssima castanha-de-caju.

No pampa, o churrasco sem culpa

O desafio da empresa Alianza del Pastizal engloba a educação nutricional e o maior acesso a alimentos saudáveis, especialmente produtos regionais marcados por aspectos sociais e ambientais. Isso vale também no Pampa, bioma de campos nativos que ocupa 63% do Rio Grande do Sul, reunindo 3 mil espécies vegetais importantes na função de absorver carbono e controlar a erosão.

Lá, o holofote está na velha tradição do churrasco, agora com o glamour de não destruir a flora e fauna de furões, veados-campeiros e várias aves, o que levou muitas empresas a incorporar à marca própria a carne com a chancela da Alianza del Pastizal. A iniciativa, em curso nos países do Cone-Sul que compartilham o bioma, busca modelos sustentáveis de produção. Na porção brasileira, o gado é criado em áreas naturais por 90 fazendas do oeste e sul gaúcho, com o compromisso de mitigar gases de efeito estufa, além de promover o bem-estar animal e permanência das famílias na atividade tradicional.

No município gaúcho de Santa Rita, o destaque da vitrine é o arroz produzido no Assentamento Capela e vendido pela Korin, empresa voltada ao mercado de orgânicos, unindo saúde humana à ambiental. Neste ano, serão comprados 187,9 mil quilos, cultivados sem uso de agrotóxico ou adubo químico, respeitando a biodiversidade e a cultura dos produtores locais, oriundos da reforma agrária. “Dependemos diretamente da renovação dos recursos naturais", aponta Reginaldo Morikawa, diretor da companhia, que deverá faturar R$ 200 milhões em 2020, com crescimento de 20%, na esteira do consumo consciente.

São 250 itens, como o frango orgânico livre de transgênicos e a carne bovina produzida no Pantanal por pequenos e médios pecuaristas que seguem as leis ambientais e alimentam o rebanho com a pastagem natural que caracteriza a paisagem da região. Para fornecimento à empresa, são abatidas 80 cabeças por semana, em média, com critérios que visam a inclusão social do pantaneiro e seus valores ecológicos. “A pecuária é totalmente integrada ao bioma há mais de 200 anos", enfatiza o executivo.

O filão das onças. No pantanal

“O gado é importante, mas não é a única solução diante do grande valor ambiental do Pantanal”, ressalva o empresário Roberto Klabin, que herdou 5,6 mil hectares da família e decidiu conciliar a pecuária com o negócio da observação de fauna — riquíssima, naquela área de transição com o Cerrado. Ele manteve intacta a maior parte da propriedade e buscou referências na África para criar o Refúgio Ecológico Caiman, indutor de um longo processo de mudança cultural que contagiou fazendas vizinhas para um novo conceito de convivência com a biodiversidade e atraiu investidores para viabilizar o Pantanal como negócio.

“É necessário equilibrar atividades econômicas às características do bioma e não o contrário”, adverte Klabin, lembrando que 83% da planície pantaneira está bem conservada e 95% encontra-se em propriedades privadas. Na área do empresário, local onde nasceu o famoso projeto da pesquisadora Neiva Guedes com a arara-azul, o motor do faturamento está nas onças-pintadas — resultado do trabalho que reduziu conflitos e tornou o contato visual mais frequente, sem interferir nos hábitos da espécie.

A chance de ver esses felinos em expedições guiadas aumentou de 7% para 98%, e assim o empreendimento entrou no mapa de observadores de fauna que rodam o mundo em busca de preciosidades. “Abrimos a porta para diversificar a renda e desenvolver o Pantanal de uma outra maneira”, diz Klabin, na expectativa da retomada do turismo após a crise da covid-19.

O safari de um dia custa R$ 9,3 mil para até quatro pessoas, 70% estrangeiros. “Observar o bicho em vida livre tem um charme todo especial", reforça Lilian Rampim, coordenadora do Onçafari. A iniciativa foi criada para operar as expedições no Refúgio Caiman e hoje tem bases também na Mata Atlântica e Amazônia, onde o trabalho se destina a reintroduzir a espécie na natureza. A bióloga enfatiza: “É hora de levantar a bandeira do Pantanal, pois a sociedade fala muito mais de Pluto, Mickev e Pato Donald, e por isso a fama do bioma é mais pelas queimadas do que pelas onças”.

Uma ideia para o futuro

"Meu querido Henry,

Você chegou em um mundo de pernas para o ar. Um dia vão te contar que no dia em que você nasceu, ninguém podia sair na rua, nem dar as mãos. Ninguém veio te visitar na maternidade. Talvez um dia você até ache graça dessas histórias e imagine que isso realmente era um mundo de pernas para o ar. Mas te digo. meu filho, que essa era apenas a face mais caricata daquele momento. Mas longe de ser a única. Talvez quando você tiver idade para ler essa mensagem, as pessoas já saibam divergir sem se agredir. Talvez você mal entenda quando eu te contar que cor, religião, gênero e orientação sexual faziam diferença pra muita gente que estava por aqui antes de você. Talvez você estranhe que era difícil demais fazer as pessoas respeitarem o próprio planeta em que vivem. Bizarro né? São mesmo tempos estranhos. Minha geração está deixando uma conta enorme para tua geração pagar. E há quem não se incomode com essa questão morai. Eu e a mamãe Stephanie Uno Alperowitch estamos te dando um presente e neutralizando a sua pegada de carbono pessoal para os próximos 20 anos. Depois disso, você terá sua própria consciência e a responsabilidade é sua. Que você encha esse mundo de luz e cores."

Nascido em março passado, no início da pandemia. o pequeno Harry poderia ter ganhado um bichinho de pelúcia ou, quem sabe. uma caderneta de poupança, para financiar, na maturidade, uma viagem peio mundo. O presente, porém, foi para lá de inovador, créditos de carbono, comprados pelo pai, o gestor de investimentos paulistano Fabio Alperowitch.

O presente é sinal de um movimento que chega à base da sociedade e reflete em grandes corporações, compelidas a compensar gases de efeito estufa financiando projetos ambientais em biomas brasileiros.

A criança recebeu 2 mil créditos. R$ 200 mil em valores de novembro, calculados com base em atividades diárias, como comer, ir à escola e viajar, por duas décadas. "A ideia foi deixar o tema vivo para ele. Acompanhar os rendimentos e a flutuação de preços no mercado tem uma função educativa", explica Alperowitch.

A compra do ativo ocorreu por meio da MOSS, fintech ambiental que até agora já transferiu cerca de R$ 55 milhões é conservação da Amazônia, com clientes principalmente da indústria financeira, "É uma forma de o capital fluir de mal para o bem", observa Luis Felipe Adalme, CEO da empresa, um apaixonado pelos antigos documentários de Jacques Cousteau que direcionou a expertlse no mercado financeiro para negócios com o clima. As notícias do aquecimento global o assustavam: "Só governo e ONG não dariam conta; cada qual deve fazer a sua parte, e vi que ainda podería ganhar dinheiro com Isso". Segundo Adaíme, o Brasil tem um mercado potencial de R$ 245 bilhões para compensação de carbono por empresas preocupadas com aquecimento global. "Podemos ser a Arábia Saudita do carbono", afirma. "Desde o Início, o negócio incorporou inovações, como tecnologia blockchain para facilidade. transparência e segurança. Tokens atrelados a créditos de carbono, como na compra de moeda virtual, já é uma realidade. "É um movimento geracional de tomar as rédeas e não contribuir com um sistema que está fadado ao fracasso", diz Alexandre Lamaski, cofundador da MOSS, com a bagagem de ex-analista de projeto do Google Cloud.

A origem dos créditos pelo carbono retido na natureza, negociados pela fintech, está em áreas que somam um milhão de hectares de florestas, como as do grupo espanhol Agrocortex, voltado ao manejo sustentável de madeira, no Acre. Além das transações já realizadas, a empresa possui 1 milhão de toneladas de carbono aptas a compensar emissões por meio de árvores, estratégia mais barata do que as de reduzir pela substituição de fontes energéticas ou outras tecnologias de alto custo.

Por Sergio Adeodato, na Revista Época Negócios


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