quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Mourão endossou pagamento em contrato investigado


O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, atuou pessoalmente para agilizar um pagamento de 5,6 milhões de euros a uma empresa espanhola, a Tecnobit, que vendeu para o Exército, em 2010, um sistema de simulação de artilharia.

 

Esse contrato é investigado por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em duas vertentes: uma específica sobre a licitação, em relação à qual foi apontado direcionamento, e outra sobre a execução do contrato. O vice-presidente aparece na segunda.

A auditoria recém-concluída sobre a licitação pediu aplicação de multas para 13 militares. Mourão não faz parte da relação de multados e, junto a outros quatro envolvidos, ainda deverá ser ouvido em audiência.

Entre as implicações direcionadas ao vice-presidente, chamou a atenção do TCU a mudança drástica em seu posicionamento quanto à regularidade do contrato. Em um primeiro momento, Mourão disse que tudo havia sido entregue pela empresa e que o pagamento poderia ser efetuado. Em seguida, mudou de opinião e apresentou um documento dizendo exatamente o oposto, ou seja, que ainda havia pendências a serem resolvidas pela empresa.

Baseada em uma denúncia anônima, a investigação começou há pouco mais de três anos, mas só foi concluída no último dia 30. O relatório, elaborado pela Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional, seguiu na mesma data para o gabinete do ministro relator, Marcos Bemquerer, que ainda vai preparar o seu parecer antes de levar a matéria ao plenário.

De acordo com o TCU, o vice-presidente ainda não foi ouvido devido a pendências na documentação que deveria ter sido encaminhada no âmbito do processo. Os auditores pedem a Benquerer que Mourão tenha um prazo de 15 dias para se defender.

O documento, ao qual o Valor teve acesso, lista sete irregularidades que teriam sido praticadas por Mourão, no papel de gerente do contrato. Com valor total de quase 14 milhões de euros (cerca de R$ 92 milhões, ao câmbio atual), a licitação vencida pela Tecnobit consistia na compra, instalação e transferência de tecnologia de simuladores de artilharia. Os equipamentos foram instalados em 2016 nas cidades de Resende (RJ) e Santa Maria (RS).

De acordo com o relatório, Mourão assinou, em março de 2014, um certificado atestando que a Fase 2.2 do projeto estava concluída. De posse desse documento, a Tecnobit requereu o pagamento de 5,6 milhões de euros.

Essa fase era uma das mais importantes do projeto, na qual a empresa deveria finalizar o desenvolvimento da solução e realizar ajustes do protótipo no Brasil para aprovação preliminar, além de apresentar o código-fonte e a transferência de tecnologia.

Ocorre que essas tarefas ainda estavam longe das condições satisfatórias, como foi alertado dias antes pelo fiscal do contrato, Silas Leite Albuquerque. Ele apontou a existência de 506 inconformidades, mas foi ignorado por Mourão, que atestou a conclusão e pediu o processamento do pagamento.

A divergência foi parar no gabinete do comandante do Exército. Lá, a avaliação foi de que nenhum dos integrantes da equipe técnica do projeto havia assinado os termos necessários para garantir a transferência de tecnologia, prevista no contrato como condição para conclusão da fase. Além disso, o comando salientou que, caso o pagamento fosse realizado, restaria valor correspondente a apenas 10% do montante contratado, “o que eliminaria qualquer poder de pressão frente à contratada para a entrega final do produto, causando dano ao erário público”.

Ao tomar ciência de que não iria receber, a Tecnobit se agarrou ao certificado de Mourão, que à época era vice-diretor do Departamento de Educação e Cultura do Exército. Meses depois, quando já estava lotado no Comando Militar do Sul, o vice-presidente continuou à frente do contrato por “interesse pessoal”, conforme documento do Exército entregue ao TCU.

Com o pagamento suspenso, a empresa tentou primeiro uma solução amigável e, sem resposta, ameaçou ingressar com um processo arbitral nos Estados Unidos. Mourão, então, mudou de ideia e encaminhou um novo documento, desta vez afirmando que a Fase 2.2 não estava concluída. Ressaltou, contudo, que era importante buscar uma saída negociada, por meio do pagamento de parcelas referentes ao que já havia sido entregue, atitude que também foi questionada pelos fiscais do TCU.

No mesmo documento, o vice-presidente solicitou que não fosse aplicada à Tecnobit a multa prevista no contrato pelos atrasos já contabilizados. O pedido foi entregue ao chefe de gabinete do comando do Exército, pessoa que era hierarquicamente inferior a Mourão, àquela altura já general. O Tribunal de Contas considerou “inusitado” o fato de tal conduta não ter resultado em nenhum processo de responsabilização no Exército. Procurado, o Exército defendeu a legitimidade e viabilidade econômica do projeto (ver matéria abaixo). O vice-presidente preferiu não se manifestar sobre o processo.

A empresa acabou sendo apenas advertida, mas decidiu seguir mesmo para a disputa arbitral. Na ação, pediu o pagamento integral da Fase 2.2, o ressarcimento dos custos judiciais e danos materiais, além do direito de rescindir o contrato. O custo de uma eventual derrota preocupou o Exército e Mourão patrocinou uma nova negociação, dessa vez para um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Para o TCU, desde o começo do contrato o vice-presidente estava convencido de que sua assinatura seria suficiente para viabilizar o pagamento, tanto que após o certificado ele também emitiu um documento solicitando o processamento da transação. “É mister reconhecer que a sua emissão colocou o Exército Brasileiro em situação bastante precária frente à possibilidade de cobrança pela empresa contratada”, sustentam os auditores.

O TAC acabou sendo assinado em 2015, mesmo após avaliações internas do próprio Exército de que o instrumento era muito mais vantajoso para a Tecnobit. Os auditores do TCU concordaram com a ressalva, alegando que o acordo “beneficiou preponderantemente a empresa contratada”.

Além de viabilizar o pagamento requisitado pela empresa, o TAC alterou as entregas previstas para cada fase do projeto, reduziu o valor da garantia bancária fornecida pela Tecnobit e eliminou os controles que visavam garantir a transferência de tecnologia.

“Fica evidente que a repactuação remunerou a empresa com praticamente o mesmo valor anteriormente previsto, reduzindo as entregas, uma vez que os equipamentos não precisavam estar em funcionamento em Resende (preliminarmente testados) e estava ausente a transferência de tecnologia”, avalia o relatório do TCU.

 

Projeto já se pagou, alega Exército

 

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou “falhas incontornáveis” na licitação para compra do simulador de apoio de artilharia pelo Exército. Segundo relatório do órgão de controle, há pelo menos 16 indícios de que a concorrência foi direcionada para a vitória da empresa espanhola Tecnobit.

Entre eles está o fato de o Exército não ter apresentado — ao longo de todo o processo de compra — documentos elaborados com o intuito de avaliar equipamentos produzidos por outras empresas ou utilizados por forças armadas de outros países.

O órgão de controle também lembra que a Tecnobit vinha mantendo contato com o Exército brasileiro desde 2003, na tentativa de vender o seu simulador. A empresa, inclusive, fez apresentações do equipamento e recebeu algumas comitivas do Exército em solo espanhol.

Procurado, o Exército informou que ainda não foi notificado sobre o relatório do TCU e que não se pronuncia sobre questões ainda pendentes de contraditório e apuração. Afirmou, ainda, que o simulador “vem cumprindo plenamente os objetivos para os quais foi desenvolvido” e que o valor já economizado com munição “supera em muito o valor gasto na aquisição, comprovando a viabilidade econômica”.

Outro elemento apontado pelo TCU foi a tentativa prévia de aquisição do equipamento por dispensa de licitação, pelo valor de 16 milhões de euros. A iniciativa foi interrompida após parecer desfavorável da consultoria jurídica do Exército. Essa tentativa, inclusive, foi alvo de um processo administrativo, cuja cópia não foi entregue ao tribunal.

Definida a modalidade de licitação por convite, constataram-se muitas semelhanças entre a proposta elaborada previamente pela Tecnobit e as especificações definidas pelo Exército para a compra. A empresa acabou vencendo a concorrência com 100% da pontuação possível, com as demais proponentes tendo sofrido “descontos questionáveis”.

Outro elemento citado no relatório do tribunal de contas trata de comunicações internas do Exército que se referem ao processo como sendo referentes à aquisição do “Simaca”. Esse é o nome do simulador produzido pela Tecnobit. O natural, segundo os auditores, seria que as conversas dos militares tratassem de “um simulador genérico”.

Também foram apontados vários problemas na execução do contrato, como o descumprimento das cláusulas que tratam das compensações que a empresa deveria fazer. Uma das promessas da Tecnobit era a abertura de uma filial no Brasil, o que acabou não acontecendo.

O comando do Exército alegou ao TCU que a empresa tentou estabelecer um negócio de venda de sistemas eletrônicos de defesa no Brasil, mas não conseguiu. Por esse motivo, não teria cumprido a promessa de abrir a filial. Os fiscais questionam o argumento.

“Ora, se a empresa sequer contratou um diretor comercial (apesar de ter assumido este compromisso), não há qualquer elemento que permita afirmar que a empresa adotou medidas para garantir que o mencionado contrato de venda a terceiros fosse celebrado”, aponta o relatório. O caso ainda passará pelo relator, Marcos Bemquerer, antes de seguir para o plenário.

Por Murillo Camarotto, no Valor

  


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