terça-feira, 13 de outubro de 2020

Contratação direta pelo Poder Público - Quais cautelas podem ser adotadas pelos particulares?



As consequências de contratos irregularmente firmados entre particulares e o Poder Público podem ser mais graves do que aquelas pertinentes a relações jurídicas estritamente privadas. Isso porque, ao firmar uma parceria com o Estado, o particular se sujeita a formas de controle (internas e externas; administrativas e judiciais) que são próprias do regime de direito público.


Por exemplo, contratos superfaturados, mesmo que por culpa da Administração Pública, poderão resultar em obrigações de restituição ao erário pela pessoa contratada, quando não na sua responsabilização concomitante (ou solidária). A responsabilização do ente privado pode ocorrer, e.g., no curso de uma ação judicial de improbidade proposta pelo Ministério Público ou em procedimento administrativo ou judicial instaurado com base na chamada Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013).

Esse risco é potencialmente maior nos casos em que a contratação ocorre sem a realização de licitação. Como, nas hipóteses de contratação direta, a Administração Pública está autorizada a contratar sem realizar um processo competitivo, tal instrumento pode ser utilizado como caminho para a prática de fraudes. E isso naturalmente aumenta os olhares dos órgãos de controle para esses casos.

A contratação direta, no entanto, é uma via legítima de ação posta à disposição do Poder Público - e que tem previsão legal (e.g., as hipóteses de dispensa e inexigibilidade dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/1993). Que ela eventualmente seja utilizada como via para a prática de atos ilícitos não deve levar à conclusão de que toda e qualquer contratação sem licitação seja necessariamente ilícita ou reprovável.

No atual cenário da pandemia da Covid-19, a dispensa de licitação vem sendo utilizada pela Administração - como autorizado pelo art. 4º da Lei nº 13.979/2020 - como uma das medidas para fazer frente aos desafios urgentes que dele decorrem.

Mas, independentemente do cenário, é importante que uma série de cautelas próprias a esse tipo de contratação sejam adotadas. E é necessário que fique claro - e esse é um erro comum - que esse dever não incumbe apenas aos gestores públicos. Pelo contrário: é importante que os particulares também realizem uma avaliação detalhada dos riscos existentes e, a partir disso, adotem medidas preventivas de compliance antes de seguir com a assinatura do contrato.

Assim, para fins didáticos, com base na Lei nº 8.666/1993, nos enunciados do Tribunal de Contas da União - TCU e em orientações da Controladoria Geral da União - CGU, este artigo elenca algumas medidas e formalidades essenciais a serem adotadas pelos particulares que pretendem assinar contratos com o Poder Público decorrentes de contratação direta[1].

Do ponto de vista externo, o particular deve verificar a existência de procedimento formal subjacente à contratação direta e que o órgão público o instruiu adequadamente, com os elementos necessários para justificá-la e documentá-la. E o que deve constar desse processo?

É possível tomar por parâmetro o parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/1993, segundo o qual é preciso que constem, a depender do caso específico, os seguintes elementos: (i) caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa (art. 26, I); (ii) razão da escolha do fornecedor ou executante (art. 26, II); e (iii) justificativa do preço, o que, à luz da jurisprudência do TCU, deve ser feito mediante orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários do objeto a ser contratado[2] e, no caso de dispensa de licitação, pela apresentação de, no mínimo três cotações válidas de empresas do mesmo segmento (art. 26, III, Lei nº 8.666/1993)[3]. Ademais, em determinados casos, exige-se a existência de (iv) documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados (art. 26, IV).

Em qualquer contratação, é preciso que haja no procedimento uma (v) demonstração circunstanciada das razões que justificam a dispensa ou inexigibilidade de licitação. No caso da dispensa, deve-se demonstrar que a espécie se adequa a um dos incisos do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (ou a outro dispositivo legal pertinente).

Já nas situações de inexigibilidade, é dever do gestor comprovar a efetiva inviabilidade de competição apta a justificar a contratação direta do particular[4], observadas as exigências pontuais previstas nos incisos do art. 25 da Lei nº 8.666/1993.

Além disso, é fundamental (vi) que se verifique a existência de parecer jurídico (art. 38, VI, da Lei nº 8.666/1993). De fato, o entendimento do TCU é de que é obrigatória a emissão de pareceres jurídicos relativos a minutas de dispensa e inexigibilidade de licitação[5]. Tais documentos são relevantes para conferir maior segurança jurídica aos particulares de que a contratação observou os ditames legais pertinentes.

Já do ponto de vista interno da empresa, considerando que a contratação com o Poder Público já é, por si só, uma situação que apresenta risco significativo de ocorrência de fraudes, corrupção e outros ilícitos, é importante que seja adotado um programa de compliance (ou, no jargão legal, de integridade corporativa ou conformidade) robusto, cujo mapeamento de riscos tenha levado em consideração aqueles que são geralmente decorrentes das tais contratações.

Nesse âmbito, além das cautelas já apontadas, é recomendável que a alta administração da empresa estabeleça uma política específica com regras e procedimentos de controle interno rígidos para a execução de contratos administrativos, como[6]: (i) regras para interações com o Poder Público, incluindo a rotatividade de funcionários em contato com agentes públicos e formalidades para tais interações (e.g., uso de canais oficiais, presença de mais de um funcionário, utilização de atas, etc.); (ii) regras de alçada ou de nível hierárquico de aprovação, que podem inclusive estabelecer um procedimento de double check e/ou a necessidade de aval do próprio órgão de compliance da empresa; e (iii) o estabelecimento de parâmetros bem definidos para limitar a discricionaridade de colaboradores na tomada de decisão, em especial para a definição do preço, cujo racional recomenda-se que seja registrado para evitar riscos relacionados a suspeitas, por exemplo, de sobrepreço. É importante, ainda, (iv) formalização e o registro de todos os atos de ambas as partes (empresa e Poder Público), para as devidas comprovações que venham a ser necessárias mais adiante. Dependendo do caso, (v) também pode ser importante a divulgação da contratação pela empresa.

Em suma, externamente, é preciso verificar o cumprimento, pelo gestor público, de uma série de exigências legais para a instrução do processo. Internamente, é importante que a empresa avalie os riscos de suas atividades e estruture regras e procedimentos de controle claros e adequados, os quais, para sua efetividade, precisam ser devidamente comunicados, atualizados e, sobretudo, ter seu cumprimento monitorado.

[1] Outas exigências podem estar previstas, ainda, em normas publicadas por e decisões de órgãos de controle de outros entes federativos, as quais também deverão ser levadas em consideração no caso concreto.

[2] TCU, Acórdão 3.289/2014-Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, j. em 26.11.2014.

[3] Se a hipótese for de inexigibilidade, deve-se apresentar comparativo com os preços praticados pelo fornecedor junto a outras instituições públicas ou privadas (TCU, Acórdão 1.565/2015-Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, j. em 24.06.2015).

[4] TCU, Acórdão 9.554/2011-Primeira Câmara, Rel. Min. Valmir Campelo, j. em 01.11.2011.

[5] TCU, Acórdão 11.907/2011-Segunda Câmara, Rel. Min. Augusto Sherman, j. em 06.12.2011.

[6] Controladoria Geral da União - CGU. Programa de Integridade - Diretrizes para Empresas Privadas. Disponível em: . Acesso em: 17 de junho de 2020.

Alice Voronoff Francisco Defanti Gabriela Monteiro, no Jota  / Noticias


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