quinta-feira, 28 de maio de 2020

MIGRAÇÃO FORÇADA - o novo êxodo nordestino


Com a crise econômica causada pela pandemia, uma onda de desempregados sai do Sudeste e volta para suas cidades de origem, no Semiárido


Demitida em meados de março em São Paulo, a emprega doméstica Ana Rosa da Silva decidiu voltar para Itiúba, sua cidade de origem, no Sertão baiano, a cerca de 400 quilômetros de Salvador. O custo de vida na cidade grande foi o que mais pesou em sua escolha. Mesmo depois de 12 anos na capital paulista, pouco ou nada sobrava do salário de R$ 2.200 que recebia com carteira assinada. Mãe solteira, Silva sustentava as duas filhas e pagava R$ 1.100 de aluguel na região central da cidade. Com a pandemia do novo coronavírus, a doméstica se viu, em suas palavras, “largada à própria sorte”.

De volta ao Semiárido, Silva foi acolhida por uma irmã, que mora com os quatro filhos numa casa simples de três cômodos. “O espaço é pequeno. Minhas duas meninas e eu dormimos no mesmo quarto que minha irmã e mais uma de suas filhas”, contou a doméstica. “É complicado”, concluiu.

Silva é um exemplo do êxodo de nordestinos que estão saindo de grandes centros, como São Paulo, e também de cidades médias do Sudeste em direção a seus locais de origem. Segundo a prefeitura de Itiúba, cerca de 300 pessoas chegaram ao município desde o início da pandemia. Em Adustina, também na Bahia, o prefeito Paulo Sérgio do Oliveira Santos (PSL) estima que 500 migrantes retornaram nos últimos dois meses. Em outros oito municípios da região, escolhidos de forma aleatória, as prefeituras também estão registrando o aumento nos retornos.

Na manhã de uma terça-feira em meados de maio, ÉPOCA acompanhou o embarque em ônibus na Rodoviária do Tietê, em São Paulo, que tinham como destino cidades do Nordeste. Francisco Antonio morava havia 12 anos em Sapopemba, na Zona Leste da cidade. De uma hora para outra, viu o restaurante onde trabalhava fechar as portas. Com isso, ele, a mulher, a filha de 5 meses e um sobrinho tomaram uma decisão. Melhor voltar para a Paraíba do que ver as economias acabar rapidamente.

Como muitos de seus conterrâneos, Antonio acredita que no Nordeste, com o custo de vida mais baixo e sem ter de pagar aluguel, o dinheiro que sobrou vai durar muito mais tempo — sem contar a possibilidade de ter o apoio dos familiares. Quando os empregos em São Paulo reaparecerem, ele pensa em retornar ao Sudeste. Mas ninguém sabe quando isso acontecerá.

Tanto o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo estimam que cerca de 20% dos funcionários desses dois setores já foram demitidos. “Hoje, grande parte dos trabalhadores de bares e restaurantes é do Nordeste. É natural que eles voltem para suas cidades de origem”, afirmou Percival Maricato, presidente da associação do setor.

Dispensados de seus empregos, a auxiliar de limpeza Silvia Rodrigues e seu marido, Antonio Agripino, auxiliar de pedreiro, compraram passagem para o Ceará. O casal e a filha de 15 anos viviam num apartamento pequeno no bairro do Alto Industrial, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. “Com o dinheiro que ganhamos em São Paulo, fizemos uma casa maior no Ceará. Agora vamos ficar perto da família e trabalhar no que der”, disse Rodrigues.

Empresas de transporte informais também têm visto o movimento aumentar. No último dia 8, um ônibus da empresa Bel Turismo partiu de São Paulo lotado em direção à Bahia. Alguns passageiros contaram que um dos pontos de encontro para a viagem foi um posto de gasolina na Rodovia Raposo Tavares. De lá, parte do grupo embarcou numa van que foi até um estacionamento no bairro Jardim D’Abril, em Osasco. Em seguida, o ônibus partiu com destino à cidade de Cansanção, no Semiárido baiano. “As pessoas preferem voltar para o Nordeste sofrido porque aqui tem a avó junto, tem o pai junto”, resumiu Demóstenes de Souza Barreto Filho, prefeito de Ibipeba, Bahia, filiado ao PSL, outro município que viu elevação na chegada de migrantes.

Embora ainda não haja um dado oficial sobre a exata medida do êxodo, quem estuda o assunto acredita que o movimento atual pode se tornar um dos maiores já vistos. “O marco dessa migração de retorno dos nordestinos até hoje foi nos anos 1980, quando a economia brasileira entrou em crise e começou a se desindustrializar. Também houve períodos de volta quando a economia estava bem e havia oportunidades no Nordeste”, disse José Eustáquio Diniz Alves, ex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE e uma das maiores autoridades em dinâmicas demográficas. “Com o desemprego provocado pela pandemia, é certo que esse fenômeno vai se intensificar”, completou.

O movimento de retorno para o Nordeste não tem sido tarefa fácil devido a restrições de circulação impostas para barrar a proliferação do vírus. O baiano Tacio de Santana e outros 40 conterrâneos foram demitidos de uma fábrica de calçados em Nova Serrana, Minas Gerais. Juntos, fretaram um ônibus para voltar à pequena Serrinha. Antes de partir, receberam um telefonema avisando que não teriam permissão para entrar na Bahia. Imediatamente, Santana começou a negociar para tentar conseguir um passe livre. Prometeu que ele e os demais passageiros ficariam em quarentena por duas semanas após a chegada. Depois de dez dias de conversas com políticos locais, na quinta-feira 21 de maio Santana recebeu um sinal de que todos poderiam viajar. “Temos acompanhado o retorno de muitos desempregados para nossa região. A maioria volta em transporte clandestino”, afirmou o deputado estadual Osni Cardoso (PT-BA), ex-prefeito de Serrinha, que ajudou Santana na liberação do ônibus.

Nos pequenos municípios do interior do Nordeste, a chegada dos filhos da terra traz dois tipos de preocupação. A maior e mais óbvia é o medo de contágio pelo novo coronavírus. No município de Adustina, um migrante foi quem levou a doença para a cidade. Dispensado de uma churrascaria na capital paulista no início de março, Edson dos Santos voltou para casa e chegou a ser internado no pronto-socorro do município, onde não há leitos para doentes graves. Com a piora do quadro, foi para uma cidade maior numa ambulância com UTI móvel emprestada por um município vizinho. De lá, uma aeronave o transportou para a capital baiana, onde morreu no começo de abril.

O óbito pela Covid-19 causou pânico em Adustina, mas, de lá para cá, não houve mais nenhum caso confirmado da doença. Hoje, 81 pessoas estão em monitoramento pela vigilância epidemiológica e outras 198 já foram liberadas da quarentena. Por precaução, a prefeitura suspendeu as aulas e fechou o comércio, inclusive a feira livre. Em consequência disso, assistiu a uma alta abusiva de preços em quitandas e frigoríficos.

A segunda dor de cabeça dos prefeitos é a questão econômica. É difícil acolher os recém-chegados num momento de crise e queda de receita — o orçamento dessas cidades depende de transferências federais. A prefeita de Itiúba, Cecília Petrina de Carvalho, reclamou que sua gestão só recebeu R$ 241 mil do governo federal para o combate ao novo coronavírus, valor que considera insuficiente. Para auxiliar aqueles que chegam, a prefeitura criou um abrigo onde já há 22 pessoas. No local, há atendimento com psicólogos e assistentes sociais. Carvalho disse que a situação só não é pior porque neste ano choveu bastante no sertão, o que permitiu à população mais pobre da zona rural uma boa colheita de milho, aipim e feijão.
Por Gustavo Schmitt, na Revista Época

____________






Para saber mais, clique aqui


Para saber mais, clique aqui.


Coleção Greco-romana com 4 livros; saiba aqui


Coleção Educação e Folclore com 10 livros, saiba aqui


Coleção Educação e Democracia com 4 livros, saiba aqui



Coleção Educação e História com 4 livros, saiba mais


Para saber mais, clique aqui


Para saber mais, clique aqui. 




Para saber mais, clique aqui.