segunda-feira, 18 de maio de 2020

Caso Atvos traz suposto conflito no BNDES à tona



Disputa societária Presidente do conselho do banco é questionado

A disputa societária envolvendo a Atvos, empresa de açúcar e etanol criada pela Odebrecht, colocou um novo personagem no centro do debate sobre a companhia, que encontra-se em recuperação judicial com dívidas totais que somam R$ 15 bilhões. Nos últimos dias, ao se aproximar a assembleia de credores da Atvos, prevista para amanhã, sugiram questionamentos sobre possível conflito de interesses nesse caso por parte do presidente do conselho de administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o advogado Marcelo Serfaty, que refutou ao Valor a existência de qualquer irregularidade: “Me sinto indignado”, afirmou.

Além de presidir o conselho do BNDES, Serfaty é sócio da gestora de recursos G5 Private Equity. Outro sócio dessa empresa é a G5 Partners, consultoria que atua como assessora financeira do fundo americano Lone Star na recuperação judicial da Atvos. Lone Star e Odebrecht travam “batalha” judicial pelo controle da companhia, que tem o BNDES como um dos principais interessados, com créditos a receber de cerca de R$ 4 bilhões na recuperação judicial em curso.

Outro indício para se apontar um eventual conflito de interesses de Serfaty — além da sociedade na G5 — surge da agenda da diretoria do BNDES em 10 de fevereiro deste ano, quando o executivo ocupava o cargo de conselheiro do banco há mais de dois meses (ele foi eleito em assembleia em 20 de novembro de 2019). Na agenda daquele dia, o nome de Serfaty aparece em reunião com “G5 Partners” e com o superintendente da área de gestão de riscos do banco, Paulo Henrique Barbosa Pegas. Pegas é uma das pessoas que mais conhecem de Atvos no BNDES.

Serfaty disse que a G5 Partners é “mera acionista” da gestora de recursos na qual a consultoria entrou com duas finalidades: ajudar a captar recursos e dar suporte administrativo. Disse que a gestora tem nível de governança com padrão internacional e acrescentou: “Não participo de conselho ou diretoria de qualquer outra G5. Não conheço os mandatos da outra G 5 .” Serfaty afirmou que está dedicado ao BNDES e que acompanha alguns investimentos que fazem parte da G5 Private Equity.

A G5 Partners disse que Serfaty nunca representou a empresa perante qualquer órgão, entidade ou autoridade governamental, “especialmente no BNDES”. Afirmou que a participação do executivo se dá na área de venture capital, segmento da gestora focado na aquisição de fatias de empresas de médio porte, conforme informado ao Comitê de Elegibilidade do BNDES, e que Serfaty não tem qualquer relação com as atividades da G5 Partners. A Lone Star disse que nunca teve contato ou relacionamento com Serfaty. “A Lone Star contesta qualquer suspeita de conflito de interesses. Algumas das premissas observadas para a contratação da G5 Partners foram sua reputação e os rigorosos mecanismos de compliance com que conduz suas atividades”, disse o fundo.

Em nota, o BNDES disse que houve “erro” no registro de agenda do superintendente Pegas. O equívoco teria sido motivado pelo fato de Serfaty usar, em alguns casos, o e-mail da G5 nas comunicações com o banco, daí que o nome da consultoria tenha aparecido na reunião. Mas ele garante que não tratou de temas da G5 ou da Atvos. O objetivo do encontro foi entender a estrutura de risco e de compliance do banco, disse Serfaty.

O BNDES acrescentou que também participaram da reunião o diretor de compliance e riscos do banco, Claudenir Brito, e o superintendente Carlos Frederico Rangel, responsável pelo compliance. Fontes do banco dizem que, apesar de não entender as razões para a agenda de Serfaty em 10 de fevereiro, o executivo não atua nas discussões de Atvos, nem faz parte do dia a dia do caso.

“Minhas reuniões são sempre com os diretores e com os técnicos que eles acharem que devem participar. Não faço reunião isolada com funcionário do banco, não tem cabimento”, disse Serfaty. Em fevereiro, a Atvos estava reelaborando seu plano de recuperação judicial depois de o BNDES exigir, na metade de janeiro, que a Odebrecht saísse do controle da companhia. O novo plano, prevendo a saída do conglomerado em até dois anos, foi protocolado no processo de recuperação em 1º de abril deste ano (ver matéria abaixo)

Levantamento nas agendas do banco mostra que Serfaty teve duas reuniões com a diretoria do BNDES depois de ser eleito para o conselho: a de 10 de fevereiro e outra em 6 de fevereiro. Nessa data consta: “videoconferência com G5 Partners ”, com participações de Serfaty e do superintendente Carlos Frederico Rangel, do compliance. Entre outubro e novembro de 2019, antes de entrar para o conselho, Serfaty também aparece, como representante da G5, em outras agendas do banco: com o presidente, Gustavo Montezano, com o diretor de infraestrutura, Fábio Abrahão, e com o superintendente Paulo Henrique Barbosa Pegas.

Naquela ocasião, Serfaty havia sido indicado para o conselho do BNDES aonde chegaria depois de ficar cerca de seis meses no conselho de administração do Banco do Brasil. As reuniões com Montezano e Abrahão se deram no contexto da indicação para o conselho. “Foi para entender as áreas do banco”, disse. Segundo o BNDES, o conselheiro, uma vez eleito, passa a fazer parte do “Sistema BNDES” e há reuniões internas, sem necessidade de oficializar os encontros na agenda pública da diretoria. O banco insistiu que a agenda do superintendente Pegas de 10 de fevereiro deste ano foi um “erro”.

Até chegar ao BNDES, Serfaty havia enfrentando oposição dos funcionários do Banco do Brasil, que tentaram barrar sua indicação e de outros nomes para o conselho do BB, alegando conflitos de interesses. A Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb) enviou ofícios sobre o tema aos órgãos de controle, ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), instância em que ainda há um processo de análise de informações em curso. Serfaty disse, porém, que o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou em acórdão considerando “improcedente” a denúncia sobre possíveis irregularidades na nomeação para o conselho do BB.

No BNDES, a associação de funcionários (AFBNDES) enviou pedido de informações à área jurídica do banco sobre Serafty depois da indicação do executivo ao conselho, em 2019, mas não obteve respostas. Mais recentemente, surgiram informações que Serfaty estaria tentando “abrandar ” regras sobre conflito de interesses nas indicações de novos conselheiros, o que ele também nega. A discussão está em ata da reunião do conselho do banco de 13 de abril, quando se discutiu a renúncia de um conselheiro. Serfaty pediu a dois conselheiros com experiência em governança — Heloísa Bedicks e João Laudo de Camargo — para revisitarem normativos e proporem ajustes sobre o tema ao colegiado.

Disputa por controle determinará votação de plano

A briga pelo controle da Atvos Agroindustrial — que se transformou em uma guerra jurídica entre o conglomerado brasileiro Odebrecht e o fundo americano Lone Star para garantir quem tem o registro de controlador da empresa — é uma disputa sobre qual plano de recuperação judicial será votado na assembleia de credores, marcada para amanhã (dia 19).

Desde que o fundo comprou o controle da sucroalcooleira — a partir de uma garantia executada pelo banco Natixis, que servia como agente de garantias de bancos estrangeiros credores da holding —, as negociações para um plano que acomodasse o interesse do fundo e de outros credores não avançaram.

Segundo uma fonte a par das negociações, o Lone Star quer que uma parcela “bem maior” da dívida da Atvos seja transformada em debêntures com participação nos lucros — que, pelo plano da Odebrecht, seria de 50%, ou R$ 6 bilhões. O fundo diz que essa dívida seria muito elevada para uma empresa exposta à crise da covid-19, por ser altamente dependente do mercado de etanol.

O Lone Star ainda garante aos credores que instituições com quem tem contato estariam dispostas a prover liquidez à Atvos, mantendo sua operação. Mas alguns credores, como o Banco do Brasil, consideram que reduzir a dívida da Atvos ainda mais é desvantajoso, já que as debêntures não darão retorno logo.

Por enquanto, o plano sobre a mesa é o da Odebrecht, que não mudou desde a última assembleia. O grupo tenta correr para garantir a aprovação, argumentando que o caixa da Atvos está se esvaindo. A empresa já postergou pagamentos de R$ 100 milhões a fornecedores.

Ante a disputa societária, que ainda pode tomar novos rumos, uma fonte do BNDES disse que o banco e outros credores “estão no escuro”. Apostando nessa insegurança, a Lone Star pediu a suspensão da assembleia, mas ontem o juiz da recuperação, João de Oliveira Rodrigues Filho, negou o pedido. Mas, se a Lone Star conseguir assumir o controle da Atvos judicialmente até amanhã, a assembleia deverá ser suspensa e as negociações, reiniciadas.

Para tentar impedir que o plano da Odebrecht vingue, o Lone Star já entrara com uma ação no último dia 13 pedindo uma liminar de busca e a apreensão dos livros societários da Atvos Agroindustrial. Assim, o fundo poderia anotar a transferência das ações, hoje em nome da Atvos Investimentos (que é controlada pela Odebrecht e que não está em recuperação judicial).

Na sexta-feira, a Atvos Agroindustrial pediu que a Justiça indefira o pedido. E, ontem, o fundo reforçou sua posição, afirmando que a própria Odebrecht teria reconhecido nos autos que não é preciso mais documentos para reconhecer a legalidade da alienação fiduciária sobre o controle da companhia. Até então, a juíza Paula da Rocha e Silva Formoso não tomou nenhuma decisão.

Paralelamente, a Atvos Investimentos abriu outra ação pedindo uma liminar para suspender a execução da garantia do controle e sua venda ao Lone Star. A companhia oferecia em caução US$ 5 milhões — valor que o fundo pagou pelo controle. No pedido, argumentava que poderia não dar tempo para a instalação de tribunal arbitral.

Na sexta-feira, o juiz desse processo, Luis Felipe Ferrari Bedendi, deu prazo até sexta-feira para que as partes se manifestem. Assim, uma decisão sobre a suspensão da compra pelo Lone Star pode ficar para depois da assembleia.

Por Francisco Góes e Camila Souza Ramos, no Valor Econômico
Fonte: Empresas. *Hibernada.