quinta-feira, 14 de maio de 2020

Maior PPP do país fica perto de um colapso


A concessão do Porto Maravilha, maior parceria público-privada (PPP) já firmada no Brasil e aposta bilionária para revitalizar a zona portuária do Rio de Janeiro, está ruindo. Para financiar o projeto de recuperação urbana, a prefeitura emitiu 6,43 milhões de títulos de potencial construtivo acima dos gabaritos municipais — conhecidos como Cepacs no jargão do mercado imobiliário. Eles foram adquiridos por um fundo de investimento, constituído e administrado pela Caixa, que fez desembolsos de R$ 5 bilhões em recursos do FGTS para remunerar a concessionária.

Dez anos depois de assinado o contrato, a sustentabilidade da PPP está em xeque. Auditoria recém- concluída pelo Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que menos de 17% dos Cepacs no fundo gerido pela Caixa foram revendidos. O fluxo de caixa do projeto previa a comercialização de todos os certificados até 2020.

Sem demanda, como consequência do tombo no mercado imobiliário do Rio, não há liquidez para pagar a concessionária — uma sociedade entre Carioca Engenharia, Odebrecht e OAS.

Na sexta-feira, a concessionária Porto Novo informou que deixará de operar os túneis Marcello Alencar e Rio 450 no dia 5 de junho, se não houver solução para sua falta de pagamento. Em setembro de 2019, após mais de um ano sem repasses à Porto Novo, houve acordo entre concessionária e Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio (Cdurp) para operação dos túneis e sinalização do trânsito por oito meses. Já a Caixa se comprometeu a comercializar títulos e injetar liquidez no fundo responsável pelos pagamentos.

O Valor apurou que não houve venda de Cepacs durante a vigência do acordo e não há previsão de aportes financeiros. Isso agrava a situação. Desde 2018, outros serviços previstos no contrato — coleta de lixo, conservação e manutenção de áreas verdes, praças, de iluminação pública e calçadas — já haviam sido devolvidos à prefeitura.

De estrela do pré-sal e sede de grandes eventos esportivos, como a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, o Rio tem amargado queda no valor do metro quadrado de terrenos e edifícios. A Caixa, como gestora do FII PM, calculava repassar R$ 8 bilhões em 15 anos como fruto da revenda dos 6,43 bilhões de Cepacs. Até hoje, comercializou 1,05 milhão de títulos. Empresas como L’Oreal, Icatu e Bradesco Seguros se instalaram na região, mas houve frustração das projeções.

Na avaliação do TCU, a crise econômica e imobiliária explica apenas parte dos problemas. De acordo com o ministro do tribunal de contas Benjamin Zymler, o relatório de oportunidade de investimento feito pela Caixa na época do contrato “contém diversas premissas extremamente otimistas que conduziram à conclusão pela lucratividade do aporte [...] e destoam da prudência que se exige dos gestores públicos na tomada de decisões”.

Um exemplo dado por Zymler: para garantir a atratividade do negócio, o Cepac emitido pela prefeitura teria que ter seu valor dobrado em 2013, quadruplicado em 2015 e sextuplicado em 2021 — como reflexo da alta procura do mercado imobiliário.

O valor unitário dos certificados de potencial construtivo era de R$ 1.242 em 2010. O retorno positivo, para fins de apuração da rentabilidade, ocorreria com a revenda dos Cepacs por preço superior a esse custo. Hoje estariam valendo em torno de R$ 455, segundo o relatório do TCU.

A unidade técnica do tribunal incluiu, no documento, menção às colaborações premiadas dos ex-vice-presidentes da Caixa Fábio Cleto e Roberto Madoglio no âmbito da Operação Lava-Jato.

Eles afirmaram ter “segurado” os aportes da Caixa até que fossem negociados os termos do pagamento de propina, no valor de 1,5% do desembolso inicial de R$ 3,5 bilhões, pelas empreiteiras que fariam as intervenções em melhorias da infraestrutura portuária. O órgão de controle determinou a identificação dos responsáveis pelo investimento da Caixa e remissão, ao gabinete do relator Benjamin Zymler, de proposta de oitiva.

Procurada pelo Valor , a Caixa não respondeu as perguntas encaminhadas por e-mail. A concessionária Porto Novo informou que não integra o processo do TCU e não conhece seu conteúdo, mas ressaltou sua avaliação de que o Porto Maravilha “é um projeto bem sucedido”. Ela mencionou “iniciativas de elevado investimento na área, como o AquaRio e a Rio Star, assim como o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio”.

Segundo a concessionária, o fluxo financeiro com a venda de Cepacs do FII PM “se mostra insuficiente para honrar os compromissos necessários ao contrato de PPP, bem como finalizar a execução de obras originalmente previstas.

Em nota, a Cdurp disse que negociações para manter os repasses financeiros à concessionária ainda estão em curso. A companhia garantiu que, se não houver entendimento entre as partes, assumirá a operação e manutenção dos túneis a partir de 5 de junho.


Por Daniel Rittner, no Valor Econômico



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