terça-feira, 5 de maio de 2020

GRANDE CONFINAMENTO - NO OLHO DO FURACÃO



Economista-chefe do fundo fala a ÉPOCA sobre como pretende ajudar a salvar o mundo da maior crise econômica desde a Grande Depressão

O estudo do funcionamento da economia e a área do conhecimento dedicada a entender os tremores da Terra têm, pelo menos, um ponto em comum. Assim como os sismólogos aprendem mais com um terremoto de alta magnitude do que com vários pequenos, os economistas também extraem mais informações de grandes crises. Não existe a menor dúvida que o período pós-Covid-19 será marcado por uma avalanche de publicações sobre o Great Lockdown (Grande Confinamento), expressão já criada para a freada da economia mundial que estamos testemunhando.

Se ainda desse aulas de economia na Universidade Harvard, é provável que a indiana Gita Gopinath, de 48 anos, estivesse empenhada em uma dessas pesquisas de médio e longo prazo. Como chefe do departamento de economia do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gopinath não tem todo esse tempo. À frente da área econômica da instituição tida como a “emprestadora de última instância”, ela corre para evitar o que muitos acreditam que será a pior crise financeira em quase 100 anos.

Em entrevista exclusiva a ÉPOCA, Gopinath afirmou que o Grande Confinamento é uma crise inédita. O mundo nunca viu uma parada tão grande. “Isso quer dizer que dados históricos não são uma boa bússola para ver o que vem pela frente”, disse ela. “É um desafio descomunal prever como as economias serão impactadas e quais deverão ser as políticas mais apropriadas para responder às necessidades”, completou. Gopinath disse que a saída tem sido tentar “pensar fora da caixa”, o que inclui trabalhar de forma integrada com epidemiologistas e especialistas em saúde pública.

Pelo menos até agora, ela não pode ser acusada de estar dourando a pílula. Em meados de abril, o FMI, num relatório, previu que a recessão mundial provocada pela Covid-19 será a pior desde a Grande Depressão. “A atividade econômica global, atingida pela pandemia do novo coronavírus, poderá não se recuperar totalmente até o final de 2021”, diz o texto.

A corrida de governos ao FMI desde o estouro da crise de saúde pública dá uma ideia do que está por vir. De seus 189 países-membros, 104 já pediram algum tipo de ajuda. A instituição já mobilizou US$ 1 trilhão em empréstimos, o que equivale a 18 vezes o socorro que deu à Argentina em 2018, sua maior operação de resgate. A estimativa é que precise de muito mais — no mínimo, de US$ 2,5 trilhões. Há pouco mais de um mês, muitos economistas acreditavam que a parada provocada pelo novo coronavírus seria curta e, uma vez passado o perigo, a economia seria religada sem grandes estragos. À medida que foi ficando claro que as quarentenas seriam mais longas para evitar o colapso do sistema de saúde, as previsões de uma volta imediata foram trocadas por cenários em que empresas abrem parcialmente para, mais à frente, terem de voltar a fechar as portas. O resultado é uma conta maior para os governos que lançam pacotes de socorro a seus cidadãos e empresas, o que tem como efeito colateral mais endividamento e dificuldade de honrar os pagamentos a credores.

Na entrevista por escrito a ÉPOCA, Gopinath disse discordar “veementemente” de quem tem criticado a atuação do FMI — a principal acusação é que a instituição tem feito muitas previsões, mas indicado poucos remédios para a economia. “Nossas publicações têm apresentado conselhos e soluções pormenorizados. Elaboramos passos sobre como lidar com a crise na área da saúde, como ajudar os trabalhadores, lares, firmas e qual deve ser o papel das políticas monetária e fiscal”, disse ela, que também destacou a “rápida” ajuda financeira que está sendo dada e as iniciativas de perdão de dívidas para os países mais pobres.

Para Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), até agora o FMI não demonstrou estar à altura dos desafios. “A atuação do Fundo tem sido muito tímida e desapontadora”, disse. “Esta crise tem um paradoxo: é uma crise global, mas ela não vem sendo tratada de forma multilateral”, complementou. Langoni lembrou que os Estados Unidos estão, há algum tempo, impedindo um aumento de capital da instituição, o que reduz seu fôlego financeiro. Mas há também economistas de renome que reconhecem o esforço de Gopinath e o papel do FMI. “O FMI é o maior repositório sobre crises econômicas, tem informações técnicas relevantes sobre diversas situações, inclusive causadas por crises de saúde pública severas, como o ebola”, afirmou Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, professora da Universidade Johns Hopkins e colunista de ÉPOCA. “Neste sentido, vejo Gita Gopinath com uma comunicação diferente de seus recentes antecessores, com uma fala direta, mais incisiva, menos técnica, fundamental em um momento como este.”

Para sua equipe, Gopinath tem demonstrado que não está apenas preocupada com números. Em uma videoconferência para funcionários do FMI no final de abril, ela lembrou que “os tempos são desafiadores para todos”. Ao tratar do trabalho remoto, afirmou que isso poderia ser pesado para os que têm filhos em casa, em uma mensagem inspiradora. Quem está há muitos anos na instituição ficou surpreso com a intervenção. Economistas-chefes do fundo, sempre focados em contas na casa dos trilhões, recessões e desafios globais, não tinham o costume de falar sobre temas domésticos.

Criada em Calcutá, na Índia, Gopinath é de uma família de classe média ligada ao setor agrícola. Seu pai utilizava verduras e frutas para ensinar a ela conceitos matemáticos. Depois de quase seguir uma carreira no atletismo, optou por estudar economia, formando-se na Universidade de Délhi, em 1992, onde também fez mestrado. Já nos Estados Unidos, fez um novo mestrado, na Universidade de Washington, em 1996, e, cinco anos depois, concluiu o doutorado em Princeton. Mais tarde, se mudaria para a região de Boston para dar aulas em Harvard, com interesse nas áreas de câmbio, comércio, investimentos, crises financeiras, políticas monetárias e mercados emergentes.

Desde que chegou ao FMI, no ano passado, como a primeira mulher a ocupar o posto de economista-chefe, Gopinath vinha trabalhando em Washington de segunda-feira a sexta-feira e voando para Boston nos finais de semana para ficar com o marido, Iqbal Singh Dhaliwal, diretor do Laboratório de Ação contra a Pobreza Abdul Latif Jameel, no Departamento de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o filho adolescente e o cachorro Oreo. Com o novo coronavírus, tudo mudou. “Acho que o lado positivo desta crise é que estou trabalhando de casa”, disse Gopinath a ÉPOCA.

Por Henrique Gomes Batista, na Revista Época





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