sexta-feira, 22 de maio de 2020

ENTREVISTA - 11 PERGUNTAS PARA ALBERTI


Professora de história da medicina na Universidade de York fala sobre o impacto da reclusão em nossos sentimentos e de onde vem a dificuldade em ficar sozinho

1. Pascal, no século XVII, disse que todos os problemas da humanidade decorrem da incapacidade de o homem ficar sozinho em tranquilidade no próprio quarto. Hoje, muitos dos problemas de nossa sociedade parecem se relacionar a essa dificuldade. Por que é tão difícil ficar quieto e sozinho?

No Ocidente moderno, nós não somos muito bons em ficar quietos. Costumamos priorizar a extroversão e a sociabilidade, em vez da introspecção e do tempo. Há uma tendência cultural de ser rápido e fazer coisas, assim é o ritmo do capitalismo moderno. É muito interessante que agora as pessoas precisem aprender a desacelerar. Quem tem se saído melhor são aqueles que já eram introvertidos e estavam acostumados a ficar sozinhos. Na crise atual, é muito significativo como a solidão funciona de modo diferente entre pessoas e povos.

2. A solidão nem sempre é a mesma, é?

Não, fala-se da solidão como um problema, mas não existe “a” solidão. Eu a descrevo como um agrupamento de tipos muito diferentes de emoções. Pode haver ciúmes e ressentimentos, ou tristeza e luto, e varia muito. Uma mãe solteira que cuida de seis filhos com pouco dinheiro tem um tipo diferente de solidão e de anseio por uma companhia adulta do que um adolescente sem amigos na vida real, mas com muitos amigos na internet.

3. Que emoções predominam no atual momento?

Há muito medo, que tende a ser dominante. Isso se deve à situação vivida. Nossa sociedade está acostumada a pensar de maneira muito individual, e agora se pede que ela pense de forma muito coletiva. Mesmo se não estivermos em risco, temos de pensar em outros, nos profissionais da saúde, nos idosos e nos mais vulneráveis. É muito difícil que isso não seja acompanhado por medo, pois há um pedido que normalmente as pessoas não recebem. Há também muita angústia e muita dor por causa dos entes queridos.

4. A solidão é um fenômeno exclusivamente moderno?

Eu trabalho com fontes em inglês. Nelas, por volta de 1800, a palavra “solidão” (loneliness) começa a ser usada para descrever um tipo novo de sentimento. Com a industrialização, a vida coletiva e a crença religiosa perdem força, em favor de uma sociedade muito competitiva, cada vez mais consumista, na qual as pessoas são julgadas não mais pelo que são, mas sim pelo que fazem. Antes de 1800, havia outra palavra, “oneliness”, que não significa um estado de tristeza, mas apenas estar sozinho. O tremendo aumento no uso das palavras “solidão” e “solitário” coincide com uma sociedade muito mais fragmentada e focada no individualismo.

5. Antes da Covid-19, dizia-se haver uma epidemia de solidão no Reino Unido, e um Ministério da Solidão chegou a ser criado. Qual é a diferença entre aquela epidemia e a da Covid-19?

A linguagem faz diferença sobre como será o impacto da solidão. Se falarmos dela como uma epidemia, as pessoas temem ficar solitárias, porque uma epidemia é sempre ruim. Isso desconsidera que, às vezes, a solidão pode ser boa, positiva e se ligar à criatividade, como à escrita. Uma epidemia real é algo muito diferente. É verdade, porém, que os mais solitários e mais vulneráveis são os que mais correm riscos com a Covid-19.

6. O que determina se uma pessoa vai experimentar a solidão como algo bom ou horrível?

Isso depende de quem você é, e se está vulnerável. Algumas pessoas gostam de ficar sozinhas. Outras, especialmente se estão desprovidas ou doentes, se trabalham e arriscam sua vida, enfrentam estresses adicionais. A Covid-19 exacerba as tensões existentes. Como nos sentimos agora depende da qualidade de nossas relações anteriores.

7. A seu ver, quais serão os efeitos do isolamento social em uma escala tão grande?

Muitas coisas são novas nesta pandemia, incluindo sua escala globalizada. Há coisas muito interessantes acontecendo e também coisas devastadoras, e muito pode mudar. Por exemplo, pode haver uma ascensão do trabalho pela internet, o que impõe organizarmos nossas prioridades de modo diferente. Mas não sei se de fato virão grandes mudanças, porque temos o hábito de voltar atrás e cair em velhos hábitos.

8. As epidemias podem, de alguma forma, nos aproximar como sociedade?

Sim, porque, por um período curto, estamos todos unidos pela mesma coisa. Isso não significa que somos afetados do mesmo jeito, a riqueza pode permitir ter segurança no isolamento. Mas há uma linguagem em comum, mesmo se for a do medo. É um reconhecimento de que todos somos suscetíveis às mudanças em andamento e a estarmos sozinhos. E temos então visto algo bastante incomum. Não sei no Brasil, mas no Reino Unido e em vários países houve um verdadeiro encontro das comunidades. As pessoas estão agindo para fazer coisas que os governos não fazem, cuidando umas das outras e vigiando os idosos.

9. A separação física e a separação emocional são a mesma coisa?

Não, podemos estar juntos de uma pessoa, mesmo distantes. Há limitações, de fato. Em uma interação virtual, você não recebe as experiências sensoriais, não sente o perfume, nem pode tocar na pessoa. Fica mais difícil, por exemplo, começar um novo relacionamento. Mas, quanto a relações já estabelecidas, elas dizem respeito a memórias compartilhadas, a uma história em comum. Se isso tivesse acontecido há dez anos, quando as pessoas não dispunham de mídias sociais, elas se sentiriam muito piores. A questão é como fazer as mídias sociais funcionarem a nosso favor.

10. As pessoas estão perdendo seus entes queridos. Existe um tipo específico de solidão ligada à morte?

Sim, há um tipo específico de solidão em torno do luto. Quando perdemos alguém que amamos, é a perda daquela pessoa que traz tristeza. Não se trata de perder qualquer um. Assim como, quando estamos sozinhos, queremos estar perto de um tipo específico de amigo ou de pessoa, uma sala cheia pode nos deixar mais solitários. O difícil então é perder aquela pessoa específica. E há outra coisa muito dura agora: a interrupção dos ritos fúnebres tradicionais. Não se pode cumprir com algo que era garantido para lidar com a dor.

11. Entre famílias ou colegas de apartamento, a pandemia pode criar algum tipo de saudade da solidão? Como criar esses espaços?

Há pessoas que falam em encontrar maneiras de ficarem sozinhas em sua cabeça. Pode ser reservar um tempo para tomar banho, ou dar um passeio solitário, ou pôr fones e ouvir música. Não são substitutos ideais, mas são formas de criar paisagens internas onde se possa encontrar paz. E, mais uma vez, isso tudo tem a ver com classe social. A capacidade de ler livros não é de fato útil para quem está muito em desvantagem socialmente. Mas, para a maioria das pessoas que são capazes de ter acesso a livros e música, pode haver uma mudança de atenção e humor que ajude.

Revista Época






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