quarta-feira, 10 de maio de 2017

Na AGU, o centro da fogueira de vaidades


AGU atrapalha Lava-Jato, diz procurador
Acordos de leniência com empresas envolvidas em grandes casos de corrupção não devem ser negociados por órgãos de governo, onde a influência política compromete sensivelmente a independência necessária para a celebração desse tipo de instrumento. No caso específico da Lava-Jato, a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) estaria prejudicando as investigações.
Quem afirma é o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Ele avalia que os interesses políticos do governo sacrificam os esforços para a obtenção de novas provas no momento em que a AGU insiste em processar empreiteiras que já assinaram acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF).
Na avaliação do procurador, somente o MPF detém a independência necessária para assinar leniência. Por essa razão, ele defende que o acordo com o Ministério Público deve prevalecer sobre os demais. Além do MPF, o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) negociam com as empresas da Lava-Jato.
"Em casos simples, os acordos poderiam ser complementares. Mas na Lava-Jato, como o noticiário nos revela a cada dia, somente um órgão com independência pode encaminhar acordos complexos que envolvem crimes e improbidades administrativas. E o único órgão com visão orgânica de todos os aspectos dessa criminalidade é o Ministério Público", disse o procurador ao Valor.
A força-tarefa endurece o discurso contra os órgãos federais à medida em que novas ações de improbidade vão sendo ajuizadas. No final do mês passado, a AGU pediu a devolução de R$ 11 bilhões a várias empresas da Lava-Jato. A ação se somou a outras cinco, totalizando mais de R$ 40 bilhões em ressarcimento. As empresas que assinaram leniência com o MPF - Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez - alegam que a execução das ações pode resultar em falência.
"Temos que fazer valer no Judiciário o entendimento que o Estado brasileiro é único e não pode se comportar como um ente esquizofrênico, com múltiplas personalidades, umas buscando o interesse público e outras defendendo interesses político-partidários", disse o procurador. "Assim, reitero que a representação do Estado brasileiro em uma situação de corrupção política sistêmica só pode ser feita pelo Ministério Público", completou.
Empresas que negociam acordo de leniência têm como objetivo principal a retomada de suas operações com o poder público, seja participando de Licitações ou tomando empréstimo em bancos federais. O problema é que os acordos assinados com o MPF não foram suficientes para a obtenção da "ficha limpa", obrigando as empresas a se acertarem também com o governo.
Enquanto a CGU busca ressarcir o dano aos cofres públicos, o MPF prioriza a produção de provas de novos crimes. A diferença de interesses prejudica a troca de informações. "A revelação de fatos, especialmente daqueles que envolvem os próprios políticos que estão no governo, ou que dão suporte a esse governo, não pode ser feita a órgãos que não possuam independência", sustenta o procurador da Lava-Jato.
"Pelo menos enquanto houver interesse investigativo, especialmente do Supremo Tribunal Federal, não é possível o compartilhamento de documentos. A representação adequada do Estado brasileiro é realizada pelo Ministério Público Federal, pois ele defende o interesse primário da União, enquanto os demais órgãos defendem apenas o interesse secundário desta", completou.
Outro ponto de atrito entre o MPF e os órgãos do Executivo trata dos valores a serem cobrados. Integrantes do governo alegam que os procuradores não adotam nenhum critério para o cálculo dos valores. "Eles estão preocupados com a gorjeta do garçom, mas somos nós que vamos cobrar a conta do restaurante", compara uma autoridade da CGU que pediu anonimato.
Segundo o procurador, existem várias formas de se chegar à quantia que deverá ser cobrada no acordo de leniência. Carlos Fernando cita métodos adotados pelo governo dos Estados Unidos e pela OCDE, mas conta que a LavaJato considerou principalmente o tamanho da empresa, a capacidade de pagamento e o "timing" das confissões.
Ele argumenta que é o próprio acordo de leniência e os fatos dele decorrentes que vão ajudar o MPF a determinar um valor justo a ser cobrado das empresas. "Não há como estabelecer qualquer parâmetro a priori", explicou.
Em uma reunião recente, o ministro da Transparência, Torquato Jardim, chegou a sugerir que o MPF adotasse o cálculo da CGU ou que pelo menos fosse criada uma metodologia em conjunto, mas a ideia não prosperou.
"Acompanhamos com interesse o desenvolvimento de uma metodologia pela CGU. Infelizmente, os esforços desse órgão esbarram em discussões com o TCU e AGU, o que até agora os fez ficar bloqueados na condução de acordos de leniência. Não cabe ao Ministério Público Federal discutir os méritos das posições de cada um desses órgãos, mesmo porque o seu acordo é independente e se sobrepõe aos demais", afirmou o procurador.

Por Murillo Camarotto, no Valor Econômico




Para saber mais sobre o livro, clique aqui.


___________________________

Para saber mais sobre o livro, clique aqui.