segunda-feira, 29 de maio de 2017

Como colocar um bilionário na cadeia? Os americanos sabem

Espírito animal: morar em apê na Quinta Avenida não vai evitar cair no laço dos cowboys da Justiça americana (//iStock)
Alô, malditos da Blessed. Ter um promotor federal da Justiça dos Estados Unidos no pé é pior que cerveja quente e boi doente. Quanto às suas mulheres…
Jatinho no hangar, apartamento na Quinta Avenida? Uma porcaria de indenização e a transposição de bens para uma feitiçaria financeira chamada Blessed Holdings?  E ainda rindo da nossa cara?
Seus caríssimos e competentíssimos advogados já devem ter avisado que os Estados Unidos não são um refúgio seguro. Com certeza estão se movimentando a milhares de dólares por hora.  Como o dinheiro teve origem nos nossos bolsos, isso é um detalhe.
Mas dá um certo prazer relembrar os bilionários americanos que foram para a cadeia por crimes comparativamente insignificantes diante do que os reis do gado fizeram, não só no Brasil como nos Estados Unidos.
E tem alguns americanos bastante aborrecidos ao descobrir que o ataque ao mercado da carne feito pelos irmãos açougueiros foi com montanhas de dinheiro – nosso, só para lembrar – obtido em troca de propinas.
É o tipo da coisa que desperta o espirito animal dos gringos. Falando à Bloomberg, o diretor de um grupo pecuarista de Montana, Bill Bullard, explicou direitinho os motivos:  “Não apenas a JBS fez as aquisições com empréstimos obtidos através de propinas como invadiu o mercado americano e tirou da competição investidores americanos potencialmente interessados nesses ativos”.
DEUSA DA COZINHA
É também o tipo da coisa que põe promotor federal na linha. E promotores federais americanos  têm uma certa tendência a colocar bilionários flagrados em ilegalidades no sistema prisional.
Às vezes, até com um certo exagero. O caso de Martha Stewart é um exemplo. Ela estava no auge de seu império de produtos para casa e cozinha, ancorado em dois populares programas de televisão.
A deusa de todas as coisas domésticas foi acusada de receber informação privilegiada de seu gerente de investimentos. Mandou vender uma mixaria de 200 mil dólares em ações de uma empresa enrolada. Evitou uma perda de 45 mil dólares, mas acabou condenada, em 2004, a nove meses em regime fechado e dois anos de monitoração, dos quais cinco meses com tornozeleira eletrônica.
O promotor do caso foi Preet Bharara, que infundiu o terror durante seu período à frente da Promotoria Federal do Distrito Sul de Nova York. Processou mais de 100 pessoas do mercado financeiro, muitas vezes com um ânimo considerado agressivo demais.
O caso mais estrondoso de Bharara, que é indiano naturalizado, da religião sikh, foi contra Raj Rajatranam, criador de um fundo de investimentos chamado Galleon Group. O bilionário, nascido no Sri Lanka, cumpre desde 2011 pena de onze anos de prisão por diversos crimes financeiros. As multas passaram de 150 milhões de dólares. o Galleon Group foi a pique.
O PAI, O GENRO, O SOGRO
Como os promotores federais são nomeados pelo presidente, Bharara teve que sair depois da eleição de Donald Trump. Mas tem uma carreira política promissora no Partido Democrata pela frente, como é bastante comum.
O atual governador de Nova Jersey, Chris Christie, foi o promotor que colocou na cadeia o pai de Jared Kushner, o genro de Trump atualmente assessor do sogro. Charles Kushner – fortuna de 1,8 bi – pegou dois anos por doações ilegais de campanha, evasão fiscal e intimidação criminal do cunhado, que estava cooperando com a justiça contra ele (contratou uma prostituta para atraí-lo, gravou o encontro e mostrou a gravação para a irmã).
O sogro de Chelsea Clinton, que provavelmente por interferência divina não retomou o lugar de primeira filha, também já se lascou todo. Ed Mezvinsky estudou direito e ciências políticas e fez carreira no Partido Democrata como defensor dos direitos do consumidor.
Tentou ser promotor e senador. Acabou eleito deputado por Iowa. Fez trambiques espetaculares, usando um esquema tipo pirâmide para capturar 10 milhões de dólares em investimentos podres. Ele e a mulher, que também foi deputada, eram muito amigos e financiadores do casal Clinton.
Mezvinsky alegou sofrer de doença bipolar quando foi pego com a mão na roubalheira. Não colou. Cumpriu cinco anos de regime fechado. Saiu em 2008, ainda enrolado no pagamento dos ressarcimentos às vítimas de seus trambiques.
RICÕES EM CANA
O caso que virou um marco da Justiça americana na punição de bilionários criminosos foi o de Michael Milken, que veio à tona no fim dos anos 80. Ele foi o  gênio dos investimentos  que praticamente inventou o mercado dos títulos de alto risco – ou podres.
Energizou o mercado, mas também cometeu uma lista de delitos financeiros de impressionar até em outras latitudes. Fez um acordo de leniência para pegar apenas dez anos de prisão e multa de 600 milhões de dólares. Comutou a pena em dois anos por colaborar com a justiça, entregando outros gigantes do mercado financeiro. É mais ou menos a história contada no filme O Lobo de Wall Street.
A justiça americana praticamente inventou o conceito de acordo de leniência em todas as esferas criminais. Também desenvolveu vários sistemas para pegar políticos, poderosos e bilionários, inclusive com a criação de ”penitenciárias de colarinho branco”.
Sem risco de convívio com criminosos violentos, que além das pressões habituais podem chantagear os bilionários, e em instalações corretas, embora espartanas se comparadas a apartamentos de 20 milhões de dólares na Quinta Avenida, fica mais fácil mandar os ricões para a cana dura.
CRÁPULAS SEM BANDEIRAS
Num trabalho extraordinário, policiais federais, promotores e juízes brasileiros também estão desenvolvendo métodos efetivos que recolheram para o regime fechado nomes do mais alto escalão – e do baixo calão, cada vez que nos lembramos deles.
Esta nova realidade é praticamente a única coisa que nos dá algum alento diante do nojo, da humilhação e da raiva em que fomos jogados pela asquerosa traição dos mais conhecidos políticos do Brasil.
Só para ficar na última eleição: mais de 51 brasileiros confiaram seus votos a um dos traidores; 54,5 milhões votaram na outra. Os dois integrantes da Crápulas Sem Bandeiras, a dos políticos criminosos independentemente da estirpe partidária, não vão se safar se depender da honestidade e da eficiência dos bons integrantes do Judiciário brasileiro.
Será que os promotores americanos vão deixar os colegas brasileiros passar à frente deles? Será que uma competição virtuosa para ver quem coloca mais crápulas na cadeia não vai atiçar os ânimos deles?
Os americanos já partem de um terreno muito vantajoso: sabem tudo. Inclusive exatamente qual é a composição da Blessed. Os sócios ocultos podem fugir, mas não podem se esconder.
Por Vilma Gryzinski, na Veja.com




______________



17 de fevereiro de 1.600 é uma data fatídica. Neste dia, um herege foi executado no Campo das Flores, em Roma. Giordano Bruno foi aprisionado, torturado e, após dois julgamentos, condenado a morrer na fogueira do Santo Ofício. Seu crime? Acreditar na ideia de que o universo é infinito, de que ao redor de cada estrela gravitam planetas, e na concepção de que cada planeta irradia vida.

Ex monge dominicano, nos oito anos em que padeceu na prisão se submeteu a todo tipo de violência e opressão para que se retratasse, renegando suas convicções. O brutalizaram em vão. A congregação católica não logrou o êxito que obteria, poucos anos depois, com Galileu Galilei. Este, para não morrer na fogueira, teve que, de joelhos, abjurar toda a sua consistente obra científica e filosófica.

A ortodoxia da Igreja Católica de então concebia a terra como um planeta único no universo, resultado da intervenção direta de Deus. Um axioma que – em hipótese alguma – poderia ser questionado.

Mas, Giordano Bruno descortinou, antes da invenção do telescópio, a infinitude do universo. E que na imensidão do cosmos, existia não um, mas um número infinito de planetas. Sendo assim – questionaram os guardiões da fé – “cada planeta teria o seu próprio Jesus? Heresia! Blasfêmia! Sacrilégio! ”.

Suas ideias, formulações e livros foram proibidos, incinerados e incluídos no Index Librorum Prohibitorum, o Índice dos Livros Proibidos. 

Num ato de misericórdia, os condenados, antes de arderem no fogo da santa fogueira, eram estrangulados e mortos. Mas com Giordano Bruno foi diferente. Suas formulações representavam uma ameaça de tal dimensão aos alicerces da doutrina católica que a sentença estabeleceu que morresse diretamente em decorrência das chamas, línguas de fogo e labaredas originárias da fogueira. Seu pecado? Declarar que a terra não era o único planeta criado por Deus.

Este é o esteio de onde emerge a peça teatral “Giordano Bruno, a fogueira que incendeia é a mesma que ilumina”.

A trama se desenrola no intervalo entre a condenação do filósofo italiano e a aplicação da pena de morte. A ficção contextualiza o ambiente de transição entre a baixa idade média e a idade moderna. O ambiente de ‘caça às bruxas’, o absolutismo e o autoritarismo políticos, a corrupção endêmica, o feudalismo e a ascensão da burguesia, a ortodoxia e os paradigmas religiosos, o racionalismo e o iluminismo compõem o substrato por onde se movimentam as personagens da peça.

O conselheiro do papa Clemente VIII, o octogenário Giovanni Archetti, comanda - do Palácio do Vaticano - uma intrincada rede de corrupção e, através dela, planeja desposar a mais bela jovem da Europa, Donabella de Monferrato. A formosa mulher admira e integra um grupo de seguidores de Giordano Bruno. Para convencê-la acerca do matrimônio, o poderoso velhaco tenta ludibriá-la e mente, afirmando que promoverá a revisão do julgamento do famoso filósofo, anulando a pena de morte imposta. Sem ser correspondido, o poderoso Giovanni Archetti ama Donabella, que é amada pelo noviço Enrico Belinazzo, um jovem frade de corpo atlético que, por sua vez, é amado pelo vetusto padre Lorenzo, o diretor do seminário. 

De modo que conflitos secundários são explorados evidenciando os paradigmas da baixa idade média, os fundamentos dos novos modelos, dos novos arquétipos que surgiam em oposição ao poder do imperador do Sacro Império, do Papa e dos reis; o ocaso do feudalismo, suplantado pela burguesia que emerge como a nova classe dominante; a degeneração da política e a degradação moral e dos costumes. 

Adentre este universo povoado por conflitos, disputas, cizânias e querelas. Um enredo que, lançando mão de episódios verídicos da narrativa histórica, ambienta novelos densos e provocativos instigando os leitores a responder se o autoritarismo e a corrupção que vincaram o interim entre os séculos XVI e XVII não seriam equivalentes – em extensão, volume e grandeza - aos verificados nos dias de hoje.


Para comprar o livro, clique aqui.