quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Reforma agrária: entre a necessidade e o banditismo ideológico


Temer vai acelerar venda de terras da União a assentados
Reforma Agrária. Presidente edita MP para entregar 280 mil títulos de domínio até o fim de 2018; propriedade será paga em 10 anos e poderá ser comercializada após o período
O presidente Michel Temer editou uma medida provisória para agilizar a concessão de títulos de domínio para assentados e acelerar a venda de terras da União para beneficiários do Programa Nacional da Reforma Agrária. A meta de Temer é entregar 280 mil documentos até o fim de seu mandato, em 2018. Serão priorizados os assentamentos já existentes - são 9.332 mil em todo o País, onde vive 1 milhão de famílias.
A MP 759/2016, em vigor desde sexta-feira passada, altera a política de reforma agrária implementada pelas gestões Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. De acordo com informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entre 2000 e 2002, a gestão tucana emitiu 62.196 títulos e, de 2003 a 2015, os governos petistas reduziram as emissões para 22.729. Se cumprir a meta proposta, Temer expedirá, em dois anos, 12 vezes mais titulações do que as gestões do PT.
A proposta que ainda será analisada pelo Congresso Nacional prevê que o assentado pague pelo lote para receber o título de domínio. Os ocupantes que ainda não têm a titulação e não pagaram pelo lote terão de regularizar o pagamento para ter a posse definitiva. Os pagamentos serão parcelados em até dez anos, mas também podem ser quitados à vista. A base de cálculo será a Planilha de Preços Referenciais (PPRs) do Incra, com desconto variável entre 20% para os lotes maiores e 60% para as áreas menores. Após dez anos da concessão, o assentado poderá negociar a terra.
A MP permite que o beneficiário ocupe cargo, emprego ou função pública, desde que após sua seleção e homologação. A medida mantém a proibição para ingresso na reforma agrária de agentes públicos, mas apenas até a aquisição do lote. A medida libera o já assentado para, por exemplo, prestar concurso público ou concorrer a cargos eletivos.
Em razão de um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou distorções na distribuição de lotes, como agentes públicos entre os beneficiários, o Incra estava impossibilitado de encaminhar o processo de titulação. Em setembro, com a suspensão do bloqueio pelo TCU, o órgão deu início ao levantamento das famílias que estão aptas à titulação. Os primeiros 300 títulos foram repassados a famílias do Assentamento Mercedes I e II, em Tabaporã, em Mato Grosso, no dia 29 do mês passado, sem a presença do presidente.
Critérios. A MP muda também os critérios de cadastro e seleção das famílias beneficiárias, excluindo do processo a necessidade de o assentado estar acampado, o que na prática elimina a intermediação dos movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), historicamente ligado ao PT. A medida foi antecipada pelo Estado no dia 8 de outubro.
Família mais numerosa, família que reside há mais tempo no município do projeto de assentamento e família chefiada por mulher são algumas das prioridades das regras para escolha dos beneficiários da reforma agrária. Caberá aos municípios a organização dos projetos de assentamento.
Além de destoar da política de reforma agrária de seus antecessores, Temer quer transformar a titulação de terras na marca da nova gestão do Incra - será a “reforma da reforma agrária". De acordo com o instituto, a titulação é importante por dar segurança jurídica aos assentados, além de possibilitar acesso a políticas públicas do governo. Com o documento, o assentado pode recorrer ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) e a bancos públicos ou privados para financiar a produção.
Novos assentamentos. Segundo o Incra, a MP define também as formas de aquisição de terras para criar novos assentamentos, embora, em momento de ajuste fiscal, a prioridade do governo seja reorganizar e regularizar os assentamentos existentes.
Neste ano, assim como no ano passado, o governo federal não adquiriu terras para novos assentamentos. Nos últimos dias de seu governo, a presidente cassada Dilma assinou 25 decretos de desapropriação de imóveis rurais para a reforma agrária e regularização de territórios quilombolas, totalizando 56,5 mil hectares, mas o processo não avançou.
O Incra informou que os decretos assinados por Dilma não tinham previsão orçamentária. “Em 2015, a ex-presidente não assinou nenhum decreto de desapropriação para fins de reforma agrária”, informou o órgão, em nota. “O congelamento dos recursos da reforma agrária não se deu no atual governo.” Segundo Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, um decreto legislativo articulado com o governo suspendeu os decretos para atender à bancada ruralista. “Com o fim do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), as políticas públicas do ministério também foram reduzidas, sendo transformado em uma secretaria sem estrutura e orçamento para a execução de políticas para a agricultura familiar.”
Críticas. Em nota divulgada pelo MST, Miguel Enrique Stédile, da coordenação nacional, afirmou que a titulação é uma “reforma agrária às avessas”, que ampliara a concentração de terras. “Hoje, os beneficiários recebem a concessão do uso da terra, podendo passá-las para os filhos, mas não podem mercantilizar porque a terra é da União, afirmou. “Com a titulação, os assentados se tornam proprietários, porém, terão de pagar o preço de mercado atualizado das terras que receberam. Ou seja, o assentado vai ficar com a dívida e, sem infraestrutura para produzir, em pouco tempo venderá a terra.”
Conflito
“Hoje, os beneficiários recebem a concessão do uso da terra, podendo passá- las para os filhos, mas não podem mercantilizar.” Miguel Enrique Stédile, coordenador do MST
“O congelamento dos recursos não se deu no atual governo.” Presidência do Incra, em nota
José Maria Tomazela, em O Estado de S. Paulo

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