sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Como são escolhidos os iluminados ministros dos tribunais superiores?

PF aponta lobby envolvendo Pezão para nome no STJ
Filho do atual presidente do TCU pediu apoio de governador do Rio para indicação à corte
Relatório da Operação Politeia, primeira ofensiva da Lava Jato sobre políticos, revela a atuação de Tiago Cedraz, o filho do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, para angariar apoio à candidatura de Reynaldo Fonseca a ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tiago é investigado na Lava Jato após ter sido acusado pelo delator Ricardo Pessoa, da UTC, de ter recebido R$ 50 mil mensais para vender informações de processos em trâmite na corte presidida por seu pai.
Em julho de 2015, a Politeia realizou busca e apreensão na casa de Tiago. Entre documentos e anotações, os policiais federais encontraram um aparelho celular no qual foram encontradas mensagens trocadas com o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB). Nos diálogos, eles tratam do apoio do governador para a nomeação de ministros em cortes superiores e de temas relacionados ao inquérito no qual Pezão é alvo no STJ.
Em 22 de março de 2015, Tiago e Pezão, ambos investigados na Lava Jato, travam uma conversa e, às 18h14, o advogado manda uma mensagem: “Tem um desembargador concorrendo na lista tríplice para o STJ. É um amigo. Ele é o favorito e queria pedir seu apoio”. Pezão pergunta quem é e o advogado responde se tratar de Fonseca, do Tribunal Regional Federal da 1.a Região (TRF1). Ele é apoiado por “(José) Sarney, Renan (CaIheiros), (Michel) Temer e Eduardo Cunha”, disse Cedraz.
Onze dias após a conversa, registrada no Relatório de Análise de Material Apreendido 017/2016 da Politeia, a então presidente Dilma Rousseff anunciou a nomeação de Fonseca.
No mesmo mês da conversa entre Pezão e Tiago, o ministro do STJ Luis Felipe Salomão havia autorizado a abertura de inquérito contra o governador no âmbito da Lava Jato. Sobre a investigação, Tiago e o governador do Rio voltaram a falar em junho de 2015, quando o STJ autorizou a quebra de sigilo de Pezão. No dia 5 de junho, Pezão disse: “To arriado. Como é a quebra de sigilo?”. Tiago respondeu: “Aquebra é o seguinte: vão solicitar os registros de ligações que você fez dos seus telefones provavelmente fixo e celular na época dos fatos investigados. Não é grampo, não.” Fonseca é maranhense, foi servidor do Judiciário, ingressou na magistratura em 1993, foi juiz federal no Distrito Federal e no Maranhão, e depois seguiu, em 2009, para o TRF-1.
Supremo. Além da atuação na candidatura vitoriosa de Fonseca ao STJ, as conversas encontradas pela PF mostram Tiago em busca de apoio para o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcus Vinicius Furtado Coelho na disputa por uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) - cadeira deixada por Joaquim Barbosa.
Em 30 de março de 2015, Tiago escreveu para Pezão: “Pé,jantei com Marcus Vinicius ontem (pres. da OAB - candidato STF). Ele disse que o Zé Eduardo é a única pessoa que atualmente veta a indicação dele. Pediu para te perguntar se você pode ajudar”. Pezão respondeu: “Vou ver como o Zé”. “Zé Eduardo” é o então Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
Nesse caso, a atuação de Tiago não resultou em vitória do nome defendido por ele. Dois meses depois da conversa, a presidente cassada Dilma Rousseff nomeou Edson Fachin para a vaga na Corte.
Governador do Rio e advogado negam influência
O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), negou ter trabalhado pela indicação de Reynaldo Fonseca para uma vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que conhece o advogado Tiago Cedraz por intermédio do pai dele, Aroldo Cedraz ,presidente do Tribunal de Contas da União (TCU).
“Pezão manteve relações institucionais, no Congresso Nacional, com Aroldo Cedraz, quando este era deputado federal e Pezão, presidente da Associação de Prefeitos do Estado do Rio de Janeiro e diretor da Associação Nacional dos Prefeitos, e, mais tarde, como ministro do Tribunal de Contas da União”, informou a assessoria do governador.
Sobre o questionamento a respeito da quebra de sigilo telefônico, a assessoria de Pezão informou que a conversa foi uma “consultoria informal, uma vez que ele (Tiago) é advogado, pelo fato de Pezão não ter conhecimento de como funciona tal procedimento”.
Já o ministro Fonseca afirmou, também por meio de assessoria de imprensa, que “não conhece nem manteve qualquer contato com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão. Em relação ao advogado Tiago Cedraz, o ministro cumpriu apenas agendas institucionais”.
Procurado, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcus Vinicius Furtado Coelho afirmou: “Eu tive apoio de advogados de todo o Brasil e considero normal se um advogado tiver falado favoravelmente de meu nome, mas não solicitei tal intervenção”. O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo informou que não vai comentar o conteúdo das trocas de mensagens.
Audiência. Tiago, por meio de sua assessoria de imprensa, negou “veementemente que o teor das mensagens referidas permita compreender que ele teria articulado candidatura de ministro do STJ”. Ele, em nota, afirmou que “o que se observa nas mensagens referidas é tão somente pedidos de audiência feitos por amigos, nada mais”.
Para Tiago, a reportagem “parte de vazamento seletivo de conversas sem qualquer conteúdo ilícito, cujo único intuito é expor a intimidade do advogado” e “não é esse (vazamento) o comportamento esperado das autoridades que conduzem as investigações”.
Ainda em nota, o advogado afirmou que as conversas com Pezão “são tratativas inseridas no contexto cliente-advogado”, mas Pezão, em seu posicionamento, afirmou que a conversa foi uma “consultoria informal”. / F.S., B.B. e F.M.
Fabio Serapião, Beatriz Bulla e Fausto Macedo, em O Estado de S. Paulo

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