segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Quanto custam para o Tesouro os empréstimos concedidos ao BNDES?


O Tesouro Nacional tem feito seguidos empréstimos ao BNDES, com intuito de prover recursos para que este Banco amplie a oferta de crédito a empresas privadas e ao setor público. A ideia é estimular o crescimento econômico por meio de empréstimos subsidiados para investimentos dos setores público e privado. O crédito do Tesouro junto ao BNDES, em julho de 2014, segundo as estatísticas do Banco Central, já somava R$ 449 bilhões. Trata-se de valor significativo, equivalente a 9,3% do PIB de 2013.
Essa política implica custo para o Tesouro, pelo fato de que este empresta ao BNDES a uma taxa inferior ao seu custo de financiamento. De forma simplificada, tudo funciona como se uma pessoa (o Tesouro) tomasse dinheiro emprestado em um banco, pagando juros de 11% ao ano, e usasse esse dinheiro para emprestar a um amigo (o BNDES), cobrando dele juros de 5% ao ano. O custo dessa ação será justamente a diferença entre os juros pagos ao banco e os juros recebidos do amigo.
Não tem sido muito simples estimar o custo incorrido pelo Tesouro Nacional nessas operações, pois as características financeiras dos diversos empréstimos feitos ao BNDES não são plenamente divulgadas. Não se sabendo exatamente quais são os prazos, as taxas de juros, a carência para pagar juros e principal e o método de amortização, fica difícil estimar o custo implícito desse tipo de operação. Além disso, o cálculo é complicado pelo fato de que Tesouro e BNDES frequentemente renegociam contratos vigentes, mudando suas características.
Este texto busca apresentar uma estimativa dos custos fiscais desses empréstimos, tomando por base as características financeiras apresentadas em coluna do jornalista Ribamar Oliveira, publicada no jornal Valor Econômico do dia 28 de agosto de 2014.
Tal coluna descreve detalhes financeiros de uma renegociação de parte da dívida, ocorrida em março de 2014, no valor de R$ 194 bilhões, afirmando que sua fonte de informação é um parecer da Secretaria do Tesouro Nacional, obtido pelo jornal por meio da lei de acesso à informação. Como naquele mês o saldo total devido pelo BNDES ao Tesouro era de R$ 414 bilhões, a renegociação abarcou a significativa parcela de 47% da dívida total. Estimando o custo da parcela renegociada é possível ter uma ideia do custo total da política.
Para complementar as informações oferecidas na coluna jornalística, recorri a uma descrição sumária dos empréstimos Tesouro-BNDES, disponíveis no site do BNDES, sob o título “Captações realizadas com recursos do Tesouro Nacional – Posição 30/06/2013”. As informações ali disponibilizadas estão organizadas em uma tabela, com informações incompletas e sem maiores explicações metodológicas. Apesar disso, é possível inferir (por similaridade de valores) que a renegociação aludida pelo jornalista Ribamar Oliveira corresponde aos contratos PGFN 922/2014 e PGFN 923/2014, que somam R$ 194.148 milhões. O contrato renegociado é descrito por Ribamar Oliveira (e parcialmente corroborado pelas informações disponibilizadas pelo BNDES, ainda que menos completas que as dispostas na coluna jornalística) da seguinte forma:
  • Valor renegociado: R$ 194 bilhões (R$ 194.148 milhões segundo documento do BNDES);
  • Juros totais: igual à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), não podendo ser superior a 6% ao ano (o documento do BNDES não faz referência a esse teto de 6% ao ano para os juros);
  • Prazo de pagamento: 46 anos, vencendo em 2060 (informação confirmada pelo documento do BNDES, que informa que o último vencimento do contrato será em março de 2060);
  • Carência integral para o pagamento de juros nos primeiros seis anos (informação confirmada pelo documento do BNDES, que afirma que haverá carência no pagamento integral dos juros até março de 2020);
  • Pagamento parcial de juros entre o 7º e o 21º ano, equivalente a 1/3 da TJLP, limitado ao máximo de 6% ao ano (o documento do BNDES não faz qualquer referência a pagamento parcial de juros ou a teto de juros);
  • A partir do 22º ano do contrato o pagamento dos juros será intergral (o documento do BNDES não informa esse detalhe);
  • Carência de 26 anos para o pagamento do principal (o documento do BNDES confirma essa informação, estabelecendo março de 2040 como o fim do período de carência para pagamento do principal).
Em suma, em nenhum dos itens acima as informações disponibilizadas pelo BNDES contradizem aquelas apresentadas na coluna jornalística. Assim, considerarei como corretas as informações apresentadas na coluna jornalística, utilizando-as em conjunto com aquelas oferecidas pelo BNDES.
Para obter uma estimativa de custo para o Tesouro decorrente de um contrato com tais características financeiras, basta calcular o valor presente do fluxo futuro de pagamentos e compará-lo com o valor total do empréstimo (R$ 194,1 bilhões). A diferença representará o custo em reais incorrido pelo Tesouro, em valores da data da assinatura do contrato (março de 2014).
O cálculo do valor presente requer que sejam feitas hipóteses sobre o comportamento futuro das variáveis que influenciarão o pagamento da dívida ao longo dos anos. Isso significa fazer hipóteses sobre a trajetória futura da taxa de juros nominal do contrato (TJLP) e da taxa Selic, que representa o custo de financiamento do Tesouro.
No exercício simplificado que realizei, supus que os juros pagos pelo BNDES serão os maiores possíveis dentro do desenho contratual. Como visto na descrição do novo contrato feita na matéria jornalística, há um teto de 6% ao ano para os juros. Caso a TJLP supere esse teto, o BNDES pagará a taxa fixa de 6% ao ano. Logo, ao supor que o BNDES pagará sempre 6% ao ano, trabalho com o limite superior de juros. Obviamente isso SUBESTIMA o custo do Tesouro.
Foram traçados cinco cenários que combinam diferentes hipóteses sobre a trajetória futura da taxa Selic (8%, 9%, 10%, 11% ou 12%). O Quadro 1 mostra a estimativa de custos para o Tesouro para cada uma dessas taxas. Por exemplo, com uma taxa Selic na casa de 11%, o valor presente (em março de 2014) do fluxo de pagamentos que o Tesouro receberá do BNDES até o final do contrato equivaleria a R$ 65,1 bilhões. Dado que o Tesouro emprestou R$ 194,1 bilhões ao BNDES, o seu custo seria equivalente a R$ 129,1 bilhões (ou 47% do valor do empréstimo). O custo é muito alto: de cada R$ 1,00 emprestado pelo Tesouro, ele receberá de volta do BNDES R$ 0,33.
Quadro 1 – Estimativas do valor presente da dívida nos termos contratuais vigentes depois da renegociação (R$ bilhões)
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Mesmo que a economia brasileira caminhe para uma melhor situação macroeconômica, que permita reduzir a Selic nominal para a casa de 8% ao ano, o custo para o Tesouro seria equivalente a R$ 72,1 bilhões. Nesse caso, para cada R$ 1,00 emprestado pelo Tesouro, o BNDES pagaria de volta apenas R$ 0,63.
Resta saber qual dos cenários apresentados no Quadro 4 será mais realista para o futuro do país. Teremos no futuro uma Selic na faixa de 8% ao ano ou uma Selic mais alta, que poderia levar o prejuízo a R$ 140 bilhões (lembrando que o prejuízo será ainda maior se a taxa Selic ficar acima de 12% ao ano)? Tudo vai depender da taxa de inflação. Se supusermos que a taxa de juros real  de equilíbrio da economia brasileira ficará na faixa de 4 a 5% ao ano, então uma inflação de 4% nos levaria a uma Selic entre 8 e 9% ao ano, o que atenuaria o custo do Tesouro. Se, porém, tivermos taxas de inflação mais altas, na casa de 6% ao ano, cairemos no cenário em que a Selic média será de 11% ao ano, ampliando o custo do Tesouro.
Por fim, vale lembrar que esse custo maiúsculo imposto ao Tesouro (mesmo no cenário mais benigno) refere-se a menos da metade dos créditos junto ao BNDES. Se a outra metade tiver condições financeiras similares, o custo total tende a ser próximo ao dobro daquele estimado no Quadro 1.
Marcos Mendes
Doutor em economia. Consultor Legislativo do Senado. Editor de Brasil, Economia e Governo. Autor de "Por que o Brasil cresce pouco? Desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro". Ed. Elsevier.