quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Administrar?


O mundo evoluiu e não mais consegue se movimentar ao largo de suas organizações. A relação entre as pessoas e as instituições se tornou de tal forma umbilical que ficou impossível uma prescindir da outra.

Do nascimento à morte, passando por todas as fases e etapas de nossa existência, do aprendizado acadêmico, do universo familiar, do aprendizado informal, da conformação de nossos conteúdos e valores imateriais, dos momentos de entretenimento e prazer, até a realização no amor e no exercício profissional, experimentamos um permanente processo de simbiose com as organizações, extraindo delas tanto quanto a ela agregamos na via de mão dupla.

De forma geral, a administração das organizações tornou-se um imperativo face a necessidade da sociedade traduzir o esforço do trabalho coletivo em progresso, desenvolvimento, inclusão econômica e bem estar social.

Seja qual for a variante do descomunal universo que abriga a administração, independentemente de pública ou privada, invariavelmente se destacará o viés educacional porque, se transformação de pessoas encontra-se em andamento, caso adequação de processos esteja em curso, neste ambiente estará vicejando princípios, valores e diretrizes da educação.

 Mas, quando se trata do plano específico da administração educacional, este universo se reveste de maior importância: o ensino formal disponibilizado pelas escolas se constitui no templo – se não exclusivo, sem dúvidas, referencial - onde se verifica o substancial da geração, reprodução e democratização do conhecimento científico.

Apesar do expressivo conjunto de problemas endo e exógenos que os martirizam, nossos locais de trabalho e, sobretudo, as escolas de formação e habilitação profissionais, ainda são exemplo exitosos de reprodução do conhecimento acumulado pela humanidade.

O mundo foi exigindo de suas organizações educacionais e profissionais um compromisso cada vez maior com as condicionantes do progresso e do desenvolvimento. Hoje, mais que em qualquer outra época - e muito mais será no futuro - o saber fazer é a mola propulsora do desenvolvimento individual, coletivo e institucional.

Em tempos de incondicional globalização, tudo assume dimensões gigantescas, numa complexa e intrincada rede de interdependências, interpenetrações e interconexões. Cada vez mais a interconexão se aprofunda; dependemos mais dos outros – pessoas e instituições experimentam uma profícua relação de trocas diuturnas.

O mesmo ocorre no substrato das nacionalidades. A aglutinação dos países em grandes blocos políticos e econômicos está a evidenciar a irreversibilidade da interdependência cosmopolita.

Neste contexto, administrar se tornou mais complexo que o mero ordenamento de fluxos e rotinas. Enseja, fundamentalmente, a disposição de pessoas certas nos lugares adequados, a distribuição de pessoas com diferentes atributos nas diversas escalas hierárquicas, de sorte que o exercício das diferentes tarefas e atribuições seja afastado da operacionalidade inercial e embebido da orgânica, o que denomino produção em escala e sustentável.

Impregnar este processo de racionalidade é a essência da administração.

Sem que lancemos mão do planejamento sistemático, da estruturação dos processos, da direção e do controle das diferentes atividades, não estaremos sorvendo da boa administração.

Sim, não subestimemos a vulnerabilidade humana. O que mais presenciamos nas instituições contemporâneas - públicas, privadas ou do terceiro setor - é a má gestão, a gestão perdulária, inconsequente e inconsistente, a gestão patrimonialista e antirrepublicana.

Boa parte dos nossos centros de administração absorveu o estigma da inoperância, da ineficácia, do carcomido pelo tempo, do que se faz com desdém às avaliações de desempenho, que despreza qualquer tentativa de controle social. E quando tecem loas às políticas de transparência e controle social estão simplesmente adornando os discursos, lustrando os acordes monótonos e fastidiosos de sempre: piritas, ouro de tolo.
 
Abordar, portanto, a temática da gestão soa como um objetivo dos mais desafiadores posto que os interesses corporativistas se sedimentaram de tal modo que fossilizaram mentes e intenções, se emoldurando de arquétipos ideológicos e de ortodoxias dogmáticas. Questionar, o simples arguir, ou o convite para a mais elementar reflexão crítica, passou a soar como desvio a ser eliminado através de mecanismos nada sutis de convencimento e adesão “voluntária”, similares em muitos aspectos aos utilizados pelas polícias políticas bolivarianas.

Destarte, a gestão que deveria se constituir num eficiente instrumento de liberação de energias produtivas, é instrumentalizada para servir exclusivamente aos grupos de interesses.

Por isto, tão importante quanto dominar as técnicas da moderna administração, é incorporar uma proposta de vida que enxergue a sociedade como um grande laboratório onde aflore o desenvolvimento individual e coletivo, a justiça social e a democracia.

Sobre as técnicas é importante destacar que sua aplicação mecânica é tão ineficaz como dispendiosa e improdutiva.

Apesar dos múltiplos contextos e do caldo cultural resultante, não existe uma instituição, uma organização rigorosamente igual à outra. Assim como não encontramos duas pessoas inteiramente idênticas. A singularidade é uma magia da existência: a coluna vertebral da variedade, da multiplicidade. É esta radical diversidade que torna nosso universo muito mais complexo e dinâmico. Receitas prontas e padronizadas geram, quando muito, relatórios técnicos e gerenciais volumosos, profícuos em detalhamentos, vistosos e espetaculares na forma, mas pasteurizados e de conteúdos medíocres.

 
Daí que o gestor com boa performance numa determinada instituição estará sempre sujeito a amargar homéricos fracassos em outra, em que pese, às vezes, estar atuando em organizações muito similares.

Não se trata apenas do conhecimento tecnológico. Este é necessário, mas não suficiente. Para impregnar o processo gerencial de qualidade, é necessário agregar à massa outros importantes insumos, estruturantes, como o modo de ser, pensar e agir dos diversos atores, as personalidades, valores, princípios, filosofias de vida e trabalho, ...

Diante da inexistência de um único caminho a trilhar, nosso gestor deverá adquirir a habilidade de, no leque das disponibilidades, optar pelo trajeto que demande menor esforço: menor dispêndio em insumos materiais, humanos e financeiros; e que – necessariamente – conduza a melhores resultados.

Ajuda muito uma formação integral e holística, que considere as partes como integrantes de um todo orgânico; subsistemas como engrenagem de um grande sistema.

O fato do gestor conquistar a formação regular, se apropriando dos saberes técnico e acadêmico, se constitui apenas na primeira de uma serie de outras etapas; e não implica em automático êxito, sucesso ou eficácia na condução da organização. As etapas seguintes que poderão conduzir ao tão almejado êxito dos atores gestores estão condicionadas à formação psicológica, à personalidade, à forma de sentir e enxergar os outros e as coisas, o modo de operacionalizar as técnicas científicas e os procedimentos da informalidade.

De todo modo, para que ao processo de gerenciamento institucional agregue eficácia, o gestor deve se valer, no mínimo, de três competências.

A primeira, a técnica, é o suporte que permitirá desenvolver as atividades diárias, potencializadas por meio de conhecimentos específicos e métodos revestidos de racionalidade.

A segunda, a capacidade humana, é a qualificação que permite desvendar certas particularidades das pessoas, de modo que seja possível despertar nelas o interesse pela produção qualificada e pelo trabalho efetuado motivadamente.

Finalmente, a competência conceitual encerra a capacidade de enxergar a essência, de poder manejar o que não se encontra à vista, a habilidade de desnudar - na junção das partes - o conjunto, o universo em que se situam as pessoas e as organizações. É esta dimensão que possibilita entender a complexidade das instituições e nos dá a possibilidade de extrair soluções simples, adequadas ao perfil e características das pessoas. É esta dimensão que faz o gestor libertar-se do corporativismo que limita, para gravitar numa outra esfera, superior, que expande, e o interage aos objetivos maiores da instituição e da sociedade.

Em qualquer instituição essas três capacidades são dosadas e utilizadas conforme o grau hierárquico ocupado. Uma empresa privada demandará um profissional com maiores habilidades técnicas para administrar os extratos de supervisão operacional. As habilidades necessárias passam a ser a humana e a conceitual conforme transitamos para as chefias intermediarias e os cargos de direção superior.

Todavia, a peculiaridade dos universos executivo e gerencial exige de todos os seus profissionais a utilização das três capacidades, quase que de forma plena. Independentemente do lugar em que atua e do serviço que executa no dia a dia, o profissional deve raciocinar e agir lidando com todo o conjunto de habilidades: a técnica, a humana e a conceitual.

Se as instituições devem se constituir numa linha de montagem para processar insumos com vistas à satisfação de clientes e cidadãos, como exigir menos de um profissional da administração?

As pessoas compõem o mais valioso patrimônio de qualquer instituição. O agente responsável por conduzir as pessoas ao seu caminho deve ser o mais preparado, deve ser o melhor e o mais capaz, deve ser o mais interessado em mudar a si e as pessoas, o mais interessado em transformar-se para que todos possam processar o ambiente, a sociedade, modificando para melhor a realidade em que vivemos.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico.