quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Qual o custo das políticas de desenvolvimento regional no Brasil?

Por Luiz Ricardo Cavalcante

O elevado nível de desigualdades regionais no Brasil é amplamente reconhecido e tem sido discutido com relativa frequência pelo menos desde meados do século XX. Essas desigualdades – que têm se mostrado bastante resilientes ao longo do tempo – evidenciam-se, por exemplo, nos diferenciais de renda per capita entre as regiões. De acordo com os dados mais recentes, a região Nordeste, que concentra cerca de 28% da população do país, representa aproximadamente 13% do produto interno bruto (PIB). Isso significa que a renda per capita a região corresponde a menos de metade da média nacional.

PIB, população e PIB per capita, Brasil, unidades da federação e macrorregiões, 2011 e 2013
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Com base em diagnósticos dessa natureza, políticas de desenvolvimento com foco explícito em parcelas definidas do território nacional são adotadas no Brasil desde meados do século XX e foram consagradas na Constituição Federal de 1988. O fundamento para a adoção de políticas dessa natureza é que, na ausência de incentivos fiscais e financeiros e de investimentos em infraestrutura em regiões menos desenvolvidas, a atividade econômica tenderia a concentrar-se nas regiões onde a oferta de insumos e de mão de obra fosse mais abundante e o mercado de consumo fosse mais próximo e dinâmico. Esse processo circular e cumulativo pode ser interrompido se as políticas de desenvolvimento regional adotadas forem capazes de influenciar as decisões de investimentos para direcioná-los para as regiões menos desenvolvidas.

Apesar de se praticarem políticas de desenvolvimento regional no país há cerca de setenta anos, as estimativas de seus custos fiscais são escassas e dispersas. O objetivo deste texto é, portanto, estimar esses custos.

Os critérios adotados para que uma determinada rubrica de custo fosse incluída nos custos das políticas regionais adotadas no país foram:
  • Foco explícito em uma parcela predeterminada do território. Com isso, recursos destinados aos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), por exemplo, são considerados custo da política regional, mas políticas sociais que não têm, entre os requisitos para o acesso a seus recursos, foco em uma parcela predeterminada do território não são consideradas políticas regionais, ainda que, na prática, acabem destinando a maior parte de seus recursos para as regiões menos desenvolvidas. Esse é o caso, por exemplo, do programa Bolsa Família, cujos recursos são majoritariamente destinados às regiões menos desenvolvidas, mas apenas porque essas regiões concentram seus beneficiários (e não porque ocupam uma parcela predeterminada do território nacional). No caso dos investimentos, que, ainda que tenham um caráter regional explícito, não necessariamente se dirigem às regiões menos desenvolvidas, consideraram-se apenas os valores mais do que proporcionais à participação das regiões menos desenvolvidas no PIB. 
  • Aplicação por jurisdição territorialmente maior. Na prática, isso quer dizer que os recursos alocados pela União para reduzir as desigualdades regionais entre as unidades da federação compõem os custos das políticas de desenvolvimento regional, mas os recursos alocados por um determinado governo estadual para promover o seu desenvolvimento – por meio, por exemplo, de restituição do ICMS para a atração ou a fixação de investimentos –, não foram incluídos nesses custos.
  • Caráter orçamentário. Esse critério excluiu dos custos, por exemplo, os recursos alocados pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) ao girar recursos de capitalizações feitas pelo Governo Federal no passado, mas permitiu a inclusão, por exemplo, dos desembolsos da União em favor de fundos voltados para a promoção do desenvolvimento regional.
Assim, as rubricas que compõem os custos das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil foram segmentadas em três grupos:
  • Incentivos fiscais, que incluem, por exemplo, os incentivos fiscais concedidos no âmbito da ZFM e para as empresas instaladas nas áreas de atuação das superintendências de desenvolvimento regional.
  • Incentivos financeiros, que envolvem os recursos orçamentários destinados aos fundos constitucionais de financiamento e aos fundos de desenvolvimento regional.
  • Investimentos, calculados com base no excedente dos investimentos dirigidos para as regiões menos desenvolvidas após se considerar a destinação “natural” (isto é, proporcional a sua participação no PIB) de recursos.
A tabela a seguir registra os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil em milhões de reais correntes entre 2009 e 2013.

Custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil (R$ milhões correntes),
2009 – 2013

img_2283_2Fonte: elaboração do autor. (clique na tabela para ampliar)
 
Conforme indicado na tabela, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil alcançaram R$ 53,8 bilhões em 2013. Nesse mesmo ano, os repasses para o Programa Bolsa Família e para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) alcançaram R$ 24,9 bilhões e R$ 33,1 bilhões, respectivamente. Assim, a título de comparação, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional correspondem a mais do que o dobro do custo do Programa Bolsa Família e a mais de 90% do somatório dos custos dos dois principais programas de transferência de renda e assistência social do Governo Federal.
 
Os custos totais das políticas de desenvolvimento regional em 2013 resultaram da soma de incentivos fiscais (R$ 31,7 bilhões), incentivos financeiros (R$ 14,2 bilhões) e investimentos (R$ 8,0 bilhões). Ao se examinar o período entre 2009 e 2013, é possível constatar que os incentivos fiscais representavam em média 58,2% dos custos das políticas de desenvolvimento regional; os incentivos financeiros responderam por 25,0% desses custos e o restante (16,8%) adveio dos investimentos diretos. Esses dados revelam que os investimentos diretos (por exemplo, em infraestrutura) são bem menos representativos do que os incentivos fiscais e financeiros. Contudo, conforme assinala Oliveira Júnior (2011), “teorias recentes da área de economia regional [...] enfatizam a necessidade de combinar incentivos para atrair empresas para regiões periféricas e investimentos em infraestrutura para reduzir custos de transporte. Essa combinação daria mais eficiência às políticas de desenvolvimento regional”.
 
Ao longo dos últimos cinco anos, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional mantiveram-se razoavelmente estáveis em relação ao PIB. A razoável estabilidade dessa relação indica, obviamente, que o crescimento real dos custos das políticas de desenvolvimento regional (deflacionadas pelo deflator implícito do PIB) tem acompanhado o crescimento real do PIB, que alcançou, no período entre 2009 e 2013, uma taxa média anual de 3,33%.
 
A região Norte concentra mais de 55% dos custos das políticas de desenvolvimento regional adotadas no país. Cerca de ¾ dos recursos destinados a essa região correspondem aos incentivos fiscais concedidos no âmbito da ZFM. A região Nordeste, por sua vez, absorve cerca de um terço dos recursos. Já a região Centro-Oeste recebeu pouco mais de 9% dos recursos. Uma vez que uma fração dos recursos destinados à região Nordeste atende também parte dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, a região Sudeste recebeu um percentual inferior a 2% dos recursos destinados a financiar as políticas de desenvolvimento regional no Brasil.