quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Como uma ativista argentina está ‘hackeando’ a democracia


Pia Mancini (TED)
Pia Mancini quer promover uma maior participação popular nas decisões do Congresso

Pia Mancini (TED)

Camilla Costa e Rafael Barifouse, da BBC Brasil

A argentina Pia Mancini tinha uma ideia ambiciosa: fazer com que políticos, antes de tomarem decisões, dessem mais ouvidos aos cidadãos.

A forma encontrada por ela para concretizar esta proposta foi criar o aplicativo DemocracyOS, em que os eleitores dão sua opinião em propostas apresentadas no Congresso.

"O sistema político atual é muito fechado em si mesmo", disse Mancini à BBC Brasil.

"Os políticos e as leis têm uma linguagem que só eles entendem, e isso não é por acaso. É para manter o máximo de pessoas de fora deste sistema."

O DemocracyOS contorna este problema ao trazer um resumo das propostas de novas leis em uma linguagem mais acessível ao público.

São projetos como a ampliação de subsídios a populações mais pobres no metrô de Buenos Aires, a permissão da venda de sementes de maconha na cidade ou tornar obrigatório um treinamento anual entre taxistas da capital.

Leia mais: TED: Para socióloga, é preciso ir além dos protestos e 'fazer a parte chata'

Os eleitores podem, então, debater os projetos de lei e votar no programa a favor, contra ou se abster.

No entanto, ao propor esta ideia aos políticos, Mancini encontrou uma grande resistência.

"Fomos chamados de ingênuos, e, de fato, fomos. Porque o desafio não é tecnológico, mas cultural. Os partidos não estão dispostos a mudar a forma como decidem", disse Mancini em sua palestra no TED Global, conferência de ideias e projetos inovadores atualmente em curso no Rio de Janeiro ( assista a sua palestra).

Mancini e seus colegas chegaram à conclusão de que, se os partidos não estavam dispostos a realmente dar ouvidos aos cidadãos, eles teriam de criar um partido para fazer isso por conta própria.

Em agosto do ano passado, eles lançaram o Partido da Rede. Sua proposta é ousada e inédita: todo representante seu que for eleito votará no Congresso de acordo com o que os eleitores decidirem no aplicativo.

"É a nossa forma de 'hackear' o sistema político", explicou Pia.

Impacto

DemocracyOS (Divulgação)
DemocracyOS (Divulgação)
O aplicativo DemocracyOS será usado pelo Congresso argentino para debater três leis

Dois meses depois de ser criado, o Partido da Rede lançou candidatos nas eleições legislativas de Buenos Aires em outubro passado. Obteve 22 mil votos, cerca de 1,2% do total.

Não foi o suficiente para ganhar um assento no Congresso, mas a iniciativa teve seu impacto.

No próximo mês, o Congresso usará o DemocracyOS pela primeira vez, para discutir com os cidadãos três novas leis: duas sobre transporte urbano e uma de uso do espaço público.

"Eles não estão dizendo que votarão de acordo com o que os cidadãos decidirem, mas estão dispostos a abrir um novo espaço de participação popular."

A ideia defendida por Mancini e o Partido da Rede é um mudança radical em nosso sistema político.

A ativista explica que "somos cidadãos dom século 21 que fazemos o melhor para interagir com instituições do século 19 e baseadas em tecnologias da informação do século 15".

Leia mais: TED: Chileno cria máquina para acabar com a 'taxa de pobreza' nas periferias

No entanto, afirma Mancini, a internet permite transformar a dinâmica do sistema político, ao disseminar muito mais informações entre os cidadãos e permitir que eles expressem suas opiniões diretamente para os representantes que elegeram.

"Quem sabe melhor se uma esquina precisa de iluminação se não quem vive nela? Ou se o transporte público é caro?", Mancini questiona.

"Hoje há muito conhecimento na sociedade, e os políticos precisam deixar que isso leve a uma tomada de decisões melhores. Ter uma interação com os eleitores só a cada dois anos é muito pouco."

No horizonte, a ativista enxerga um objetivo final ainda mais importante.

"Um ex-presidente argentino disse que o país é politizado, mas que falta cultura política. Só com mais interação vamos conseguir criar esta cultura", afirma Mancini.

"Isso não acontece de um dia para o outro, mas não podemos deixar como está. Temos que abrir espaços de participação, que, por menores que sejam, já serão melhor do que o que existe hoje."