quinta-feira, 21 de agosto de 2014

POR QUE O LINKEDIN ESTÁ MUDANDO O MODO TRADICIONAL DE RECRUTAMENTO

COMO AS EMPRESAS USAM A REDE SOCIAL PARA CAÇAR TALENTOS. E O QUE BRASILEIROS TÊM FEITO PARA BUSCAR ESSAS OPORTUNIDADES

Tantas conexões...  e nenhuma me ajuda  a avançar na carreira (Foto: Shutterstock)
Por Barbara Bigarelli, na revista Época-Negócios
Classificados de empregos nos jornais, murais de vaga nos corredores da faculdade ou listas das empresas com vagas abertas. Há uma geração de profissionais que não olha nada nisso. Eles gastam parte de seu tempo diário atualizando seu perfil profissional em redes como o LinkedIn e já se acostumaram à abordagem constante de recrutadores - oferecendo vagas que, muitas vezes, eles nem sabiam que estavam abertas. O paulista Vitor Cunha Criscuolo, 31 anos, é dessa turma. Formado em desenho industrial, estava trabalhando na área internacional do Ibope quando foi abordado pela Natura. A empresa brasileira de cosméticos queria saber qual era a expectativa profissional de Vitor.
A conversa evoluiu para o telefone, entrevistas pessoais até chegar ao final feliz da contratação. Há quatro meses, ele atua como gerente de insights da marca, respondendo pela área do site do consumidor. "Consumo receber muitas abordagens pelo LinkedIn até porque meu ramo de atuação é carente no mercado brasileiro. Atualizo a rede desde 2008 e acho que o que facilitou foi ter um perfil construído com muitas recomendações e avaliações de competências", afirma Vitor.

A Natura é uma das empresas brasileiras que mais utiliza o LinkedIn para recrutar. De julho de 2013 a março de 2014, mais de 30% das contratações da empresa foram impactadas por alguma das ferramentas do LinkedIn. No mesmo período, cada vaga publicada na rede ultrapassava 3 mil candidaturas. A Natura fica atrás apenas da Vale em ranking das 20 empresas brasileiras mais desejadas pelos profissionais da rede. E aproveita isso comprando produtos e ferramentas para encontrar talentos ou analisando os mais de 178 mil seguidores de sua página. “Cada departamento da Natura tem a licença de Recruiter, ferramenta customizada do Linkedin que oferece filtros mais precisos para buscar talentos”, diz Rafael Brazão, responsável pelas contratações da marca via Redes Sociais. A Natura também pede que seus funcionários construam bons perfis profissionais. "Fazemos oficinas para ensinar a turbinar o perfil. Indiretamente, cada colaborador ajuda a construir a nossa marca: eles carregam parte da empresa em cada post que publicam", conta Brazão.
 
"Esse emprego pode te interessar" 
Oferecer soluções e ferramentas para as empresas encontrarem talentos é um baita negócio para o LinkedIn. Aliás, é o que mais gera lucro. No 2º trimestre de 2014, a área de talentos e soluções foi responsável por 60% da receita da empresa, chegando a US$ 322 milhões. As contas Premium (pagas e que proporcionam maiores benefícios e interações) geraram apenas 20% da receita e área de marketing ficou com o restante. Para vender seus produtos e soluções aos setores de RH das empresas, o LinkedIn endossa o discurso de que ter, obter e reter talentos é o grande diferencial competitivo dos dias atuais.
Dan Shapero, VP de Talentos e Soluções do LinkedIn (Foto: Divulgação)
“Ajudar a encontrar as pessoas certas tem sido um desafio para as empresas e a maioria delas percebe que as pessoas são a sua competitividade. Se elas contratam profissionais vencedores, elas podem ganhar marqueteiros, gente que divulgue a sua marca", diz o americano Daniel Shapero, vice-presidente da área de Talentos e Soluções, em entrevista àÉpoca NEGÓCIOS. O executivo esteve no Brasil pela primeira vez em maio, quando conheceu o escritório da empresa no país - responsável pelos negócios de toda a América Latina.
Shapero é um entusiasta de seu trabalho e do LinkedIn, vendo um enorme potencial do banco de dados que a empresa possui a partir de informações profissionais de mais de 313 milhões de usuários e 40 milhões de empresas. É a partir do manuseio desse gigantesco banco que Shapero vende às empresas a ideia de alcançar e descobrir os "candidatos passivos", que usam a rede para fazer networking, ler artigos ou mostrar sua experiência. "Mais de 80% das pessoas que estão ativas na rede não estão procurando emprego e muitas vezes são profissionais muito qualificados e competentes. É muito difícil para as empresas encontrá-los nos meios tradicionais, como os anúncios de emprego. É aí que nossos filtros e ferramentas tem diferencial", afirma.

São três as principais ferramentas. A principal é o Recruiter, que apresenta à empresa uma lista de possíveis candidatos, filtrados a partir de segmentos, competências, empresas que trabalham, onde estudaram - entre milhares de outras combinações. Há ainda o "Job Slots", que compartilha postagens de empregos personalizados quando usuários visitam a página da empresa ou de um funcionário. Os usuários que veem o anúncio "Esse Emprego Pode Te Interessar" são escolhidos por uma série de combinações encontradas graças a um algoritmo e, segundo o LinkedIn, são relevantes para aquela vaga ofertada. "É um modo das empresas acharem talentos em grande escala, sem fazer muito esforço", defende Shapero.

A terceira solução oferecida consiste ajudar a empresa a construir sua marca na rede. É saber fazer o branding principalmente para criar a imagem de uma "empresa fantástica a se trabalhar", o que estimulará possíveis profissionais a quererem mudar-se para lá. "No Brasil, 61% dos profissionais acreditam que o "branding convincente" é o fator mais importante na hora de considerar uma empresa". Shapero afirma que o resultado é uma equação simples. "Os bons profissionais pensam que o sucesso daquela companhia é o sucesso deles, porque aquela empresa pode aperfeiçoar suas carreiras".
 
"Os brasileiros gostam de ser abordados na rede" 
No Brasil, o LinkedIn tem mais de 700 clientes, entre empresas de 50 funcionários até aquelas com mais de 150 mil profissionais. Entre elas, Vale, Vorotorantim, B2W, Totvs e Facebook recrutam através da rede, buscando talentos de diversas áreas entre os 17 milhões de usuários brasileiros cadastrados. Deste total, apenas 3,5 milhões são "ativos". O restante (83%) interage sem procurar emprego ao mesmo tempo em que se sente feliz ao ser abordado por um recrutador. Essa percepção é de Milton Beck, diretor de vendas da área da Talentos e Soluções do Brasil. "Em outras culturas o profissional se sente incomodado ao ser abordado. Mas os brasileiros não. Eles gostam. Sentem-se profissionalmente reconhecidos", afirma.
É o caso do pernambucano Paulo Carvalho, ativo na rede desde 2012. Quem olha o seu perfil detalhado, montado com referências, recomendações e muitas conexões, mal acredita que ele tem apenas 21 anos. Formado em administração, ele afirma gastar meia hora por dia na rede, aperfeiçoando o seu perfil com novas ferramentas e recursos pagos. "Tudo que faço na vida profissional, além de alguns projetos pessoais, está lá. Qualquer reconhecimento que ganho, atualizo imediatamente o meu perfil. É a minha marca, meu marketing pessoal". 
Os bons profissionais pensam que o sucesso daquela companhia é o sucesso da carreira deles
DAN SHAPERO, VP DE TALENTOS E SOLUÇÕES DO LINKEDIN
Carvalho defende que qualquer profissional que esteja crescendo na carreira precisa estar "o mais visível possível". Ele afirma já ter sido abordado por um profissional de RH de uma empresa de São Paulo e outra de Cuiabá (MT). Headhunters de Recife também ofereceram a ele novos posicionamentos. Não aceitou nenhuma das oportunidades para "não dar um salto maior que a perna" e poder "crescer com consistência". Conseguiu uma vaga no setor de RH de uma multinacional do setor alimentício. Segundo estatísticas do próprio LinkedIn, o perfil dele foi visualizado 1.259 vezes e apareceu nos resultados de pesquisa 5.198 vezes. É o 39° perfil mais visto entre todos os funcionários da sua empresa no mundo todo.

No caso das empresas não chegarem até você, brasileiros também têm usado a rede para o networking. Formada em marketing, Ana Luisa Bartholo viu no LinkedIn uma maneira de se reposicionar profissionalmente. Ela estava trabalhando há anos na área de esportes e queria voltar para a indústria de educação. "Eu identificava e enviava mensagens para headhunters e profissionais de RH. Muitos me recebiam para uma conversa pessoalmente. Através dos novos contatos que criei, chegou até mim a vaga do meu emprego atual", afirmou. Ana tem mais de 22 recomendações escritas e dezenas de avaliações de competências. Tudo construído e montado há muitos anos.

O LinkedIn é uma ameaça aos headhunters? 
Milton Beck concorda que o foco e atuação de recrutamento das empresas no país mudou ao longo dos últimos anos. "Antigamente, investia-se muito para contratar o topo da pirâmide porque as empresas consideravam que eles tinham um efeito interno multiplicador por 100, trazendo valor e estimulando resultado. Ninguém ligava muito para as baixas posições, preenchidas com baixo custo", afirma. Hoje, explica Beck, criou-se uma "nova categoria" de profissionais. "Eles não estão nem na base, nem no topo. As empresas querem aquelas pessoas que farão a diferença entre a empresa ser mediana e ótima".

Oficialmente, o LinkedIn não se vê como um concorrente ao trabalho dos recrutadores, consultorias, outplacements e, principalmente, headhunters (os chamado ‘caça-talentos’). Dan Shapero afirma que a empresa oferece ferramentas tanto para clientes internos quanto para os recrutadores e que o lugar do LinkedIn nesse processo é apenas o primeiro passo: a busca pelos candidatos aptos. “Recrutar é uma habilidade, nunca vai ser uma demanda”, afirma.
Consultorias vão se transformar em certificadoras e avaliadoras no processo de seleção"
RICARDO BARCELOS, SÓCIO DA HAVIK
O executivo, no entanto, reconhece que há uma mudança forte em curso e que as empresas e headhunters precisam adaptar-se para acompanhar esse novo ritmo. "Buscar talentos não é mais a maneira como os headhunters tem obtido sucesso. Os que vencem hoje são aqueles que sabem entender as necessidades dos clientes, acessar bem os profissionais e convencê-los a aceitar a nova oportunidade", diz.
Consultorias e headhunters ouvidospela NEGÓCIOS vêem o LinkedIn com receio a medida que as empresas estão contratando ferramentas da rede para recrutar ao invés de profissionais externos.

Para não perder mercado, espaço e clientes, esses recrutadores têm buscado inovações para agregar valor aos seus serviços - e ir além apenas da indicação de profissionais. Eles apostam em um trabalho inerentemente humano, que o LinkedIn não chega: identificar se aqueles possíveis talentos estão de acordo com os valores e propósitos da empresa. "Consultorias vão transformar-se em certificadoras, avaliadoras e esse vai ser o grande valor", afirma o sócio da Havik. A empresa de heahunting mudou o foco e abrangência dos serviços que oferecia. "Fizemos um processo fechado de seleção, que foge do modelo entrevista, pergunta e resposta. Elaboramos situações estratégicas para testar o candidato na futura empresa", conta Ricardo Barcelos.

Além disso, essas empresas apostam em um tipo de recrutamento específico, cuja seleção o LinkedIn ainda interfere pouco. É a seleção dos altos executivos ou profissionais de grandes cargos gerenciais, que geralmente é fechada e ocorre com discrição. "Neste caso, falamos da contratação de profissionais que a empresa não tem margem de erro. Se for mal recrutado, pode colocar em risco um projeto inteiro. Por conta do risco, as empresas ainda preferem investir em uma consultoria para ajudá-las", diz Barcelos.
 
O futuro a partir das conexões 
LinkedIn (Foto: Getty Images)
Para os próximos anos, um dos desafios da área de Talentos e Soluções do LinkedIn é o melhorar a experiência dos usuários no mobile. Este, aliás é um maiores pontos criticados pelos usuários da rede. Segundo Shapero, a ideia é oferecer melhor interação e ferramentas mais direcionadas para os 41% de usuários que só acessam o LinkedIn através do celular e tablets.
A empresa também quer dar mais atenção aos estudantes - e, indiretamente, ajudar os recrutadores a chegarem mais fácil até eles. "Os estudantes oferecem muita informação, enquanto nós temos o contato com as empresas. É muito animador pensar no LinkedIn como uma plataforma de engajamento para acessar talentos, ajudando os futuros profissionais a fazerem boas escolhas", afirma Shapero.